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Sábado,
3/9/2016
As Marias
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Hoje, num corredor estreito do Mercadão Municipal, passei diante de um rosto antigo, que me remeteu a mais tenra idade. Nos tempos que agora conto, o nome Maria era muito comum. Enquanto o vulto foi desaparecendo entre as bancas de verduras, fiquei meditando: É uma das Marias de antigamente, mas não sabia exatamente qual. Naqueles tempos, diferente dos dias atuais, que impera o politicamente correto, os apelidos proliferavam, sem qualquer tipo de preconceito ou coisa que o valha, era um costume. E como as Marias eram tantas, sempre se dava um jeito de encaixar algum caso ao nome. Maria Cabelinho, por exemplo, tinha esse apelido devido a uma mecha de cabelos, que ela mantinha jogada para o lado da testa, esticada até não dar mais, curtida em quina petróleo, que era o alisante da moda naquele começo de anos setenta. Meu tio Lourival tinha uma vitrola portátil, que levava para os bailinhos nas casas vizinhas. Num desses bailes, certa vez aconteceu confusão, alguém sacou de uma arma e deu um tiro, que pegou de raspão na perna de uma Maria. Foi só um susto, que resultou na Maria Baleada, moça bonita da perna riscada a bala. Certa vez, num outro baile, tio Zequinha fez um elogio qualquer a uma Maria e, desde então, ela deu de aparecer constantemente na nossa casa. Na época, as rádios tocavam com freqüência uma canção, cujo refrão dizia “shalala”, que a tal Maria trazia grudada na boca, nem se dava ao trabalho de cumprimentos, já chegava cantarolando a música, acompanhada de um som esquisito de falha nos dentes, stic, stic, enquanto com os olhos rasos d’água procurava pelos cantos da casa o meu tio. Minha mãe imita a Maria Shalala com perfeição até hoje, com direito ao tic lingüístico no final, só para nos arrancar risadas, “shalala, stic, stic”, ela diz. De todas as Marias, a que mais me intrigava era a Maria Canelinha, porque não sabia ao certo o motivo daquele apelido. Recentemente, minha mãe esclareceu, naquele brilho nos olhos que só dona Dalva tem quando conta travessuras: “É porque ela usava uns vestidos curtos e vinha nos visitar com o sol batendo nas canelas finas, que brilhavam de longe”. Muitas daquelas Marias não precisaram de apelidos, eram santas Fátima, Das Dores, Das Graças, De Lourdes, Aparecida. E não poderia escrever de tantas Marias sem revelar que tenho duas tias, que são gêmeas, Maria Marta e Marta Maria, que nós as chamamos de Marta e Martinha, e disso elas nunca reclamaram, até porque as outras irmãs se chamam Vidalvina e Eurinda Alvina. E são tantas as Marias que viviam naquela época e que agora povoam o meu pensar, que exclamo em voz alta, assustando um transeunte: Ave, Maria! O rosto que passou por mim aos poucos foi se apagando. Maria Cabelinho, Maria Baleada, Maria Shalala, Maria Canelinha, tenho certeza que era uma delas. Detesto quando não consigo desvendar minhas dúvidas. Voltei para casa ruminando ao invés de falar, as mãos pensas, o pensamento na estrada do tempo, trazendo novamente aquela canção aos ouvidos, shalala stic, stic.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
3/9/2016 às 22h44
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