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Segunda-feira,
27/4/2020
O Romanceio de um Passado de Antepassados
Ezequiel Sena
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Escrever, não há duvida, é um ato solitário. É ainda mais solitário quando a obra depende tão-somente da imaginação do autor, como é o caso da ficção. No entanto, quando é resultado de pesquisas, observações, reflexões, anotações de viagens, entrevistas, e contato direto, in loco, com fácies geográfica adversas, sem ter por base apenas a criação, o fato de estar recluso perde o caráter de isolamento, uma vez que a evidente especificidade dos fatos aproxima o autor do realismo, tornando-o cúmplice do meio e das personagens, isentando-o, portanto, de culpas que não justifiquem a sua solidão.
As consultas referentes à história do Brasil, como a viagem da família real pelo Oceano Atlântico, eu usei breves relatos de 1808, livro de Laurentino Gomes; excelente fonte de pesquisas; Os Sertões, de Euclides da Cunha, também me seduziu, inspirando-me a forma de descrever a geografia, exercendo em mim forte influência na jornada por terra.
Porém, à proporção que eu escrevia, conflitos foram-me surgindo, questões e dúvidas me incomodando: “Como escrever a respeito duma família fugindo da invasão napoleônica à península Ibérica?” “Como contar o embarque? A fuga de Portugal?” “Como narrar a viagem pelo Oceano Atlântico?” “E a penosa jornada pelos sertões da Bahia?” “Como relatar fatos ocorridos há mais de duzentos anos?” Estas e outras dúvidas me perturbavam... “Como então devo proceder?”... Em suma, após tomar consciência e assumir as limitações impostas, eu me aventurei mais na “realidade” dos mitos, das histórias faladas e ouvidas, sem jamais deixar de lado o que de fato foi verdade.
A história de José Camillo de Souza Leão e seu meio-irmão Capistrano Antuñez de Souza Leão, líderes que deram origem a várias famílias, foi-me contada por um idoso, contemporâneo de meu avô materno, em 1977, século passado, ao visitá-los na Chapada Diamantina, no antigo povoado de nome Pedras; esse meu avô veio a falecer no início da década de 1980, aos 98 anos de idade. Ao acaso, por mera curiosidade afetiva e respeito, eu passei a ouvir esse senhor de nome Daniel Camillo***. Era um senhor de memória invejável, não se perdia nos preâmbulos, nem se embaraçava em anacronismos; homem lúcido, afável e de voz envolvente, sempre relembrando de fatos como se fossem ontem, de pessoas e do meio em que nasceu e se criou.
Com o tempo, a ideia amadureceu.
Ao retornar à região, anos depois, as conversas amenas que tive com seus parentes e antigos moradores, escutando-lhes velhas proezas e infortúnios de seus antepassados, eu as fui ordenando, ao ponto de conservar indeléveis em minha memória. Assim, à medida que visitava mais amiúde o lugar, ali permanecendo mais tempo, as ideias se concatenavam, encorpavam-se, brotando em mim a vontade de romancear esses longínquos antepassados desse senhor de nome José Camillo de Souza Leão, que, a partir de agora, será chamado José Camillo, ou, simplesmente, o Patriarca.
A princípio, não obstante as dificuldades, decidido eu fui à cata de antigos documentos de sua família como registro em cartório e de batismo, muitos em péssimo estado de conservação, ilegíveis até, obstáculos esses que não me demoveram os propósitos. De modo que, devido aos entraves, limitei-me mais aos batistérios, raras certidões de nascimentos e livros de registros de casamento, uma vez que a indigência e escassez de documentos antigos são quase totais. O batistério, que é a certidão de batismo da época, por ser o mais preciso, foi a fonte em que mais me ative, pois, além de servir de certidão e documento pessoal, abonava o súdito como cristão católico –– (no tempo do Brasil Império, documentos mesmo só para os bem nascidos, privilégio de nobres, herdeiros de cabedais e títulos) –– assim sendo, as fontes pesquisadas não dão veracidade a fatos ocorridos há mais de dois séculos. Não são confiáveis; serão, portanto, aceitáveis.
A partir de então, mesmo assim, dediquei-me com afinco, chegando a essa leva de antepassados, isto por volta de 1800, uma vez que hoje é a décima geração; retroagir mais daí, tornara-se para mim, no momento, impossível.
Houve apoio, incentivos e disponibilidades. Acolhidas não faltaram, tanto de parentes próximos e afastados, e, também, de antigos habitantes, os quais, por terem um passado em comum com seus ascendentes, transmitiram-me valiosas informações. Histórias as quais ouvi e anotei e gravei de velhas histórias de Portugal, e de outros países europeus, que aqui desembarcaram e que viam, nas terras da Chapada Diamantina, um novo Eldorado. São vozes de longínquos antepassados, talvez inexistentes, míticos frutos do imaginário familiar e coletivo, tidos como verdadeiros por força da repetição oral. Algumas histórias absurdas, beirando o ridículo, outras, relatadas com tal realismo, que se apossaram do meu espírito como se cada episódio, de fato, houvesse acontecido. “Ardentes Trópicos, Uma Jornada Sem Volta” é um livro para ser “folheado” de espírito leve, despretensiosamente.
Mas, enfim, eu gostaria de agradecer mais famílias com quem mantenho até hoje afetivos laços. Todavia, receio incorrer em erros com a omissão de alguns sobrenomes de pessoas com as quais convivi até o momento de finalizar este trabalho; mas, de qualquer forma, eu o dedico a todos, pois são eles as verdadeiras personagens e heróis desta aventura, permeada de avanços e atribulações; limitar-me-ei, destarte, a agradecer as sugestões próximas, distantes e diferenciadas, as quais me deram subsídios e conteúdo.
Texto do livro de Renato Leal Sena
Postado por Ezequiel Sena
Em
27/4/2020 às 17h44
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