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Segunda-feira,
25/3/2019
Domingos de Oliveira (1936-2019)
Julio Daio Borges
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Wilde dizia que colocava o talento no trabalho e o gênio na vida - mas acabou mal, renegado pelo grande amor de sua vida, condenado quando a homossexualidade era crime, vindo a perecer num hotel em Paris, onde, dizem, olhando o papel de parede, proferiu: “Morro como sempre vivi, além de minhas posses”.
Domingos de Oliveira também era bom de frases, mas, ao contrário de Wilde, não se importava muito com a divisão entre “vida” e “obra” - preferindo misturá-las, apelando para a autobiografia, sempre que possível, antes da moda da “autoficção”.
Temos de nos lembrar de que ele foi marido de Leila Diniz, um dos ícones do feminismo e da liberação das mulheres, no Brasil. Ela, aliás, atua em “Todas as mulheres do mundo”, filme de Domingos de 1966, autobiográfico desde o título. Depois, Rita Lee compôs - em sua homenagem - a canção homônima, de 1993, onde entoa: “Toda mulher quer ser amada/ Toda mulher quer ser feliz/ Toda mulher se faz de coitada/ Toda mulher é meio Leila Diniz”.
Domingos também foi o pai de Maria Mariana, autora de “Confissões de adolescente”, best-seller dos anos 90, que depois virou série na TV Cultura. Autobiográfica como o pai, Mariana compartilhava sua vida pessoal, mesmo depois do sucesso do livro, com a geração MTV, antes dos “reality shows” e da geração YouTube. Sem o mesmo talento - ou gênio - do pai, vale ressaltar.
Outra mistura que Domingos gostava de fazer era entre teatro e cinema. “Separações”, seu longa de 2002, uma consagração tardia, é um filme com uma peça de teatro dentro. E, logo depois, deu origem a uma outra peça, com Priscilla Rozenbaum, a Glorinha do filme, sua mulher na vida real, casada com Cabral, interpretado, claro, por Domingos.
“Separações” é tão bom porque é Domingos de Oliveira do começo ao fim, desde o texto até a direção, passando por ele, como ator, no papel dele próprio. Suas máximas sobre amor, relacionamento, casamento, separação já valem o filme. Cabral nos surge como um sábio do bem viver, mas despretensioso, sujeito a erros e arrependimentos, muito distante dos infalíveis manuais de autoajuda ou dos, hoje, “life coaches”.
Desse filme pra cá, de 2002 pra cá portanto, Domingos se converteu num mestre oral, exalando sabedoria, como um vulcão, em qualquer mídia - além de cinema e teatro, óbvio, programas de televisão, entrevistas, livros e, ultimamente, até em posts de Facebook, onde se derramava, em mais de um perfil, como se não houvesse amanhã.
Li suas peças, tempos atrás, numa coletânea da editora Global, e não eram tão boas quanto as de Nelson Rodrigues (naturalmente uma inspiração). E minha impressão é de que Domingos era muito passional e tinha dificuldade em ser “objetivo” e, suficientemente, racional para colocar todo seu talento (ou gênio) “apenas” no trabalho. Era um artista transbordante, algo como um Vinicius de Moraes tardio, mas sem o mesmo rigor poético e sem encontrar seu Tom Jobim, sem a “sua” Bossa Nova portanto.
Escrevi, agora não me lembro exatamente (talvez por influência dele), sobre “Separações” e/ou a peça que veio depois, a que assistimos no Sesc Paulista (esta impressionando menos do que aquele). Passado algum tempo, recebi, de Domingos, por correio, um convite para a pré-estreia de “Feminices”, seu próximo filme, no antigo Espaço Unibanco, ao qual não pude ir.
Pensei, na época, que daria no mesmo ver o filme depois. Mas não daria, não - porque Domingos estava lá, em pessoa, e encontrá-lo teria sido tão bom quanto o filme, ou melhor, ou muito melhor.
Talvez uma biografia nos dê a real dimensão do artista. Ou talvez nem isso. Platão escreveu sobre Sócrates antes dos Evangelistas - e estamos discutindo, até hoje, quem foi Sócrates, quem foi Platão. Os grandes homens são como as grandes questões: inesgotáveis.
Descanse em paz, Domingos de Oliveira.
Postado por Julio Daio Borges
Em
25/3/2019 às 09h26
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