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Quarta-feira,
13/4/2016
As Ondas
Heberti Rodrigo
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A Onda, Anita Malfatti
- Aqui está seu café, meu amor.
- Obrigado.
- Você ainda não me parece bem. Vou fechar a janela antes que adoeça novamente.
- Não, não feche. Sinto-me melhor com a janela aberta. Gosto de observar o mar. É noite novamente, e ele está tão belo agitado.
- Se está se sentindo melhor, por que essa aparência estranha?
- Só estou um pouco angustiado, e temeroso.
- Você, com medo?
- Estou, mas por que todo esse espanto?
- Por nada, apenas não me havia passado pela cabeça que pudesse sentir medo, pelo menos não em seu quarto, diante da máquina de escrever. Sempre me pareceu seguro entre estas quatro paredes, cercado por seus livros e cumprindo o que acredita ser o seu destino.
- E há quem, ao menos de vez em quando, não se sinta profundamente inseguro em relação ao próprio destino?
(Os dois se calam. Ao fundo, o som das ondas)
- Qual é o seu medo?
- Não suportar a estranha pressão de um trabalho que não entrevejo como exatamente se realizará e nem ao menos sei se terei tempo de realizá-lo.
- Por que está dizendo isso se ontem, especialmente depois que enviou o texto para a editora, estava tão confiante?
- Não sei. Talvez porque pela manhã tenha visto o mar tão calmo e, à tarde, de repente, o tempo virou e as ondas começaram a bater violentamente contra as pedras; vi como o dia subitamente tornou-se frio e sombrio. Você acha que isso acontece com as outras pessoas?
- Isso o quê?
- De olharem para o mar e sentirem-se assim como eu.
- Assim como?
- Como se pouco a pouco suas vidas estivessem sendo definidas por circunstâncias que lhes fogem do controle, da mesma maneira que a força das ondas delineia formas inusitadas nas rochas.
- O que quer dizer com isso?
- Que, talvez, o livre-arbítrio não passe de uma ilusão, e cada um de nós, diante de sua própria vida e ao longo da mesma, na realidade só tenha duas escolhas, se houver escolha: “encarar seu destino” ou “não encará-lo”, pois o destino em si mesmo pode não ser passível de mudanças meramente motivadas pelas nossas vontades. A forma que as rochas adquirem depende de sua constituição íntima – seu caráter -, mas, sobretudo, da ação das ondas sobre elas ao longo do tempo. E se com os homens suceder algo semelhante?
Postado por Heberti Rodrigo
Em
13/4/2016 às 15h35
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