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Segunda-feira,
1/10/2018
Bolsonaristas, Mendes da Rocha e As Brasas
Julio Daio Borges
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Talvez porque passei muito tempo lendo, estou numa fase mais “outdoor” e têm me atraído as exposições e o teatro.
Acho que nunca vou deixar de ser um analfabeto plástico, no dizer de Nelson Rodrigues. Mas tento evoluir. Ao mesmo tempo, já sei que nunca vou escrever com a mesma fluência do Daniel Piza.
Já o teatro, eu tenho achado mais interessante que o cinema. Minha sensação é a de que estamos “empapuçados” de audiovisual... Dada a onipresença de telas... Também por causa do streaming, que banaliza o consumo.
O teatro ainda é um ritual. Você tem de ir lá. Os atores têm de estar lá. Não é uma reprodução incessante e infinita... Na era da reprodutibilidade técnica, como diria Benjamin, ainda não se conseguiu produzir teatro “em série”.
Toda essa introdução teórica para dizer que rumei para a Paulista de novo - rumo ao Itaú Cultural -, mas errei de exposição. O que não foi de todo perdido - porque encontrei outra (tão interessante quanto - ou mais).
O fato é que estou mais desligado da política, nestas eleições, e dei de cara com a manifestação pró-Bolsonaro. Junto com outros “desligados”, que, já na Consolação, comentaram: “O que é esse pessoal com camisetas da CBF?”.
“Tinha muita gente?”, vão me perguntar. Entre aquelas de 2014 até o impeachment, que eu presenciei, era uma manifestação “média”. Cheia do Masp até a Brigadeiro, mais ou menos. Depois, vazia.
Uma turma aguerrida. Me senti no segundo turno. Não eram só homens. Nem velhinhos pedindo “intervenção militar”. Mas também não eram famílias - como no auge do impeachment...
No primeiro carro, um discurso meio solto e “na espera” por Eduardo Bolsonaro. No segundo carro, Levy Fidélix, com pouca audiência, querendo pegar carona no Bolsonaro e no Mourão.
No terceiro carro, já com bastante audiência, Janaína Paschoal. Relembrando os tempos do impeachment, que, segundo ela, não teve ajuda nenhuma da “oposição”.
Num dado momento, alguém pede para ela dar um recado e Janaína se irrita: “Não; não vou falar nada do que eu não quero falar!”. Chateada, encerra sua fala logo depois - e até se esquece de dar seu número. Quando alguém assume o microfone e lembra: “Mas, Janaína, qual é o seu número?”.
Nessas, eu cheguei no Itaú Cultural. Nem sabia que havia uma “ocupação” do Paulo Mendes da Rocha. Foi o que me salvou. Lógico que eu gosto da Pinacoteca, do Sesc 24 de Maio e até da loja da Forma, mas tão interessante quanto suas obras é ouvir o Paulo Mendes da Rocha falar.
Ele atingiu, há muito tempo, aquele nível de “mestre oral”. Num dos vídeos, conta das origens da sua família, até ele nascer em Vitória e vir morar em São Paulo. De repente, a saga da família dele - que é a saga de muitas famílias paulistanas - adquire tons épicos, só porque ele narra...
Num outro vídeo, conta do seu projeto mirabolante de transformar a Praça da República numa piscina pública. Justifica o quase delírio contando que “ninguém encomendou”, que ele fez algo “totalmente livre” - “como um poema” ou “um conto indignado” (palavras dele). Ressaltando o aspecto “literário” da coisa, conclui: “É um discurso”.
O Paulo Mendes - como diz a Carol, que foi orientada dele - me inspirou a tomar um fôlego e ir até o Sesc Santana, ver a adaptação teatral para a obra de Sándor Márai, “As Brasas”, com Herson Capri.
A turma do Bolsonaro ainda lotava o metrô. No meio, duas senhoras, meio por fora, meio por dentro: “Já votei no Zé Bonitinho uma vez, não voto nele mais”. Estavam falando do João Doria.
Mas todo este texto para tentar te convencer a ir ver “As Brasas”...
Já tinha cruzado com o livro, pela Companhia das Letras, mas nunca tinha lido nada do Sándor Márai. E por falar em política: era aquele autor que a Dilma fingia que lia, numa propaganda, mas tentava citar e se esquecia...
Vou tentar elogiar a peça sem contar o enredo (apesar de ser difícil). É uma história muito bem construída, de dois amigos que se (re)encontram, na velhice, depois de décadas.
Em comum: as lembranças em Viena, na época da guerra, a escola militar, até as caçadas e, é claro, uma mulher. Alguém que morreu e que não está mais para dar a sua versão.
Um dos dois é, claro, o marido, e resolve tirar satisfações com o outro, de episódios que os três viveram, o famoso “triângulo” - episódios que não se esclareceram, mesmo depois de *décadas*...
Não vou contar o final. Até porque - independente dele -, já no meio da peça concluí que muitas das grandes histórias são as que encerram um grande mistério...
Histórias até que *nós* vivemos, e onde nunca vamos saber, ao certo, o que aconteceu... As motivações de cada um... As ações que não compreendemos... As perguntas que gostaríamos de fazer...
Herson Capri está muito bem no papel principal. Igualmente, Genézio de Barros, como coadjuvante. Foram aplaudidos de pé - junto com Naná Carneiro da Cunha, que faz algumas aparições, enquanto toca o “cello”...
Depois da ovação, eles, muito humildemente, disseram que vão ficar só seis semanas em cartaz - e que dependem de nós, da plateia, para fazer do espetáculo um sucesso.
Pois bem, estou fazendo a minha parte. Agora cabe a você ir lá ver. Independente de quem ganhar, ou de quem perder, no domingo que vem ;-)
Postado por Julio Daio Borges
Em
1/10/2018 às 10h25
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