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Segunda-feira,
23/10/2017
Filipeta invulgar
Flávio Sanso
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A calçada é mundo de percursos caóticos, trajetos que se cruzam e é toda hora que alguém desvia de um encontrão, a calçada é território invadido por um andar destoante, na verdade não é propriamente um andar, é um desfile vagaroso que ziguezagueia entre a confusão de gente. Sandálias, short curto, dedos entrelaçando repetidas vezes os cabelos tingidos de loiro, os trejeitos voluptuosos compõem uma personagem de si mesma. Como se afagasse um hamster de estimação, ela acomoda nas mãos a pilha de filipetas, tem uma missão a cumprir.
Ela é meticulosa em distribuir os panfletos, a seletividade recai sobre homens e necessariamente homens que não se façam acompanhar por alguma presença feminina. Tem preferência pelos ambulantes de gêneros alimentícios, alvo fixo, provisão certa, o moço da banca de churros é gentil, tenta entabular diálogo, mas ela evita maiores aproximações, mantém o profissionalismo, já fez a divulgação e vai se afastando para retomar seu intento. Aliás, que fique bem claro que há nela um traço de timidez, nunca é dada a conferir as reações causadas pelo conteúdo dos panfletos.
O vendedor de água de coco, disperso em seu intervalo de ociosidade, nem imagina o que daqui a alguns segundos reterá a atenção de seus olhos, a filipeta lhe é entregue, e é curioso assistir aos vários músculos do seu rosto se contraírem no que de início parece ser espanto, mas agora já é contentamento, passando pela expressão de quem alimentou fartamente o imaginário. Dois rapazes esperam a mulher loira se distanciar para então cair numa gargalhada ginasial, para eles é inusitado receber esse tipo de oferta à luz do dia, à vista de todos, e vão zombando da situação enquanto afundam os papéis nos bolsos das respectivas calças.
Nesta altura, a jornada publicitária está em evidência, já são muitos olhares acumulados na direção da figura dela, e isso parece ser sinal de missão cumprida. Ela então se encaminha para onde encontra outras duas mulheres também munidas do que sobrou de suas filipetas. Certas de que a propaganda é a alma, e no caso, a carne de seus negócios, elas desaparecem, deixando o legado de ter espalhado rebuliço num perímetro em que costuma reinar a mais insossa das rotinas. Pelas próximas horas, por aqui não faltará assunto.
A distribuição de propaganda impressa é eficaz em fazer do chão vitrine rebaixada. Olha-se para baixo e lá estão o encarte de preços, o sorriso do candidato à presidência do sindicato dos aposentados, vote chapa um, o anúncio de dentistas populares, de videntes que são uma espécie de Sedex Dez do amor, de compradores de ouro. Mas hoje não: no chão nem sequer uma filipeta descartada.
Texto originalmente publicado no site flaviosanso.com [email protected]
Postado por Flávio Sanso
Em
23/10/2017 às 08h24
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