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Sexta-feira,
15/7/2016
A voz de Svetlana em Paraty
Monica Cotrim
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Quando anunciaram o nome da jornalista bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, na Tenda dos Autores da Festa Literária Internacional de Paraty, me levantei da cadeira num pulo. Era o momento mais esperado da Flip. Mal podia acreditar que estava a poucos metros da detentora do Prêmio Nobel de Literatura que, nove meses antes, me tinha roubado o sono de muitas noites a fio, por causa do livro Vozes de Tchernóbil.
Será mesmo ela?
Com passos miúdos e vestida com a simplicidade discreta de quem conhece bem o próprio valor e não faz a menor questão de aparentar o que não é, a jornalista e escritora de 63 anos de idade nos sorriu timidamente e logo se encaminhou à cadeira que lhe foi destinada, procurando rapidamente uma posição confortável.
Enquanto a plateia aplaudia entusiasmada, lembrei-me de um detalhe insignificante que li em uma reportagem sobre o Nobel, em outubro do ano passado. A matéria dizia que, quando o telefone tocou para lhe dar a notícia do prêmio de 1,4 milhão de dólares, Svetlana se encontrava em casa, tranquilamente... passando roupa! Esta insignificância nunca me saiu da cabeça. Para mim, a imagem pé-no-chão da ilustre jornalista, passando roupa no seu momento de maior glória, revela mais sobre a personalidade desta mulher incomum do que longos discursos laudatórios.
Assim que vi o nome de Svetlana nos jornais, procurei ler algum dos seus livros. Foi tarefa complicada. Percebi que o trabalho da jornalista bielorrussa era desconhecido do lado de cá do Atlântico. Os Estados Unidos ainda não haviam prestado muita atenção nela. Traduções ao Português, até onde pude investigar, simplesmente inexistiam. Encontrei finalmente uma versão eletrônica, com boa tradução ao Espanhol, do Vozes de Tchernóbil - um livro emocionante e perturbador, baseado em entrevistas com sobreviventes do acidente catastrófico da usina nuclear de Chernóbil, na Ucrânia, então parte da União Soviética, ocorrido em 1986.
Escrito com uma humanidade tocante, Vozes de Tchernóbil me pegou pelo estômago. Devorei-o com uma voracidade e encantamento que há muito tempo não sentia ao ler um livro. Fiquei tão emocionada, que acabei escrevendo um texto sobre ele aqui no blog. (Se quiser lê-lo, basta clicar aqui.)
Ao final do livro, uma pergunta não saía da minha cabeça: por que é que o mundo levou tanto tempo para descobrir a obra desta escritora monumental?
Assim que terminei o livro, fui logo em busca de outro. Mais uma vez, senti-me grata por viver na era mágica da internet, que me permitiu ler A Guerra Não Tem Rosto de Mulher sem ter que esperar meses até seu aparecimento nas livrarias daqui do Brasil. É um livro forte, inesquecível, tão impactante quanto o primeiro. Desta vez, porém, o tema é o envolvimento das jovens mulheres soviéticas na Segunda Guerra Mundial, que deixaram para trás tudo o que tinham - famílias, estudos, segurança, conforto, inocência e juventude - para pegar em armas e lutar no front contra o exército alemão, embriagadas pelo fervor nacionalista do stalinismo.
Como indica o próprio título do livro, a importância da feminilidade na vida das mulheres traz revelações surpreendentes, tanto na guerra quanto na paz, provocando profundas reflexões sobre a questão do feminino vs masculino. Assim como no livro sobre Tchernóbil, A Guerra Não Tem Rosto de Mulher é uma sequência de depoimentos comoventes colhidos ao longo de anos, em centenas de entrevistas. Svetlana, entretanto, prefere evitar este termo. "Não faço entrevistas", fez questão de ressaltar durante a apresentação na Flip. "O que faço são visitas às casas das mulheres, onde tomamos chá e passamos horas conversando, sem pressa nenhuma, sobre temas que nos interessam - falamos sobre uma blusa nova que compramos, uma boa receita de bolo ou a vida com nossos netos. Aos poucos, vêm à tona lembranças de detalhes das histórias da guerra que, para muitas daquelas mulheres, pareciam estar completamente esquecidos e apagados."
Os relatos que Svetlana consegue obter nessas longas conversas são de uma força emocional esmagadora. "A guerra é uma vivência demasiado íntima", acredita Svetlana. "Não me interessam os fatos externos nem as estatísticas da guerra, mas os sentimentos das pessoas, a história omitida." E se define, com firmeza delicada: "Sou historiadora da alma".
Se você está planejando ler algum destes livros, prepare-se para entrar num redemoinho emocional violento. Svetlana não brinca em serviço. Ela mergulha fundo no coração das pessoas, sem dó nem piedade, manejando com habilidade um afiado bisturi jornalístico. Mas apesar das tragédias e da dureza dos temas tratados, a jornalista consegue extrair de cada entrevistado os sentimentos mais belos e nobres existentes no ser humano, como solidariedade, amizade, generosidade, coragem e, acima de tudo, amor ("essa palavra de luxo", como diz a poeta Adélia Prado). Mesmo quando descreve as cenas mais cruas e dolorosas, o que Svetlana quer nos transmitir, na verdade, são as falas que vêm do coração. Sem jamais resvalar para o sentimentalismo, ela garante: "A única saída existente hoje no mundo, para a humanidade, é o amor."
Atrás daquele semblante afável, Svetlana não esconde o que pensa sobre a política russa atual. Sem meias palavras, dispara: "Não temos ilusões políticas, sabemos que bandidos estão no poder. Nós, democratas, fomos derrotados. Para reconquistar a liberdade, ainda temos um longo caminho a percorrer. E daí? Muito mais importante do que tudo isso na vida é estar perto das pessoas a quem queremos bem. Por isso resolvi retornar ao meu país." E pergunta, com um sorriso desarmante: "Como poderia viver longe da minha netinha?"
Postado por Monica Cotrim
Em
15/7/2016 às 23h01
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