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Terça-feira,
27/2/2018
Dezesseis de fevereiro
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
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Escrevo essa crônica no dia do meu aniversário...
E lá se foram alguns anos desde a manhã chuvosa na qual os meus olhos se abriram pela primeira vez.
Minha mãe conta sobre o desespero: ela era uma moça pequena, magrinha, bastante frágil aos dezessete anos; quase morreu durante o parto; eu era uma criança enorme.
Não existe um dia sem rezar antes de dormir e agradecer a Deus pela força dada à minha mãe naquele momento tão difícil.
Beijos minha mãe; vida, Vidalvina, amor eterno.
Gosto da data, embora ela me faça enxergar a rapidez do trem da vida.
O banho quente pela manhã descortina antigos dezesseis de fevereiro.
Os jatos de água passeiam na minha cabeça, o chuveiro parece falar, como se fosse aquele amigo antigo, da memória tão boa, na qual passeiam as façanhas de antes: “Lembra daquele seu aniversário de vinte anos?”
Sim, claro, as imagens estão vivas, ainda ouço os gritos dos amigos.
Sinto falta de todos eles.
Naquela época alguns medos desapareceram, medos bobos, de fantasmas principalmente; para escapar desse tormento, passei a acreditar que eles não existiam e a fórmula funcionou.
Continuo não acreditando em fantasmas, mas hoje sei: eles existem.
Devo confessar um pavor remanescente; medo de palhaços, um indominável sentimento estranho.
Culpa de Stephen King.
Aos vinte anos só imaginamos coisas boas, um mar de luz se abrirá e restará o conforto e a paz.
Jovem é ingênuo, sequer percebe o fecho das montanhas tentando apagar o horizonte.
A impaciência é companheira da juventude.
Hoje percebo claramente o quanto a vida demorava a passar na faixa dos vinte anos, ao contrário da rapidez espantosa de agora.
Ontem tinha vinte, amanhã já é sessenta.
Aos vinte, festas, cervejas e noites mal dormidas; agora um filminho na TV já pede ao sono levar o dia embora.
No presente uso óculos para ler, aos vinte quase não lia, porque sempre tinha algo diferente a fazer.
Antes, ovos fritos com bacon, hoje pouco sal, café sem açúcar e remédio para dor no estômago.
Se no passado as manhãs eram de ressacas, hoje apenas o cuidado com o remédio para pressão.
O sonho de morar num sítio quando velho troquei pelo conforto e segurança de um condomínio.
Se contasse isso ao jovem que fui, restariam sorrisos incrédulos.
Guardo alguns costumes de antes, moderados, quase insignificantes; cerveja de vez em quando e três ou quatro cigarros no cair da noite.
Cigarro é um vício estúpido.
Devia ter vinte e três quando entrei nessa brincadeira sem graça.
Sequer desconfiei do arrependimento ao completar cinqüenta e três anos.
Se pudesse voltar no tempo, me trancaria em casa no exato dia quando apanhei da mão de um amigo o cigarro aceso e dei a primeira tragada.
Amanhã não faço mais – pensei - e prossegui me enganando até hoje, crente que largaria o vício quando bem entendesse, mas logo o cigarro se tornou água no deserto.
Na companhia de um cigarro, conheci Gabriel Garcia Marquez e Manuel Bandeira, e então passei a enxergar o mundo de outra forma.
Num repente, abandonei a ideia de ir morar noutra cidade: São Paulo, talvez, quem sabe num outro país, Londres, Nova York, pensamento abortado ao constatar as dificuldades de outra língua e o clima de uma pátria diferente assomavam os meus medos.
Preferi fincar os pés no chão da minha terra e apenas sonhar com Macondo e Pasárgada.
Formei família perto dos trinta anos.
Tive a certeza da direção a tomar no exato instante que conheci a minha mulher. São dela os passos da frente nessa estrada.
Restam as lembranças, a imagem embaçada dos amigos de antes, os momentos vividos, só os bons, os ruins a tudo esqueci, um punhado de lembranças trazidas pela água morna do chuveiro, essas coisas boas que nem a rapidez do tempo consegue apagar.
Feliz aniversário para mim.
Que venham muitos outros dezesseis de fevereiro.
Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
Em
27/2/2018 às 11h47
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