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Domingo,
24/12/2017
Nas horas que me pego pensando...
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Sou do tipo que passa um bom tempo do dia pensando o passado. São imagens gastas, já em preto e branco. O ruim disso tudo é quando quero lembrar algum nome e a memória falha. Ainda há pouco, uma reportagem na TV chamou a minha atenção: falava sobre tartarugas. Bastou para despencar na minha cabeça a lembrança de quando peguei uma tartaruga para criar. Era um bicho estranho, não queria nadar, desprezava a alface, gostava mesmo dos besouros. De repente, outra reportagem, agora sobre chuvas, enchentes e buracos. Por detrás do repórter, surgem alguns edifícios me arrancando suspiros: O mercado municipal, para mim, tem a mesma beleza misteriosa da torre Eiffel. Como era mesmo o nome da tartaruga? Sinto tristeza todas as vezes que me deparo com os restos do Colégio Osvaldo Cruz; o velho prédio agoniza silencioso, levando, nos seus tijolos carcomidos, minha infância e juventude. Desligo a TV, mas a tartaruga permanece rondando meus pensamentos, misturada com o rosto de um sujeito estranho - um homem esquálido e taciturno - que me cumprimentou num cruzar de caminhos e dele não me recordo o nome, muito embora a certeza que o conheço, porque se esqueço nomes, sou bom de lembrar fisionomias. O problema nem é tanto o nome, mas o lugar: onde foi que conheci aquele sujeito? “Estou pensando nos que possuem a paz de não pensar, na tranqüilidade dos que esqueceram a memória”, essa frase da Adalgisa Neri, tão forte e definitiva, serve de breve alento, entretanto, não espanta do meu pensamento o rosto do homem taciturno, muito menos a imagem da tartaruga. De perto não sou normal, muitas vezes falo coisa sem coisa, nada coisa, coisa nenhuma, porque quando estou navegando em pensamentos, tudo o que quero é o silêncio das paredes do meu quarto. Eu canto enquanto penso, assovio enquanto escrevo. Canto agora uma música entrelaçada de assovios, e nada consegue afugentar as dúvidas caminhando em meus pensamentos. Num repente, imaginei ter descoberto o nome do sujeito do olhar taciturno, mas logo recuo, ele não é o Antenor, sei disso por conta do riso na cara, sempre estampada na figura do Antenor, antigo conhecido dos tempos de aprendiz de joalheiro. Por onde andará o Antenor? Pronto, mais uma coisa para pensar... Uma palavra me salta da boca: sinantia, cuja sonoridade me faz visualizar mentalmente os misteriosos encantos das flores. Ao pensar nas flores, descubro que o nome da tartaruga era Rosa! Não é normal uma criança criar tartarugas, mas não sou normal desde criança. Rosa tinha um caminhar diferente e no casco umas pintinhas amarelas lembrando o sol. Eu tentei ser pintor, mas o único desenho que consigo fazer é o sol. Sou um pintor frustrado, mas nem quero pensar sobre isso. Fiz de uma velha vasilha cheia d’água a residência oficial de Rosa, mas ela não queria nadar. Entendo perfeitamente um bicho não comer verduras, mas uma tartaruga não gostar de nadar? Aquele bicho não era normal. Num estalo, lembrei do sujeito Taciturno; não o nome, nem o local, mas a função: é um poeta, dos bons e eu o invejo: não sei escrever poesia, até tentei, lá pelo meio da juventude, mas falei tanto sobre flores e passarinhos, nuns rabiscos ingênuos e descuidados, nem percebi o passarinho morrendo, espetado pelos espinhos das flores. Ah, poesia, tortuoso caminho pelo qual tremem as minhas mãos. E a tartaruga? A passos de cágado descobri afinal a causa de todo o mal que sofri: Rosa não era tartaruga, era jabuti. Termino nessa rima torta, tão igual aos passos daquele bicho estranho; calmo e vagaroso, como devem ser todos os pensamentos...
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
24/12/2017 às 15h41
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