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Sexta-feira,
13/4/2018
Desenhos a lápis na poesia de Oleg Almeida
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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Poeta, ensaísta, tradutor, graduado em Letras, pós-graduado em Administração Financeira, Oleg Andréev Almeida nasceu na Bielorrússia em 1971 e reside no Brasil desde 2005. Entre os escritos de Oleg Almeida destacam-se os seguintes livros de poesias: Memórias dum hiperbóreo (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008), Quarta-feira de cinzas e outros poemas (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011), Antologia cosmopolita (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013) e Desenhos a lápis (São Paulo: Scortecci, 2018). Seus dois primeiros livros foram objeto dos meus estudos no ensaio denominado Carnavalização e ironia na arte poética de Oleg Almeida .
Posto que as quatro publicações se diversifiquem do ponto de vista temático e formal, a poética de Oleg Almeida apresenta unidade estilística e semântica e certo acordo imagístico de cunho recorrente e iterativo definindo uma poética do espaço. Se nos três primeiros livros há uma apreensão do espaço habitado, percorrido e imaginado pelo poeta ao enfocar diferenças entre a vida na Europa e na América, em Desenhos a lápis ─ que ora chega ao público neste ano de 2018 ─ Oleg reúne um conjunto de poemas que tangenciam fatos e vicissitudes da existência do homem no mundo contemporâneo nas cercanias da cidade de São Paulo.
A propósito do título do livro, Desenhos a lápis, lembremos que a arte de desenhar circunscreve pontos e toda sorte de traços finos, largos e intermediários, que podem surgir mais fortes ou mais leves, bem como ─ pela expansão e adição de riscos de várias espessuras e tamanhos deslizando entre superfícies e lugares de intensa profundeza ─ permite ao artista a criação de áreas e contrastes de luz e sombra. E, assim, ao registrar os meandros paulistanos, Oleg desenha palavras e imagens que ganham qualidades dos traços poéticos do desenhista.
Nesse desenho da cidade, o poeta insere espécie de hachuras em sfumato ao delinear nas entrelinhas certos contornos que assinalam o andamento do “mercado” no mundo da globalização. Em algumas cenas vistas em perspectiva, podemos identificar certas cores que deixam transparecer diferenças afetas ao chão do andarilho e aos passos do habitante. Diferenças entre os Jardins e outros bairros. Diferenças entre forças que impõem demarcações e fronteiras, em oposição a lugares abertos. Diferenças que marcam a opulência e a pobreza características dos planos inseridos na urbe contemporânea.
Ao realizar desenho plural, Oleg vivencia o burburinho e as lacunas da vida em diferentes circunstâncias. Nas malhas desse desenho, o leitor é convidado pelo poeta a visitar ruas, avenidas, prédios, lojas, praças, bairros e a respirar e transpirar junto a pessoas que percorrem e habitam São Paulo. Revelando percepção do sutil, o poeta sente cheiros, observa minúcias nos grafites, apreende simbolismos na ambiência dos bares, desloca-se nos meios de transporte e, em detalhes, observa cenas, trilhas, vielas e fatos que não se mostram às claras nos espaços da metrópole. No percurso pela cidade, ele sente mudanças climáticas e desenha a suavidade da garoa e a força do vento e do aguaceiro. E não faltou a esse álbum de imagens a visão amorosa da paisagem, onde Oleg riscou sinuoso desenho do voo dos pombos na Praça da Sé, trazendo-lhe a memória do pai:
(...)
E cada vez que os vejo,
pássaros cheios de força e teimosia,
parece-me de repente
que o espírito de meu pai
continua vivo num deles.
Nos poemas reunidos em Desenhos a lápis, mostra-se pulsante a delicadeza do riscar fundo ─ na pele e nas vísceras da urbe ─ um mapa afetivo, por vezes, dolorido, diante das diferenças visíveis. Indo às causas que garatujam tantos contrastes, o poeta utiliza um esgrafito da palavra ─ usada como estilete ─ para mostrar camadas de cores soturnas escondidas no subsolo da cidade. Desse modo, indo às grandes diferenças sociais e financeiras que se localizam no subterrâneo do supermercado, ganha destaque o apelo esperançoso a tonalizar a fala poética:
(...)
Vem cá, compadre,
sapeca-me rápido um quilo de compaixão
e um litro de amizade!
Posto que visitante e andarilho de uma espécie de Babel dos dias de hoje – e assim o são todas as metrópoles ─, o poeta em vários momentos recorre ao memorável lirismo dos trovadores para musicar mimosos desenhos que dedica à mulher amada, ao feitio das cantigas medievais:
Quando tu dormes assim, de lado,
a mão direita contra meu peito
e a esquerda entre os teus joelhos,
quando um suave alento te escapa,
(...) .
Observe-se que, do ponto de vista estilístico, os conflitos e contrastes urbanos ─ aos ofícios do lápis desenhando a vida e suas lacunas ─ transportam-se aos versos por meio de tensões semânticas e ideativas, que se ressaltam por meio de seleção vocabular perfeita e adequada aos versos, aos poemas e às imagens em visitação ao cotidiano de São Paulo.
Em Desenhos a lápis, os lugares indicam reminiscências e expectativas atreladas à errância da linguagem entrelaçando o dizer e o existir. Para isso, atenta e ousada, por vezes coloquial, a linguagem funda lugares em que, de modo acentuado, se opõem áreas e atos de exclusão e acolhimento. Então, a poesia surge como expectativa à espera do leitor de imagens:
Sessenta e cinco desenhos a lápis,
bem simples,
quase sumários ...
(...) .
Oleg desenhou esses poemas como quem escreve na alma sentimentos e impressões do mundo onde nos deslocamos a esmo sem conhecer direções exatas. Nesse álbum de desenhos, ele reúne mitos antigos e atuais, ao receber das musas o dom poético e ao seguir a errância do grafite em esquiva da barbárie contemporânea.
Volto então à Praça da Sé. Desdizendo a neutralidade dos destinos e medidas apontados pelo Marco zero, os pombos voam em todas as direções. Eis que na metrópole os pássaros sobrevivem. E conseguem lutar:
Os pombos da Praça da Sé
buscam suas migalhas
e lutam pelo espaço
com o profeta que vocifera na frente da catedral,
(...) .
Grande é a cidade. Imenso, o mundo. E a poesia, viageira das muitas possibilidades, acompanha o voo dos pombos na Praça da Sé. E, junto ao poeta, segue em frente, desenhando no chão o próximo verso.
Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
Em
13/4/2018 às 09h58
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