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Quinta-feira,
9/3/2017
Turbulências
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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A primeira vez que voei ocorreu na semana seguinte ao atentado às torres gêmeas. Antes eu não tinha medo de quase nada, só de fantasmas, lobisomem e ratos. É bem provável que essa lista seja mais extensa, mas voltemos ao avião: o primeiro desconforto foi perceber que aeroporto é um lugar fácil de se perder. Em meio a setas, monitores e gente estranha, me senti um vencedor quando encontrei o portão de embarque. Eu estava um pouco ansioso, mas o meu queixo danou a bater quando uma voz feminina anunciou o embarque do vôo 6666 com destino a Campo Grande. As escadas de alumínio refletiram alguns rostos e senti uma vontade enorme de fugir, recuar, mas nem tive muito tempo de pensar, já arrastado pelos passageiros que vinham atrás. Meu lugar era na poltrona do meio e me lembro com detalhes o senhor enorme ocupando a janela e uma senhora muito magra que ficou na poltrona do corredor. Exprimido entre eles, tentei mentalizar a quinta de Beethoven , embora o momento pedisse um rock pauleira. A voz do piloto ecoou pela nave e bateu de vez o desespero. Será que ficaria muito chato se eu pedisse para descer? A comissária se postou ereta à nossa frente, fazendo gestos com os braços, aumentando minha aflição. O suor quente escorreu por minha testa após o último aviso: em caso de queda no mar, as poltronas serviriam de canoa, ou algo assim: danou tudo, pensei, eu não sei nadar. Tentei conversar com o sujeito da janela, mas ele estava entretido fazendo palavras cruzadas. Olhei com olhar de filhote de cachorro para a dona magra no outro lado, mas ela estava em meio a uma oração. A imagem das torres gêmeas era tudo o que eu conseguia pensar. A voz do piloto me pareceu grave demais: “tripulação, preparar para decolagem”, e não disse mais nada, o bicho rugiu feio, os motores explodiram e eu percebi o quanto a vida não vale nada, bastava uma faísca errada e todos viraríamos carvão. Joguei novamente as vistas para o lado da senhora magra e percebi, abismado, que ela simplesmente fechou os olhos e dormiu. Como alguém consegue dormir estando próximo do fim de tudo? Veio então o primeiro solavanco e meu olho esquerdo afundou. Só o esquerdo, o direito permaneceu aberto mais que o normal, em constante vigília. Novos solavancos se seguiram e tive ímpetos de gritar para que a dona magra do corredor acordasse ou o infeliz da janela parasse com as palavras cruzadas. As luzes acenderam e a voz grave do comandante avisou que havíamos passado por uma zona de turbulência, garantindo tranqüilidade dali adiante; quanta maldade podia ter avisado antes, talvez eu não tivesse trocado o fígado de lugar com a garganta. Quando enfim pousamos, abri no rosto o sorriso igual ao gato de Cheshire. Meus pés tocaram o solo moreno da minha cidade e ainda que os ouvidos zunissem, senti um alívio tão grande que quis dançar a galopeira. Nesse troço “num munto mais”, pensei, juntando restos de palavras misturadas ao suspiro de alívio. Muitos vôos depois, já não sinto medo, apenas me entupo de calmantes e durmo a viagem inteira.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
9/3/2017 às 11h49
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