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Sábado,
11/4/2020
O tempo é um construtor de ruinas
Raul Almeida
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A comportada vitrine ressaltando os elegantes modelos de roupas masculinas bem combinadas, prendeu minha atenção por um instante, provocando a vontade de vestir o bom gosto sugerido. E o melhor, facilitado em modicas prestações ou generoso desconto para pagamento a vista.
Os ternos e costumes bem cortados, os colarinhos impecáveis e gravatas singulares, um e outro acessório, trouxeram lembranças. No reflexo do vidro, as pessoas no indo e vindo da vida, sem prestar atenção a nada, apenas no caminho molhado pela chuva intermitente do outono.
Distraído, quase não notei a imagem do outro observador das modas e ofertas da loja. Não sou de conversar com estranhos, puxar assunto, comentar atoa.
O senhor discretamente vestido, olhava, interessado, cada uma das composições, buscando os detalhes. O caseado dos botões dos paletós, a posição das mangas, as golas, o desenho das gravatas, a padronagem das camisas. Dava para perceber sua atenção.
Fiquei curioso, mas não o incomodei. Parecia ser bem mais velho do que eu. Talvez uns quinze, vinte anos, sei lá.
Fingindo interesse no interior da vitrine,eu olhava para o espectro refletido no vidro.
O porte, o modo de encarar os manequins de gesso, a falta de cabelos, o cenho semi-serrado, o rosto cavado e as bochechas caídas sinalizando falhas dentais. O pescoço papudo pós obeso, a boca enérgica sem sorriso, sem paz. As orelhas características dos velhos: ou cresceram ou a cabeça encolheu.Baixei os olhos e, reparei as mãos vasculadas, magras, ossudas.
Num repente, dei conta de que não havia ninguém ali de frente para aquela vitrine.
Eu ainda não tinha sentido tudo que o tempo havia feito comigo.
Entrei na loja e comprei um boné de tweed, estilo inglês, para combinar com a nova fachada.
Postado por Raul Almeida
Em
11/4/2020 às 16h02
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