Vocês que não nasceram nestas plagas
este recanto de mar contra a montanha
e não recolheram o azul dos dias
nem o dobraram como um lençol sem costuras
depois de branquejado pelos sóis
nem escutaram o murmúrio dos mariscos
no seu secreto sacrifício
sei que é difícil eu sei
compreender as semanas dessas conchas
ou mesmo o canto das gaivotas brancas
que sobretudo gritam num coral
mas eu sim homem do mar
antes menino dessas águas
conheço todos os caminhos sem pegadas
conducentes além do litoral
lá onde os anjos apedrejam os pombos
e se formam os crepúsculos purpúreos
onde nascem enfim os oceanos.
Vocês que desconhecem
os enredos dessas musgosas pedras
onde rebate o mar bate se esbate
sei que é difícil imaginar castelos
aonde não os há sob o luar
e antever de longe um fogo-fátuo
desses que brilham intensamente sem queimar.
Esses mistérios são os dons cativos
dos que nasceram e viveram à beira-mar
entre golfinhos anêmonas sereias
afogando-se na secura das areias
até a voz faltar.
Ayrton Pereira da Silva
in Umbrais, Ed. 7 Letras