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Domingo,
29/1/2017
Entre tapas, churros e chatos
Monica Cotrim
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Recentemente voltei de uma viagem de dez dias a Madrid, Toledo e Valencia, para a qual não tive muito tempo de me preparar. Não era a primeira vez que visitava a Espanha e, das outras vezes, havia feito meu dever de casa diligentemente, vasculhando informações em livros, filmes e artigos publicados sobre este país encantador e sempre surpreendente. Autoconfiante no meu castelhano (talvez um pouco demais!) e nas boas experiências passadas, fiz a mala de qualquer jeito e rumei ao aeroporto, despreocupada e feliz. Porém - há sempre um "pero" quando se fala a língua dos espanhóis! - por mais que a gente se prepare antes, a Espanha sempre nos faz sentir como um marinheiro de primeira viagem.
Compartilho aqui algumas observações culturais e gastronômicas que fiz durante esta curta temporada, que provam, mais uma vez, que a Espanha é um universo infindável de descobertas deliciosas para o estrangeiro.
1) Ao contrário do que eu supunha - depois de ter lido reportagens sobre a crise financeira que atravessa a Espanha desde 2008, com taxa de desemprego superior a 25% e um grande número de jovens que têm deixado o país em busca de melhores condições de trabalho -, o que vi nas ruas das cidades que visitei não reflete absolutamente o clima de um país em crise. Os espanhóis parecem se divertir bastante, frequentam bares e restaurantes alegremente até altas horas da madrugada, não se preocupam com a segurança nas ruas e utilizam meios de transporte público perfeitamente confiáveis a qualquer hora do dia ou da noite. Não vi crianças vendendo balas ou pedindo esmolas. Avistei alguns grafites na periferia das cidades, mas não vi nenhum edifício do centro pichado.
2) Os espanhóis são muito diretos, falam o que lhes dá na telha, sem subterfúgios, em alto e bom som. Adoro isso! Imagino que, para muitos estrangeiros, esse jeito franco pode vir a ser confundido com grosseria - mas é apenas uma característica da cultura espanhola. No fundo, são bem afáveis. Eles têm uma mania semelhante à dos brasileiros de tocar fisicamente a pessoa com quem estão falando (um tapinha nas costas, um pequeno toque no braço) para demonstrar certa atenção especial. Há pessoas que detestam esse tipo de invasão do espaço privado, mas o espanhol nem liga e vai tateando quem ele bem entender. Sinceramente, acho que eu me daria muito bem se vivesse entre eles.
3) A vida noturna em Madrid é uma das mais animadas (e econômicas) de toda a Europa. A “noite”, aliás, começa bem depois do sol se por. Notei que eles dizem “sete horas da tarde”, em vez de “sete horas da noite”. Pessoas de todas as idades (inclusive crianças) circulam ruidosamente pelas ruas da cidade, conversando, rindo e cantando, até se cansarem. É invejável o jeito guloso dos espanhóis de curtirem a noite. Quando saem de casa para qualquer programa, eles sempre passam antes em algum bar para tomar pelo menos uma taça de vinho ou cerveja e mordiscar tapas. "Nós não sobreviveríamos sem nossos bares", me disse um espanhol. Numa noitada típica, percorrer diversos bares de tapas, um após o outro, é o próprio programa. Parece algo “normal”, mas não é. Desafio qualquer turista brasileiro a fazer isso sem a ajuda de um amigo espanhol! Muito provavelmente o viajante voltará ao quarto de hotel exausto e faminto. É que há uma “técnica” toda especial que só eles entendem de se pedir alguma coisa nos balcões, em geral apinhados de gente comendo, bebendo e gritando.
Bar de tapas El Lacón em Madrid
É preciso, antes de mais nada, que o turista tenha conhecimento de um fato perturbador: o espanhol não faz fila. Sério. Os atendentes dos balcões só prestam atenção aos clientes que lhes dirigem a palavra gritando. Além da gente ter que brigar para ser ouvido, tem que se esforçar para pronunciar corretamente o nome daqueles tapas que estão no cardápio, mas que a gente nunca viu antes. Para complicar, alguns desses nomes não estão sequer escritos em castelhano, mas em algum dos outros muitos idiomas ou dialetos falados no país. Palavras como “pintxos” (espetos bascos) e “espencat” (tapa valenciano) aparecem em perfeita harmonia ao lado de “patatas bravas”. Levei algum tempo para perceber que “chato” não era o que eu pensava, mas uma pequena dose de vinho e que “vaso de chato” é um diminuto copo para degustação.
4) Confesso que alguns tapas não me apeteceram quando li seus nomes no cardápio – como “oreja de cerdo” (orelha de porco) e “matambre de ternera” (mata-fome de vitela), mas os entendidos garantem que são muito saborosos. Em contrapartida, me deliciei à vontade com as tradicionais “gambas al ajillo” (camarões no alho), “croquetas de jamón” (croquetes de presunto), “queso manchego” e inesquecíveis porções de “jamón ibérico” (presunto curado, orgulho da região). Aprendi que “tostas” correspondem às nossas conhecidas “bruschettas” e são sempre uma boa pedida para acompanhar o vinho ou a cerveja.
Tostas no Mercado San Miguel, Madrid
5) Para a gente se aquecer num dia frio, há poucas bebidas mais deliciosas do que o “carajillo” – café fortificado com algum tipo de bebida alcoólica. Tomei uma vez com Bailey’s e logo fiquei viciada. Em que outro lugar do mundo você pode pedir em voz alta no balcão “un carajillo, por favor!”, com a maior dignidade ?
6) Outra bebida muito apreciada pelos espanhóis é a “horchata”, um tipo de refresco feito com o leite extraído de uma planta chamada “chufa”. No Brasil ela é conhecida como “junquinho” (ou “junça”) e considerada planta daninha, mas na Espanha é cuidadosamente cultivada. Não morro de amores por esta bebida leitosa e adocicada, mas, quando a gente viaja, parece que tudo fica mais atraente. Tomei “horchata” duas vezes na rua e achei ótimo!
Horchatería em Valencia
7) Outra coisa que não como de jeito nenhum aqui no Brasil, mas que na Espanha tem um sabor todo especial é “churro”. Não que esta fritura massuda e sem graça tenha um gosto melhor lá na Espanha. O que muda é o jeito de se comer: antes de levá-lo à boca, a gente deve mergulhar o churro numa xícara de chocolate quente. Só então, tentando evitar os respingos de chocolate pela mesa no trajeto entre a xícara e a boca, estaremos prontos para saboreá-lo à moda espanhola. É viagem garantida de volta à infância!
Churros com chocolate: uma viagem à infância
Enquanto comia meus primeiros churros da viagem, achando que já dominava toda a cena madrilenha, dei com os olhos num cartaz que me confundiu um pouco, onde se anunciavam “porras con chocolate”. Uma rápida consulta ao garçon me tranquilizou. Na Espanha, “porra” é um tipo de churro, feito com a mesma massa, porém mais grosso e sem as ranhuras na superfície.
Churros e porras são vendidos por todos os cantos da Espanha, mas há um local em Madrid que se destaca de todos os outros – a Chocolateria San Ginés, fundada em 1894. No começo do século XX, era ponto de encontro de celebridades literárias, mas hoje os frequentadores são na maioria turistas. Um detalhe que me impressionou: a chocolateria fica aberta 24 horas por dia, sete dias por semana.
8) Uma dica valiosa para qualquer turista desavisado na Espanha: “bocadillo” não significa “bocadinho”, mas sanduíche feito com aqueles pães deliciosos, tipo baguete italiana, de farinha boa. Logo no início da viagem, caí na besteira de pedir um “sándwich de jamón”, caprichando na pronúncia, apenas para receber da balconista o sanduíche de presunto mais sem graça deste mundo, feito com pão de forma. Depois dessa experiência frustrante, aprendi: para comer um bom sanduíche, é preciso pedir “bocadillo de jamón ibérico”. E nem precisa caprichar na pronúncia, que todo o mundo entende.
Postado por Monica Cotrim
Em
29/1/2017 às 12h12
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