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Quinta-feira,
15/12/2016
Pai e Filho
Heberti Rodrigo
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Hoje é o primeiro dia em que eu e meu filho ficamos longe um do outro. Ele acompanha a mãe ao trabalho. Quando Theo nasceu, eu e a Namorada tomamos a decisão de que eu ficaria com ele ao invés de colocá-lo numa creche ou entregá-lo aos cuidados de uma babá ou qualquer outra pessoa que fosse. Creche, só depois que ele se comunicasse bem conosco. Passados quase três anos posso dizer que foi uma das decisões mais difíceis que tomei na vida. Cuidar de um filho envolve muito tempo e energia de modo que tive de deixar em segundo plano o que entendo ser minha vocação. Escrever e ler se tornaram um luxo do qual eu apenas consigo desfrutar com calma nas férias de minha esposa. Em fins de semana, até consigo ler, e a escrita fica restrita a alguns poucos posts, pois tenho que conciliar ambas atividades com outros afazeres cotidianos. Quem vivenciou ou vivencia semelhante experiência sabe do que estou falando, sabe que não é trivial ser pai, mesmo quando não se passa o dia com os filhos. Havia momentos, ou melhor, há momentos em que sinto muita falta de não ter tempo para escrever. Entretanto, não me arrependo da escolha que fiz pois hoje tenho uma relação muito especial com meu filho, além de saber que ele teve carinho, atenção e condições de se desenvolver que não sei se teria se estivesse sob os cuidados de outra pessoa – conheço poucas pessoas tão sensíveis como eu no que diz respeito à alimentação e outras necessidades de uma criança como as de simplesmente brincar, fantasiar e se movimentar, seja em casa seja nos parques.
Uma coisa que ameniza os momentos em que sinto falta de escrever é a ideia de que em breve tornarei a ter mais tempo, afinal meu filho está crescendo e logo irá para a escola, começará a ter uma vida além do pai e da mãe. Antes disso e partir do ano que vem minha esposa entrará em licença e passará mais tempo com ele. Será o último ano antes de ir para a escola e ter um contato maior com outras crianças além do que tem pelas manhãs nos parquinhos. Os limites do mundo dele começarão a se alargar fora da esfera familiar. Sinto que fiz o que estava ao meu alcance para que Theo tivesse a companhia de um bom pai em seus primeiros anos. Sinto que agora é hora de eu voltar a escrever até mesmo para que continue sendo capaz de ser o pai que tenho sido, alguém que ao longo de sua vida contribua para que ele encontre sua vocação, aquilo que o faça sentir-se vivo. Sinto que não poderei ajudá-lo se eu mesmo não voltar a me dedicar a minha. Foi difícil mas gratificante ter acompanhado de perto o dia a dia de meu filho até aqui, mas de agora em diante penso que tornar a ler e a escrever, a passar algumas horas do dia sozinho, será tão importante para mim como para o ele. Na verdade, acredito que será importante para nós três enquanto família.
Para terminar, deixo, abaixo, umas palavras da escritora Natalia Ginzburg, com as quais tenho grande afinidade, sobre a educação de nossos filhos:
Uma vocação, a paixão ardente e exclusiva por algo que não tenha nada a ver com dinheiro, a consciência de ser capaz de fazer uma coisa melhor que os outros, e amar essa coisa acima de tudo, é a única possibilidade de um garoto rico não ser minimamente condicionado pelo dinheiro, de ser livre diante do dinheiro: de não sentir em meio aos demais nem orgulho pela riqueza, nem vergonha por ela. Ele nem se dará conta das roupas que usa, dos costumes que o circundam, e amanha poderá passar por qualquer privação, porque a única fome e a única sede serão, nele, sua própria paixão, que devorará tudo o que é fútil e provisório, despojando-o de todo hábito ou atitude contraído na infância, reinando sozinha em seu espírito. Uma vocação é a única saúde e riqueza verdadeiras do homem...
E, se nós mesmos, pais, tivermos uma vocação, se não a traímos, se continuarmos a amá-la no decurso dos anos, a servi-la com paixão, podemos manter longe do coração, no amor que sentimos por nossos filhos, o sentimento de posse. Porém, se não tivermos uma vocação, ou se a tivermos abandonado e traído por cinismo, ou medo de viver, ou um amor paterno mal compreendido, ou por uma pequena virtude que se instala em nós, então nos agarramos aos nossos filhos como um naufrago ao tronco da arvore, pretendemos vigorosamente que nos devolvam tudo o que lhe demos, que sejam absoluta e implacavelmente tal como nós os queremos, que obtenham da vida tudo o nos faltou terminamos pedindo a eles tudo o que somente uma vocação pode nos dar: queremos que sejam nossa obra em tudo, como se fossem não seres humanos, mas obra de espírito. Porem, se tivermos em nós uma vocação, se não a renegamos ou traímos, então podemos deixá-los germinar tranquilamente fora de nos, circundados da sombra e do silencio que o brotar de uma vocação e de um ser requer. Esta talvez seja a única oportunidade real que temos de ajudá-los em alguma medida na busca de uma vocação, conhecê-la, amá-la e servi-la com paixão, porque o amor à vida gera amor à vida.
Natalia Ginzburg
Contato: [email protected]
Postado por Heberti Rodrigo
Em
15/12/2016 às 11h00
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