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Sexta-feira, 4/3/2016
O País do Carnaval - O Equilibrista
Heberti Rodrigo
+ de 800 Acessos




Como de costume, ao se posicionar em um canto do balcão, à espera de um café expresso, um capitão reformado observa os “paisanos”, como ele próprio se refere aos funcionários públicos, pequenos comerciantes e profissionais liberais que ali habitualmente se encontram nas primeiras horas da manhã, quando as notícias de primeira página dos principais jornais alentam uma convivência animada. O capitão Lacerda abstém-se de participar, limitando-se a registrar os gestos e comentários entremeados de queixas e piadas sobre o aumento dos casos de zika, tema que ao longo dos últimos meses suscitou um desassossego generalizado, ainda que não repercutisse tão intensamente como a crise econômica e os desmandos dos homens públicos no ânimo do brasileiro.

A escalada do desemprego e dos preços dos alimentos, da luz, dos combustíveis, dos políticos e suas propinas, sobretudo destas, trazidos à tona pelas operações Lava-Jato e Zelotes, havia se tornado o mais popular dos assuntos. Tão recorrente era que, mesmo nos dias mais quentes do verão carioca, uma dona de casa, ao retornar do mercado e se encontrar no elevador com uma desconhecida, já não exclamaria “Que dia quente!”, ao que a outra balançaria a cabeça num gesto de anuência e a conversa morreria. Ao invés disso, disparava algo como “O tomate está pela hora da morte!”, e sua interlocutora, de pronto, anuía sobrepondo “E a carne, então? Só tendo conta na Suíça para comer bife todo dia”. Dali em diante o bate-papo, com ares de um desabafo bem-humorado, deslizava naturalmente, ensejando intimidade. Semelhante fenômeno se passa em todo o país. O mal-estar de uma inflação na casa dos dois dígitos, a tragédia do desemprego e da zika motivam pilhérias que a todos irmana, fomentando o sentimento de nação.

Ao lado de Lacerda, um homem de meia idade, metido num terno cujo corte afeta a solenidade burocrática de um advogado de pequenas causas, após adoçar seu café, sentencia num tom jocoso: “Há não muito tempo se comprava o apoio de um deputado oferecendo-lhe uma mesada de dez mil reais. Hoje, tornaram-se corriqueiros os depósitos milionários no exterior.” Os demais soltaram um sorriso amarelo, condescendente, e continuaram a praguejar ao mesmo tempo em que faziam piada de tudo, como se assim pudessem, levando e não levando a situação a sério, se desvencilharem do atual estado de coisas.

O capitão Lacerda não ingressara no Exército empurrado pelas mãos da necessidade: fora conduzido por um ideal. Entrevia nas forças armadas o mais nobre panteão dos heróis nacionais; ali ambicionava contribuir para o progresso do Brasil. Não visava a fazer carreira. Era um sincero patriota: sonhava ver seu país ombrear as grandes nações. A pureza e seriedade de suas intenções não tardaram, porém, a lhe trazer decepções. Discerniu nos militares, o que mais tarde se descortinou diante de seus olhos também fora dos quartéis: as instituições brasileiras traem suas próprias promessas, abortando os desejos e aspirações que trazem consigo, promovendo uma realidade oposta da que propunham. Para tal contribui a ambição insuflada nos jovens em obter estabilidade no serviço público, ignorando qualquer vocação legítima, e a mania nacional de fazer troça de suas próprias mazelas. A tragédia social alimenta uma pretensa alegria, e esta o orgulho de ser brasileiro. Tudo é motivo de brincadeira, e mesmo homens como o capitão, contrários à folia democrática da qual o país se ufana diante do mundo, não escapam: a cada dois anos se veem obrigados a ir às urnas, intimidados pela ameaça de perder direitos. Ao capitão, as eleições não passam de chanchadas. O político corrupto e seus aliados negam todas as provas de seus delitos, distribuem incentivos ao consumo às vésperas das eleições, e os elegemos, e reelegemos, ratificando os votos para que nada mude ao mesmo tempo em que o imaginário popular renova suas esperanças de melhorias. Lacerda sentia-se cansado desse espetáculo burlesco, dos discursos e bravatas que contrastam com o modo de agir de quem os profere e a veracidade dos fatos. Irrita-o essa jovialidade indolente de um povo que a tudo adoça, permeando a realidade de mentiras e meias-verdades para torná-la menos amarga. Não há interesse em mudar o país, senão em seus aspectos superficiais, e para isso a política econômica dos últimos anos havia satisfeito a demanda por fantasias que ocultassem a indecência de um número crescente de crianças se marginalizando com o vício em drogas, sem direito ao essencial, enquanto o país se arruína em dívidas com a aquisição do supérfluo.

Ao longo de todos aqueles anos, o capitão exasperou-se com a ilusão de prosperidade criada pelo consumo que condena o futuro do Brasil. Pressentiu nela um terrível retrocesso, e naquela quarta-feira de cinzas ele já surgia no horizonte. A fantasia populista se desfazia, evidenciando a apatia, o cansaço e a frustração de foliões sem outra perspectiva que não o trabalho de limpar toda a imundície daqueles anos de ostentação. Quem pôde deixou a apoteose e seguiu direto para o Galeão antes mesmo de o sol nascer. Quem não pôde, segue representando, e representar é o que fazem os “paisanos” naquele boteco antes de retomarem a antiga rotina, interrompida pelos dias de festa. Se também pudesse, Lacerda faria o mesmo; não podendo segue vivendo entre os seus como um expatriado. Não compartilha daquela alegria. Às vezes, sente ganas de embarcar para longe, mas não irá. Ainda sonha ver o Brasil ensaiar um novo enredo. Até lá, continuará solitário, naquele canto do balcão, acompanhando, esperançoso, os desdobramentos da Lava-Jato enquanto toma seu café puro, forte e amargo como a realidade que se faz sentir pelos brasileiros.


Postado por Heberti Rodrigo
Em 4/3/2016 às 14h23

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