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Terça-feira,
1/12/2020
Cata-lata
Anchieta Rocha
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Desde que chegou de Maravilhas, Tião não pôs o olho em mulher nenhuma. Viu Tonha, os amigos não perdoaram, desengonçada, não ligou.
Verão, estação das latinhas, fim do show no campo de futebol, ao atirar uma caixa de papelão no carrinho, errou a mão. A mulher praguejou. Acertar uma belezura dessa? — disse se desculpando. Ela acalmou, escondeu o sorriso atrás da manga, limpou o suor do rosto. Ele foi no carrinho, veio com uma garrafa e ofereceu um gole. Tão logo virou as costas, Tonha sumiu.
Do lado de fora do campo, os refletores apagados, Tião foi até ela, puxou conversa. Ajeitaram o que recolheram do show e desceram a rua juntos.
Debaixo do viaduto, esvaziando o carrinho, uma rajada de vento seguida de chuva mudou o tempo. Ele foi num monte de caixas e voltou com duas cobertas. Espalhando papelão no cimento, disse que o temporal ia demorar a dar trégua.
Com o tempo os companheiros acabaram aceitando Tonha. Conseguir um canto no vão do viaduto ao chegar do interior, foi difícil pra ele também. Nas primeiras noites ficava do outro lado do rio, debaixo da marquise, observando o movimento. Aos poucos, oferecendo gole, acendendo um foguinho, conversa mole, apanhou confiança.
Depois de alguns dias o céu abriu. Com o Pirata latindo no carrinho, os dois partiram pra buscar as coisas dela no depósito na Gameleira.
No que faltava um pedaço pra chegar, ele encostou. Do fundo do carrinho tirou uma toalha e sabonete. Ela não disse nada, fez cara feia e sentou no meio-fio.
Ele entrou no posto, o frentista apontou pros fundos.
Tião pôs a toalha e o sabonete no latão e ficou de short.
O frentista chegou, abriu a torneira do tanque, espichou a mangueira e deu uma esguichada nele. Tião começou a cantar e os lavadores caíram de gozeira. Passado um pouco, fez sinal pro cara baixar a mangueira e deu uma ensaboada. Mais uma esguichada, pegou a toalha, enxugou e vestiu a roupa.
Aquele filho de Deus era o único que fazia uma caridade daquela. Tinha vez, fazia um carinho no Pirata.
Na volta Tião encontrou Tonha, cara amarrada, a mão na barriga. No canteiro do posto, uma roda de vomito que Pirata cheirava. Disse que achava que estava prenha, a regra estava tardando, e que uma mulher na Cabana tirava.
Ele assobiou, Pirata pulou no carrinho.
Chegando no depósito, ela diminuiu os passos e baixou a cabeça. Tião achou que ela ia botar pra fora de novo.
— Alá ele.
— Ele quem?
— O que eu morava com ele. — Disse ainda que era melhor Tião ir embora que o sujeito era dos ruim e que sempre carregava uma faca.
O cara parou perto dos dois e com um safanão afastou Tonha. Tião partiu pra cima. Com um chute desarmou o cara, chutou a faca pra longe e pôs toda a raiva na mão.
De tardinha já estava do outro lado da cidade. Tinha que sumir por uns tempos.
Numa tarde de sábado, catando latinha num comício, ele levanta a cabeça e dá com Tonha.Ela fez que ia embora.
— Que pressa é essa, é o peste?
— Que peste? É sua filha, tá na hora dela mamar.
Tião caiu de joelhos e cravou os cotovelos no chão. A primeira coisa que passou na cabeça foi levar Tonha e a menina pra debaixo do viaduto e em seguida correr pro posto de gasolina e dar um abraço, um abraço apertado no cara que esguichava a mangueira nele.
Postado por Anchieta Rocha
Em
1/12/2020 às 16h19
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