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Segunda-feira,
31/10/2016
A montanha
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Descobri dias desses que ainda guardo na memória o cheiro da infância, e que o tal cheiro é de grama molhada de orvalho misturada com bosta de vaca. Lembrei-me disso assim que meu caminho cruzou com o de uma senhora dos cabelos brancos e do riso meigo. Toda senhora dos cabelos brancos me remetem à minha avó. Não sei precisar quando foi que os cabelos da Lolinha se tornaram brancos, acho sinceramente que ela sempre teve os cabelos brancos. Eu sinto muito a falta da minha avó. Feliz o sujeito criado com avó. Lolinha dizia que a vida é uma montanha, que começa nas gramas que cerqueiam a campina e termina numa árvore no centro do topo da montanha. Para alcançá-la é preciso saber viver. Hoje consigo vislumbrar a montanha e até mesmo as folhas verdes da frondosa árvore no cume. Minha avó dizia que quando acaba a campina, nos arrastarmos pelo sopé, até que surgem as primeiras pedras, que muitas vezes conseguimos triturar, noutras as colocamos de lado, evitando o peso, ou simplesmente damos a volta, com medo do tropeço. Um rio atravessa a montanha; alguns trechos são de água cristalina, na qual os peixes borboleteiam em saltos espetaculares, depois é água barrenta, por onde não se navega sem ter em mãos remos firme. Visto de perto é um rio por demais violento. E surgem os bichos, de todos os tipos, cores e tamanhos, formando barreiras medonhas que precisamos ultrapassar. Silenciosas metamorfoses acontecem no trecho entre o rio e a mata. No meio do caminho aparecem as rosas e é necessário prestar muita atenção, evitar os espinhos, porque uma dessas rosas, um dia será sua inseparável companheira. As árvores vão surgindo, de todos os tipos e cores, algumas de raízes podres, outras tão imensas, que simplesmente não conseguimos nelas nos agarrar. Lá pelos quarenta e cinco anos, finalmente chegamos ao cume da montanha e tocamos a grande árvore. É quando o tempo passa mais depressa e logo se faz necessário retornar. No caminho de volta, que agora é descida, por isso mais fácil, revemos na outra margem tudo o que passou, estranhando ao se dar com caminhos mais fáceis, que evitamos, sem querer, percebendo, num riso pasmo, que nem tudo foi tão verde, mas o que antes fora cinza, olhando de perto, nem era tão escuro assim. É quando se faz possível rever o rio e identificar as margens que o oprimem, cada lasca de barranco que cai é o sinal dos passos dados, ás vezes firmes, às vezes tortos. E embora na descida a saudade nos desmonte, não é recomendável remexer os escombros dos velhos quintais, procurar nas rachaduras da montanha algo que se perdeu, pois tudo é nuvem, vento que sopra, passou, não volta mais. Finalmente consigo entender o que a minha avó queria dizer quando afirmava que as folhas das árvores, que antes eram ásperas e duras, agora estão lisas e soltas, que é preciso manter os olhos bem abertos aos insondáveis mistérios da vida, (dominado) pelo fascínio que sopra da montanha e aos poucos me preenche. E tudo termina, depois recomeça, naquela mesma grama cheirando a bosta de vaca.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
31/10/2016 às 20h30
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