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Segunda-feira,
11/4/2016
O Velho e o Grande Cinturão dos Peso-Pesados
Heberti Rodrigo
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Mike Tyson x Trevor Berbick
À Menina, ela que chegou quando ele mais precisou, a estória de sua luta, e também de seu amor
Quando um boxeador está desferindo um golpe, ele baixa a guarda. Nunca está tão vulnerável como ao atacar. Por isso, quem tem a audácia de ir à luta precisa de quem o proteja. Isso, os que não subirem ao ringue jamais saberão. Isso, o Velho, embora velho, só veio a saber depois da queda.
O Velho sofreu um nocaute, mas engana-se quem pensa que o Velho, embora velho, esteja acabado. Durante a queda, tentou se agarrar às cordas, mas seus braços, conquanto hipertrofiados e fortes, não foram capazes de suster o peso daquela derrota. Foi à lona e dali observou o mundo dar-lhe as costas para reverenciar o novo campeão. O Velho caiu quando atacava, e não havia quem o protegesse.
Quando as luzes se apagaram, estava só. Sentia-se abatido, ferido, desnorteado, mas, sobretudo, sentia-se só. Sobre a seqüência de golpes que lhe fora imposta, se não severa demais, como alguns críticos ainda hoje argumentam, indubitavelmente, atingira-o em pontos críticos. “Muitos sucumbiriam em seu lugar. Deveria dar-se por satisfeito em ter saído inteiro daquela luta”, afirmam alguns dos amigos que presenciaram sua queda. Ele, entretanto, não está nem um pouco satisfeito, e, orgulhoso como é, se não tem na opinião dos amigos algo que amenize sua dor, muito menos se dá por vencido. Ademais, o Velho sente que não saiu inteiro daquela luta, como lhe dizem. Algo lhe foi tomado e sente necessidade de reavê-lo. Quando ainda convalescia, era possível notar que a derrota abalara sua autoconfiança, mas o incipiente desejo de revanche que com ela adveio deu-lhe a firmeza de que necessita um homem para recomeçar. Além disso, no dia de sua queda o Velho conheceu a Menina. Ela, ao tomar conhecimento do que lhe sucedera, mostrou-se disposta a ajudá-lo. Com o seu apoio, o Velho, embora, velho principiou a ultrapassar os próprios limites. Ele está se tornando mais forte, e quando se sentir forte o suficiente exigirá sua revanche. Não está disposto a morrer sem recuperar o que, um dia, perdeu. É isso mesmo, o Velho, embora velho, sem títulos e desacreditado, subirá ao ringue ainda uma vez mais. Se acaso perderá ou ganhará é difícil vaticinar. No momento, o que sabe é que não poderá passar sem uma revanche. Sabe também que não está só. A Menina está ao seu lado. O Velho quer uma nova oportunidade de mostrar ao mundo do que é capaz, e, pacientemente, obstinadamente, prepara-se para quando a ocasião da derradeira luta advir.
Embora haja momentos em que pense que fora derrotado pelo mundo, sabe que esta é uma asserção que não se encaixa com exatidão ao seu caso se não acrescentarmos a ela que o Velho perdeu para o mundo porque antes disso perdera para si mesmo. Com a queda, aprendeu que para vencer o mundo cabe a ele vencer a si mesmo. Deste modo, luta contra si mesmo, todos os dias, longe dos holofotes e do público. Assim transcorre sua vida: a cada dia, uma luta e sempre com um adversário mais forte que o anterior, pois a cada luta o Velho torna-se mais forte, mesmo quando é derrotado.
Até a noite da queda, o mundo o reverenciava como um grande lutador. Ainda hoje há quem lhe peça autografo ou lhe diga que é um vencedor, mas o Velho assim não se considera porque entende que sua luta não terminou. “Uma derrota não representa o fim”, diz. Alguns amigos aconselham-no de que é hora de ele se aposentar, de, refestelado numa poltrona, orgulhar-se de seu passado e acompanhar os novos boxeadores. Mas o Velho, embora velho, não é um aposentado e sabe que no futuro nada encontrará em sua vida para se orgulhar caso desista de lutar, pois, intimamente, está convencido de que não atingiu o que, muito antes de tornar-se um boxeador, já desejava e acreditava ser capaz de atingir. Para ele, a luta tem que continuar.
Sim, o Velho quando jovem acreditava ter uma carreira promissora pela frente e os títulos conquistados até aquela fatídica noite não deixavam dúvidas sobre sua força e envergadura. “Ele se tornará campeão mundial dos peso-pesados”, profetizava a crítica especializada. Entretanto, depois de ter visto o mundo sob a perspectiva que lhe oferecera a lona, tudo mudou. Com a derrota, o Velho passou a sentir como se tivesse perdido não apenas todos os títulos já conquistados, mas algo mais importante do que isso; perdera parte da confiança que o mundo e ele próprio depositavam em sua pessoa, e isso ele quer reaver, pois sem isso homem nenhum pode viver.
O Velho mudou muito depois daquele dia em que sua confiança foi ao chão. Tornou-se, desde então, mais concentrado em seus objetivos. Não pensou que perderia, mas sem dar-se conta perdera a vontade de lutar e quando esta vontade é perdida, tudo está perdido. Sem ela, resta-nos a lona ou ocupar um lugar na platéia. Quando perdemos a vontade de lutar, tornamo-nos aposentados à espera que a campainha soe para nós.
Perdidos os títulos, disseram que o Velho estava velho, que ele não era nada. Ler no olhar dos outros semelhante opinião foi o quanto bastou para reanimá-lo a mostrar ao mundo e a si mesmo que não está acabado. Graças isso irrompeu e, pouco a pouco, continua a recrudescer em seu espírito o desejo de lutar uma vez mais, e, por acreditar ser esta a última, quer que seja a grande luta de sua vida. Para ela, obstina-se em treinar com afinco e por conta própria, mas não só, pois sempre procura aprender algo com os grandes boxeadores de todas as épocas.
“Não há tempo a perder”, diz de si para si quando convidado a fazer parte das distrações e dos afazeres cotidianos dos aposentados. Assim pensa, porque o Velho, como disse, quer reconquistar o que perdeu. Além disso, excita seu coração a ambição de conquistar o grande cinturão dos boxeadores. Do Velho foram tomando títulos menos significativos que esse, e os que ainda conserva na parede de seu quarto apenas servem para rememorá-lo de sua derrota. Se fosse um aposentado como muitos de seus amigos, olharia com nostalgia para aqueles diplomas e fotografias, mas o Velho sendo como é, ao mirá-los é possuído por uma raiva que o motiva nos treinos.
Se bem que o tenha tratado como um boxeador, não, o Velho não é precisamente o que entendemos como boxeador. Não que também não o seja, pois o Velho acredita que viver é lutar, e, neste sentido a ele parece que cada um luta do seu jeito. Mesmo aqueles que preferem assistir, refestelados em confortáveis poltronas, aos grandes boxeadores, vez ou outra carecem de ir à luta. Seja como for, o modo de o Velho lutar é escrevendo. Ao Velho somente importa a sua luta, a sua revanche. Não quer viver como toda gente. Não quer estar junto de seus amigos aposentados na platéia. O Velho, embora velho, só quer saber de treinar; o Velho, embora velho, só quer tornar-se mais forte. Ele quer reaver o que lhe fora tomado. Quer o grande cinturão. Se para tal, precisar atacar novamente, ele o fará, mas dessa vez acredita que desfecho será outro. O Velho aprendeu uma importante lição: nunca se está tão vulnerável como quando se está atacando. Por isso, quem ataca precisa de quem o proteja. Por isso, precisa da menina, e agora que ela lá está para protegê-lo, acredita que vencerá.
Postado por Heberti Rodrigo
Em
11/4/2016 às 18h36
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