BLOGS
>>> Posts
Domingo,
3/1/2021
Meu avô
Anchieta Rocha
+ de 3400 Acessos
Vou me lembrar pra sempre das temporadas de meio de ano na fazenda de meus avós. Tinha vez, vovó pedia pra ir na venda, eu não gostava.
Todo dia, escuro ainda, meu avô levantava e pegava o cavalo. Montado, recebia a marmita e o agasalho das mãos de vovó. Só voltava no fim da tarde. Às vezes demorava.
— Meu filho, vai lá na venda e traz seu avô.
Tonto, os olhos teimando em ficar abertos, me via, baqueava. Podia estar no melhor da prosa, gesticulando, contando façanha. Abaixava a cabeça e me seguia.
Do tamborete da cozinha escutava o sermão de sempre. Não falava, não interrompia vovó, os olhos fixos na chama do tição de lenha.
Ela destampava a panela, vinha com uma tigela de caldo fumegante e punha na mesa. Ajeitava o xale e o coque e saía pra sala.
Muitas vezes, sem que ele percebesse, eu ficava por perto.
E aí começava. A discussão com o encarregado do curral que descuidava da ração dos animais, a mulher do retireiro reclamando da escola dos filhos, a demora pra receber as contas da última colheita. Ficava exaltado, movendo a colher no ar. Outras vezes permanecia em silêncio como que ouvindo o interlocutor, movendo a cabeça, concordando ou desaprovando.
Foram muitas temporadas na casa dos meus avós nas férias de meio de ano.
Eu gostava de tudo na fazenda. Só não gostava quando tinha que trazer vovô da venda. Chegava lá, ele me via, abaixava a cabeça e me seguia.
Postado por Anchieta Rocha
Em
3/1/2021 às 11h46
Ative seu Blog no Digestivo Cultural!
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|
|