Ao contrário de T.S. Eliot para quem “abril é o mais cruel dos meses”, aqui, do outro lado do Atlântico, é quando as folhas caem, atapetando os caminhos do Campo de São Bento e do Jardim do Ingá, enquanto uma brisa leve brinca nos cabelos das crianças nos balanços e nas gangorras dos parques e as andorinhas com suas caudinhas em formato de tesoura pousam nos fios elétricos para depois chilrearem nas copas das árvores frondosas e saírem em álacres revoadas desenhando nos céus caprichosos arabescos, para então pousarem de novo nos fios cruzando e descruzando as penas das caudas como se estivessem tesourando.
Pode parecer o tema de uma paisagem captada pela paleta de um Monet ou um Renoir, trasladado para esses trôpegos trópicos, mas não é. É apenas uma cena corriqueira de um tempo que acabou. Não tem quadro na parede, como no poema de Drummond, mas como dói...
Digamos que foi uma época em se respirava o ar fino de abril antecipando a chegada do inverno que ainda obedecia às fronteiras do calendário, com as quatro estações bem delineadas; tempo de roupas de meia-estação, de agasalhos leves tirados do fundo dos armários e gavetas, recendendo a naftalina.
Sei que é muito nostálgico e até meio piegas falar assim do passado longínquo, ainda mais via internet cuja pós-modernidade não parece a mídia mais compatível com a memorialística.
Corro, assim, o risco calculado de ser considerado um fóssil (que, alias, já sou), mas não aprisionado para sempre dentro de um pedaço de rocha, como um que encerrava um pequeno peixe visto por mim num museu, quando menino.
Nos dias de agora, é o perigo que correm todos os que se dedicam a essa espécie de arqueologia no tempo, uma ciência que não trabalha sobre restos, despojos e escombros materiais, mas que se debruça sobre estratos e camadas intemporais, rastreando o inefável, ou, melhor dizendo, o incorpóreo, numa pesquisa imaterial.
Creio que todos, de vez em quando têm vontade de fugir, o que por muitos é considerado um ato de escapismo diante da vida e até mesmo de covardia. Pra outros, porém, trata-se de um desejo saudável, desde que a fuga, longe de se realizar fisicamente, consista em distanciar-se internamente do aqui e agora, sem necessidade de deslocamento no espaço. Esta, sem dúvida, a fuga mais eficaz e preciosa. Você se move no tempo, entre o bricabraque de um bazar de paisagens, coisas, gentes, animais, revistas, livros, selos antigos, patacões do tempo do império e tudo mais que sua imaginação possa revisitar.
Talvez isso demande uma preparação, é bem verdade, mas asseguro-lhes que vale a pena e é menos penoso do que esfalfar-se, suando em bicas, numa esteira ou numa bicicleta ergométrica em busca de apuro exterior. Nada contra o hábito saudável da ginástica, que afeiçoa nossa máquina corporal às exigências do quotidiano e tende a garantir, em termos, um envelhecer melhor.
O que quero significar é que uma coisa não exclui a outra, já que tendem a estabelecer a equação de equilíbrio entre o corpo e a mente — o ideal de Juvenal, não aquele do comercial de uma logomarca conhecida, mas o poeta romano da mens sana etc. etc. etc.
Você já escolheu para aonde fugir?
- PS) Respostas para a posta-restante.
Ayrton Pereira da Silva