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Terça-feira,
12/9/2017
João, o Maestro (o filme)
Julio Daio Borges
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Eu confesso que tinha uma certa antipatia pelo maestro João Carlos Martins
Antipatia estética. Achava ele muito populista, nesta fase de maestro. Tocar com Chitãozinho e Xororó, para mim, foi o "ó"
Me parecia uma tentativa, barata, de conquistar certo público, pouco afeito às salas de concerto. Desconfio sempre quando a alta cultura tenta "se rebaixar". Alta cultura rebaixada deixa, imediatamente, de sê-lo
Com esse espírito, fui assistir ao concerto de 40 anos da Cultura FM, na Sala São Paulo, em Julho deste ano
Concerto encerrado pelo maestro que - tocando Mozart ao piano, sob regência de outro maestro, Júlio Medaglia - me comoveu
O que aconteceu? Não sei. Não foi apenas a execução, impressionante para quem tem tantos problemas nas mãos...
Talvez tenha sido porque ele relembrou que, quando resolver ser maestro, foi procurar Júlio Medaglia, e este igualmente se comoveu...
Ou talvez porque tenha sido uma noite especialmente comovente, para a Cultura FM e para a sua audiência. E João Carlos Martins soube respeitar isso. Não quis ser "a estrela"
Me comoveu tanto que, na saída, em direção ao banheiro, dei de cara com ele - e não consegui deixar de cumprimentá-lo e de reforçar o clichê (que tanto critiquei): "Parabéns, maestro, o senhor é um exemplo de vida"
Pois é. Não resisti. O maestro me pegou de jeito...
Também disse a ele que assistiria seu filme, cujo trailer já havia visto. E ele foi simpático: "Olha, no filme, sou eu quem toca tudo... Com exceção de algumas partes... que quem toca... é esta moça aqui!"
Estava com uma moça, claro. Como, aliás, tantas vezes no filme...
Apesar de superado o preconceito inicial contra o maestro, entrei meio desconfiado na sala de cinema, porque o filme era Globo Filmes. Ainda mais com um "toque" de Luiz Carlos Barreto e Cacá Diegues... (Só faltavam a Conspiração e a Natasha Records...)
E, de fato, o filme começa com aquela "sujeira limpa", típica das novelas da Globo - onde até as roupas velhas têm cara de novas (e bem passadas) e onde até a pobreza merece um rico tratamento estético
Resistindo, ainda no começo, pensei que estavam tentando transformar o João Carlos Martins, pianista, no Glenn Gould brasileiro...
Mas, aos poucos, fui sendo vencido... Primeiro, pela música
É difícil ignorar Bach no cinema. E a ligação de João Carlos Martins com Bach não é uma coisa que passa despercebida
Bach não foi um golpe de marketing, que ele usou para se lançar ou se promover, foi uma relação de vida inteira
Uma obsessão, como acusa uma de suas mulheres. Uma comichão (sim, comichão é feminino)
A Bach, ele retornava, nos piores momentos. Quando sua mão falhava, quando não conseguia tocar, quando sofria um golpe...
É com Bach que ele passa, também, os melhores momentos. Seja estudando, seja executando, seja gravando. Seja tocando as Variações Goldberg, de memória, num restaurante em Nova York, a pedido de ninguém menos que Leonard Bernstein...
Além da música, e de sua relação com ela, fui sendo conquistado pela obsessão do artista. A mesma que afastou suas mulheres
Afinal, João Carlos Martins não sofre um único acidente, mas *dois* - e leva sua carreira de performer até o limite físico
Sente dores antes do primeiro acidente, e vai perdendo o crédito na mídia em função deste. No meio de um projeto para gravar a integral de Bach, para teclado, sofre o segundo acidente
Passa a tocar no limite da dor. Até que a dor é tamanha... que ele finalmente aceita a operação. A mesma que sepulta sua carreira de pianista
Nasce o maestro
Mas nem tudo são flores. Começa a carreira de "pedinte", tão bem conhecida por quem realiza iniciativas culturais no Brasil...
Ser artista solo era muito mais barato. Para ser maestro, precisava ter orquestra...
Mas o homem que flertou com o suicídio, e poderia ter desistido tantas outras vezes, acaba conseguindo. E quando a Fiesp, através do Sesi, decide patrocinar não apenas um músico, mas a orquestra inteira, o maestro tartamudeia... e, imaginando sua emoção depois de tudo, emudecemos igualmente
No fim, João Carlos Martins, em pessoa, dá um descanso a Alexandre Nero - que está muito bem no papel - e aparece, regendo, na Sala São Paulo
Aí, eu chorei
Pois é, num filme da Globo Filmes, com um ator de novelas, cujo subtítulo é, literalmente, "uma história de paixão e de amor pela vida" - chorei, vai entender
Mas o Maestro merece
E eu fiquei com vontade de cumprimentá-lo novamente ;-)
Para ir além
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Postado por Julio Daio Borges
Em
12/9/2017 às 17h24
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