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Terça-feira,
2/2/2021
Também no Rio - Ao Pe. Júlio Lancellotti
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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Acho que era sábado. Me lembro de quase tudo naquele dia.
Almoçamos fora. Passamos pelo Campo de Santana.
Por que o pavão não abriu a cauda?
Andamos, andamos, andamos. Na esquina da Presidente Vargas
com a Uruguaiana, um mendigo sentado no chão tilintava moedas numa lata: “Um pobre peregrino / anda de porta em porta /
pedindo uma esmola / pelo amor de Deus [...]”.
Meu pai lhe estendeu uma nota igual àquela que demos no
restaurante. Tem gente que sustenta vagabundo, resmungou
um homem de terno cinza.
− Papai, ele não vai almoçar?
− Hoje, vai.
Chegamos ao Largo de São Francisco. Na papelaria, vitrines me
atraíam olhos e sonhos. Árvores de Natal, estrelas, luzinhas,
guirlandas. Ao embrulhar nosso presépio, o vendedor protegeu
com papelão o lago espelhado e os patinhos de cerâmica.
À saída, uma mulher desdentada, menino magrinho no colo,
pedia esmola.
Papai, queria dar pro menino a estrelinha. A mãe, o filho e
o mendigo podiam morar no presépio. Tem boizinho. Reis Magos.
Burrinho pra pra passear com eles. Lago pra beber água. E as arvorezinhas dando frutas. Eles iam gostar de comer maçã.
Décadas se foram. Ao passar pelo Largo de São Francisco,
aquele dia sempre recomeça. Passos distraídos, meu percurso de
hoje sem a correria do trabalho. Ao passar em frente à Faculdade onde estudei, me veio a imagem do querido mestre que
queria mudar o mundo.
Pouco posso fazer sozinha nesse texto, enquanto lagartixas
passeiam sobre folhas secas no Campo de Santana.
Na esquina da Presidente Vargas com a Uruguaiana, o mendigo
continua tilintando moedas numa lata. A papelaria do Largo de São
Francisco não existe mais. Entanto, a mulher com a criança no
colo ainda pede esmola na porta daquela loja. Devem ter chegado à
cidade no século passado. Pensando bem, muito antes.
Eles têm a idade dos milênios.
Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
Em
2/2/2021 às 19h58
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