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Quinta-feira,
13/10/2016
Bob Dylan ganhando o Nobel de Literatura
Julio Daio Borges
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Não é nova a incursão da poesia na música popular. O principal exemplo, no Brasil, é o de Vinicius de Moraes, que foi poeta de verdade antes de ser compositor popular. João Cabral de Melo Neto, que foi um dos maiores poetas do século passado, disse que Vinicius poderia ter sido o maior, se quisesse. E Carlos Drummond de Andrade, outro dos grandes do século XX, disse que Vinicius foi o único poeta que teve a coragem de viver como poeta.
Já a partir dos anos 60, podemos considerar que os "poetas" - ou "os que poderiam ter sido" - optaram, diretamente, por fazer letras de música. E o principal exemplo, no Brasil, é o de Chico Buarque de Hollanda, o letrista que está mais próximo da poesia desde Vinicius (apesar de seus romances tardios).
Ninguém nega a importância cultural - e até social, nos anos 60 - de Bob Dylan. Havia duas pessoas que os Beatles queriam conhecer quando se tornaram famosos. A primeira era Elvis Presley e a segunda era Bob Dylan. Zimmerman, seu sobrenome original, foi a grande influência de George Harrison, a ponto de John Lennon reclamar da idolatria em entrevistas.
No filme "Não estou lá", em que vários atores encarnam o multifacetado Dylan, fica registrada a sua aproximação com Allen Ginsberg, o poeta beat. Considerando que os beatniks foram os pais intelectuais dos hippies - e, por conseguinte, de todos os anos 60 como nós os conhecemos -, é significativo o respeito que Ginsberg dedicava a Zimmerman.
Bob Dylan compôs verdadeiros hinos - que embalaram a juventude sessentista. E sua passagem do "folk", do violão, para o rock, da guitarra, é considerada, culturalmente, revolucionária. Repercutindo, também, no Brasil: quando Caetano Veloso chamou Os Mutantes para "eletrificar" Alegria, Alegria, originalmente uma marcha-rancho.
Se tivesse morrido nos anos 60, 70, ou até 80, Dylan teria se transformado num mito da cultura popular, como John Lennon, James Dean e Marylin Monroe. Mas preferiu sobreviver - e é óbvio que a mesma intensidade não teria como se manter: Bob Dylan se diluiu.
Caetano Veloso, contudo, nos mostrou que Zimmerman continuava fértil, quando fez a sua versão para Jokerman, de 1983, ainda uma grande letra.
Até Steve Jobs - um hippie tardio, que misturou contracultura com business, e que namorou Joan Baez, a grande intérprete de Dylan - se gabava de conhecê-lo e de poder convidá-lo para jantar. (Tentou imiscuí-lo nos eventos da Apple, sem muito sucesso.)
Tudo isso para dizer que Bob Dylan é uma grande figura, no melhor sentido do termo, e que tem uma importância, para a música popular, e para a *cultura* popular, inquestionável.
Agora: Prêmio Nobel de Literatura, não acho que seja o caso...
Sei que a academia sueca tem lá as suas idiossincrasias - e já premiou figuras muitos menos significativas, inclusive escritores, com o Prêmio Nobel.
Mesmo assim, considero premiar Dylan, com o Nobel de Literatura, um erro e uma injustiça.
Primeiro porque Bob Dylan não precisa. É suficientemente conhecido. E, ainda mais, rico. Como enumerei, foi reverenciado desde Harrison até Jobs. E é difícil uma pessoa na Terra que, mesmo indiretamente, não tenha sofrido influência sua. Já teve fama e gloria. Sem falar em poder e dinheiro.
Já os escritores, como bem sabemos, precisam. E a literatura, de verdade, também precisa. Um exemplo é Philip Roth, outro dos cotados para o Prêmio. Roth, também judeu, foi muito lido nos Estados Unidos, OK (é o maior escritor norte-americano vivo) - mas não dá para comparar onde a música de Dylan chegou com onde a literatura de Roth chegou. Se alguém precisa de reconhecimento, é a alta literatura. E se alguém precisa de dinheiro, *não é* a música pop.
No Brasil, é lembrado, nessas horas, Ferreira Gullar. É difícil comparar sua literatura - ele escreveu poesia de verdade - com a "literatura" de Bob Dylan. Mas podemos comparar com a "poesia" de Chico Buarque: como "poeta", Chico pode ser mais popular, mas Gullar - poeta de verdade - é maior. E se você tentar comparar as letras breves de Chico com o "Poema sujo", de Gullar, não vai conseguir - porque não há comparação.
Por fim: se essa moda pegar, e se forem premiar todos os grandes letristas dos anos 60 pra cá - com o Nobel de Literatura -, os escritores nunca mais vão ganhar.
E olha que eu gosto de música de música popular... Mas literatura - alta literatura - é outra coisa. (Quem leu, sabe.)
Para ir além
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Postado por Julio Daio Borges
Em
13/10/2016 às 11h33
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