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Quinta-feira,
6/7/2017
Sudório dormiu na despensa
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Na manhã fria de domingo, ao abrir a despensa, lá estava ele, estirado no assoalho, dormindo de olhos abertos, o menino de nome Sudório. Depois do susto, rompemos em risos. Como ele conseguiu dormir naquele chão frio em meio às panelas? Tudo o que sabíamos é que era um dos amigos do mesmo curso de Publicidade e Propaganda da Andreza, dos tantos a invadir nossa casa nos fins de semana de festa ou estudo. Sudório é um pretinho (me recuso a falar afro-descendente) bem magro, dos olhos grandes, da voz faceira e do dom de fazer amizade na mesma proporção que distribui sorrisos e gentilezas. É o típico amigo para qualquer hora, atende sem hesitar qualquer pedido: vamos cozinhar, ir ao mercado, limpar os pratos, organizar a bagunça? Ele sempre está disposto. Dias desses me fez um desafio: “você podia escrever alguns relatos de experiências. Ajudaria quando a faculdade acabar e o mundo vier nos engolir vestidos de publicitários”. O convite permaneceu latejando na minha cabeça, até pegar um papel e escrever a primeira lição: jogue as palavras para o alto e vá apanhando as que conseguir catar. Depois é só alinhar até terminar numa frase, que desembocará num texto. Quanto mais ressonância, melhor será o resultado. Junte crepúsculo com aurora e coloque a noite e a madrugada no meio. Fale do sol como se fosse uma bola de fogo ao alcance das mãos, desenhe raios tortos, daqueles que racham as árvores ao meio, tente descobrir o que um louco está pensando, porque a loucura tem tudo a ver com o publicitário. Procure se achar nem que para isso precise primeiro se perder; mergulhe nas pedras, as transforme em águas cristalinas e deixe os peixes passeando bem perto, sem se espantar, porque ao percebê-lo nadando e respirando debaixo d’água, o bicho não pensará que você é humano, mas um reles peixe estranho sem escamas. Ao se deitar, prenda um travesseiro na cabeça e outro metido entre as pernas, é naquele momento de silêncio que ocorrem as melhores ideias. De manhã, antes de esfregar os olhos, tente lembrar o que sonhou, geralmente os sonhos dão pistas de coisas geniais. Desenhe na parede uma canção. Isso mesmo: desenhe. Porque quando um publicitário está criando, tudo é concreto. E por mais belo que seja o resultado, jamais se dê por satisfeito: o melhor trabalho é aquele que ainda não foi realizado. Leia, leia sempre, de tudo: uma crônica do Rubem Braga, algo do Guimarães Rosa, a poesia de Florbela Espanca, o realismos fantástico de Gabriel Garcia Marques. Leia também porcarias; os tons de cinza e as tolices de auto-ajuda. Vá sempre ao cinema, assista aos programas de televisão, é dever do bom publicitário conhecer tudo, das séries cativantes como Breaking Bad a coisas deprimentes como os reality shows. Saiba um pouco de tudo, por exemplo, a diferença entre espada, sabre e florete; se pergunte por que a Anita faz tanto sucesso e os Beatles ainda tocam nas rádios. Verá que há uma enorme ponte separando o efêmero do eterno. Sobretudo, quando um murmúrio de ideias esvoejar sobre a sua cabeça, procure um papel e anote a ideia, que inspiração é caça preciosa, se bobear, voa longe para nunca mais voltar. E se tudo que eu disse lhe causar cansaço, entre novamente na despensa e durma um sono bom. Se preferir, pode usar o quarto de hospedes. Prometa-me apenas que um dia será o publicitário que eu nunca consegui ser.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
6/7/2017 às 09h46
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