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Quinta-feira, 3/5/2018
ZERO ABSOLUTO
Ayrton Pereira da Silva
+ de 2200 Acessos

Perdera-se de si mesmo: ignorava por que fora parar preso entre as quatro paredes de pedra daquela masmorra medieval em pleno século XXI, nas mãos de cruéis torturadores da Inquisição, acorrentado a uma tábua que ao girar de uma roda, manipulada por um carrasco esticava seu corpo até seus ossos estalarem, provocando uma dor lacerante que o fazia uivar em desespero, para confessar algo que nem vivera. Estava deslocado no tempo e no espaço e achava que enlouquecera.

Foi acordado com seus próprios gritos, suando em bicas e todo urinado. Que merda! xingou e correu até o banheiro para vomitar às pressas. Lavou o rosto e uma súbita sensação de estranhamento o dominou. Será que tudo aquilo não passara de um sonho, ou melhor, um pesadelo, ou será que não?...

Não sabia responder. Achava-se como um fugitivo de uma bolha do tempo, de onde escapara para uma nova vida, por artes bizarras, quem sabe até arcanas, que lhe evocavam resquícios de ocultismos e de magias.

Como quer que fosse, era foçado a começar do nada, do zero absoluto, como se voltasse ao ensino primário, aprendendo aritmética, as quatro operações, e voltando àquele suplício, que iria durar muitos anos que já não lhe restavam, seu horizonte temporal prenunciando a chegada do inverno de sua existência. Logo, logo, chegaria ao zero absoluto.

Não, não haveria tempo para reaprender álgebra. Meno male — o que já era um consolo.

Devia andar pela casa dos oitenta, segundo o testemunho dos vizinhos, aquele idoso polido, mas casmurro. Ouviam-no cantarolar às vezes alguns pedaços de árias que eles desconheciam, enquanto lavava a roupa no tanque ou tomava um banho, até outro morador idoso como ele reconhecer as tais cantilenas desconhecidas pelos demais, decifrando o enigma que embasbacava muitos moradores: eram árias, ou seja, partes de óperas. Então a cegueira linguística que toldava os olhos alheios desapareceu e abriu-se uma abertura para a luz...

Depois de seu banho matutino, aquele octogenário sistemático e casmurro ia à padaria comprar uma baguete ainda quentinha e o jornal do dia. Era um homem de hábitos austeros. De seus haveres, nada se sabia, apenas que não deixava de pagar suas dívidas, disso ninguém duvidava nem duvida, pois na portaria do prédio antigo e malconservado jamais chegou qualquer aviso de cobrança em seu nome.

Aos que, por mera curiosidade, mais que justificável e natural, devo responder-lhes com uma pergunta: num texto ficcional onde tudo é de mentira para que nominá-lo, se não tem certidão de nascimento, carteira de identidade, CPF etc. etc. etc.?...

Deem a ele o nome que lhes aprouver: Manuel, Sócrates, Eliot, Gaudí, La Fontaine, Freud, Goete, Van Gogh, Jacob, Rachmaninoff, o que quiserem — e tudo não passará de um rótulo, mero pedaço de papel que se cola em frascos, latas e embalagens de todo tipo.

Mas a curiosidade humana não tem limites. Às escondidas, abriram até a lata de lixo em frente à porta daquele velho casmurro e sistemático em busca de alguma pista e nada acharam além de uma caixa de leite desnatado, cascas de legumes de bananas, tiras de papel higiênico usadas para o que servem, enfim coisas irrisórias até para aqueles indivíduos da espécie saprofítica, que, conforme consabido, se nutem da podridão.

Na vida, porém, deixamos rastros visíveis e invisíveis. Estes, aliás, são os mais significativos, e se ocultam no acervo de ecos e de sombras que carregamos na mais recôndita memória, o que, de resto, não constitui novidade alguma sob o sol. Ali estão nossos segredos, nossos medos, nossas covardias, nossos amores, rancores e toda sorte de coisas que nos causam constrangimentos, nesse baú sem alça, que com enorme sacrifício somos forçados a levar conosco e pesam, pesam muito, além provocar pesares, como a hipocrisia e o farisaísmo com que nos portamos muitas vezes. Mas é melhor parar por aqui, para alívio nosso e felicidade geral da nação.

Trocou a rosa solitária na jarra de pescoço fino e longo, que discretamente fazia companhia à foto de uma bela senhora de aproximadamente quarenta anos, num ritual que a cada semana se repetia naquela sala modesta, onde mal cabia a mesa com quatro cadeiras, duas poltronas de espaldar alto e um armário baixo, que ele não conseguia identificar se era um buffet ou um étagère, antiga herança de família que lhe coube em sorte, à falta de outro herdeiro interessado.

Não saberia se fora isso ou algo completamente diferente. Seria ele um fugitivo de outra vida, vivida aqui mesmo, sabido que somos vários ao variar dos tempos? Recusava-se a refletir a respeito, embora a dúvida que o assaltava com certa frequência, que ele enxotava aos pontapés, sem buscar refúgio em teorias anímicas, às quais tachava de muletas metafísicas, nos momentos de ácida ironia.

Sobreviver a todos os amigos é a maior desgraça que pode acontecer a um homem — lera recentemente num livro de um autor de sucesso, cujo nome perdera nas lacunas infindáveis da memória. Grande verdade esta, ele comentava, às vezes, para a jovem senhora da foto, que franzia a testa para ele. Seria caduquice, ilusão de ótica, mas como, se já ocorrera toda vez que tocava no assunto e ela reagia assim? Melhor deixar quieto, como falam agora.

Talvez mosca quase despercebida no início destas páginas pudesse revelar o conteúdo do monólogo do velho casmurro e sistemático ante o retrato, mas seria exigir muito de um reles inseto, díptero e impertinente. Não estamos mais no tempo das prosopopeias e ponto. Manda a humana razão se conclua que para ali fora a mosca não por bisbilhotice, mas pelo odor da rosa emurchecente trocada por outra rosa em pleno viço, pois bem conhecido é o gosto do moscardo pela natureza morta em processo de decomposição.

Pelas frestas da veneziana descascada filtrava-se um caminho de luz iridescente, onde o brilho das partículas de poeira em suspensão era o luciluzir dos astros e estrelas dentro da sala acanhada. O velho casmurro e sistemático olhou aquela cena inusitada, mas continuou aferrado ao seu negativismo teimoso e mal-humorado, eu não preciso disso, prefiro as praias infindas de brancas areias e mares de um azul sereno, que revisito quando fecho os olhos, não em sonho e sim desperto. Visões encantatórias abriam-se então às suas retinas cansadas, com a concretude e clareza das coisas presentes. Quem sabe um dia, revisitaria, de fato, esses lugares mágicos e inefáveis. Era um projeto seu, talvez o último ou, quem sabe, um devaneio senil. Restou-lhe a dúvida...

... e aquela mosca pousada em seu ouvido esquerdo, sem qualquer gesto que a repelisse. Antes de explorar o labirinto dos ouvidos, que acenava com muitos prazeres para o seu paladar, a mosca, bem à vontade, esfregou as patas dianteiras uma na outra, daquele modo ancestral que todas as moscas fazem, à semelhança dos seres humanos ao lavarem as mãos, e preparou-se para o banquete...

Ayrton Pereira da Silva



Postado por Ayrton Pereira da Silva
Em 3/5/2018 às 17h07

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