Ora, a poesia vem
qual uma chuva fria
a me lavar por dentro
ou, quem sabe, o outro
que, sob meu protesto, parasita-me.
Esfrega então meu rosto na vidraça,
mas, vejam bem, é só uma metáfora...
Cá estou eu, e não aquele outro,
dando de cara em completo espanto
com esta folha de papel em branco,
e lá vou eu igual a uma criança
como se alguém sem nome me agarrasse a mão
a ensinar a ler e a escrever
num absurdo jardim da antiga infância.
Será mentira ou surto de insânia?
Não sei sinceramente o que dizer!
E ante mim, assim sem mais nem menos,
na lauda em branco brota uma flor pequena
sob a forma imprevista de uma poema
que o outro, com o prazer cruel da malquerença,
— talvez me ensine novamente a ler...
Ayrton Pereira da Silva