Sinatra observando a maestria de Ella Fitgerald, em 1967. Fonte: https://francisalbertsinatra.tumblr.com/
Algumas pessoas gostam de listas. Eu não gosto. Mas, como acredito que a contradição faz parte do humano, resolvi fazer uma. É de jazz. É em homenagem ao Dia internacional do jazz, celebrado na data de 30 de abril. Você não precisa gostar do estilo para ouvir. Afaste logo essa ideia boba de que jazz é só coisa de gente cult e inteligente. Pense na famosa frase de Louis Armstrong, “se você precisa perguntar o que é jazz, então nunca saberá”.
Como toda lista é falha, acertar não importa. Sim, é uma lista pequena e não faz jus ao gênero. Maior, ficaria inviável para o espaço. É para se ouvir em uma tarde de um sábado qualquer, como este.
A ideia é que, depois desta lista, você possa se aprofundar mais e perceba a potencialidade do estilo musical mais, ...eu queria achar outra palavra..., profícuo da cultura industrial.
Para a escolha destas músicas, além do meu gosto pessoal, há um critério; tentar abarcar uma certa variedade dentro do gênero musical. Uma variedade vocal e instrumental.
“Summertime” (George Gershwin, DuBose Heyward, 1935). Retirada da ópera “Porgy and Bess”, essa canção é tomada como um dos temas mais singelos e belos para um standard (um clássico) do jazz.
Vale a pena ler a história da ópera da qual a música faz parte. Aqui, vamos unir um dueto do panteão jazzístico, Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, interpretando-a no álbum “Porgy and Bess”, de 1957.
É a hora de você, neste sábado, acomodar-se no sofá e sentir o vigor da letra, das vozes e do trompete nessa música e nessa inigualável interpretação.
A introdução do trompete de Armstrong e a entrada de Ella vão ecoar na sua cabeça por um bom tempo. Uma dica de um fã: há uma interpretação solo de Ella em vídeo, feita em 1968, em Berlim. Veja como cantar pode (ainda pode?) ser outra coisa.
“Giant steps” (John Coltrane, 1960). Certamente, quando se começa a escutar essa música, o sofá já não é mais seu lugar. A ideia é essa, a tonalidade do Bebop (um ritmo mais cadenciado e perceptivelmente arranjado, do qual o grande Charlie Parker foi o maior símbolo), aqui, foi explodida, literalmente.
O antropólogo Massimo Canevacci certa vez escreveu que Adorno (o filósofo) não gostaria de Coltrane, exatamente daquilo que faz desse álbum a sua grande marca, uma certa improvisação programada, se assim posso dizer.
É uma erupção de tons e variações, impensáveis para um ouvido acomodado à cadência melódica do Swing (ritmo consagrado pelas big bands) e totalmente distante de um entediante Smooth jazz (puristas do jazz chamam, jocosamente, de música de elevador). Coltrane marcaria seu nome na história, justamente por romper com ela.
“Caravan” ( Duke Ellington, Juan Tizol, Irving Mills, 1936). Talvez a música instrumental mais regravada do Jazz. Ouça a gravação do álbum “Money jungle” (1962), de Ellington, Max Roach e Charles Mingus.
Logo, de cara, você sentirá os dedos de Mingus atacando o contrabaixo, a força da bateria de Roach e as célebres possibilidades do vigor pianístico de Ellington.
Duke, como era chamado pelos amigos, mudaria a história do jazz por lhe conferir uma aura para além da mera fruição gratuita.
“I fall in love too easily” (Jule Styne, Sammy Cahn, 1944). Já prevejo algumas pessoas torcerem o nariz, mas listas são feitas, também, exatamente para isso.
Senhoras e senhores, essa canção de amor, tão pequena e simples em sua letra, serve como uma bela introdução ao estilo Cool jazz (um estilo mais lento que o bebop, que se consagraria com o memorável Miles Davis ) e um bom começo para se ouvir seu mais conhecido intérprete vocal, Chet Baker.
É na sua interpretação (Let's get lost: the best of chet baker sings, 1954) que podemos perceber o cantor, quase, pagando uma penitência pelo amor.
Poderia parecer piegas, porque nos remete, talvez, à experiência de cada um, mas, fantasiamos, e parece que Chet está contando sua história e, então, nos irmanamos com ele em sua interpretação. Too easily, muito facilmente.
“Moanin’” (Bobby Timmons, 1959). A escolha aqui atende a dois propósitos, primeiro, perceber como o jazz evoluiu em ritmos que o enriqueceram, como o Hard bop; depois, atende à história do álbum do qual essa música faz parte, “Art Blakey and the jazz Messenger”, de 1959, o álbum que iria mudar a história da Blue Record, uma das maiores gravadoras de jazz da época.
Pegue qualquer nome daí e você verá um gigante na história do estilo. “Moanin’” é não só uma síntese estilística desse momento, com suas acelerações e pausas perfeitas, permitindo a expansividade de todos os músicos, mas o prenúncio do brilho que muitos desses músicos ainda alcançariam.
“Fly me to the moon” (Bart Howard, 1954). Há coisas das quais não se pode escapar. Freud, em “Além do princípio do prazer”, cita uma frase de Mefistófoles, do “Fausto”: “Pressiona sempre para frente, indomado”.
Sempre que ouço essa música, na interpretação de Sinatra no álbum “It might as well be swing”, de 1964, lembro dessa frase.
Pode parecer contraditório com a interpretação freudiana, mas nem tanto. Talvez seja a ideia de uma sensação de prazer incontida, da qual a letra trata, que leve a isso.
Empurrando o amor, incontrolavelmente, para as estrelas, aquilo que se sabe, finito, por isso intensamente vivido.
Sinatra, em uma apresentação de 1965, disponível em vídeo, parece saber disso e exala uma alegria, diante da plateia e da câmera, indomável.
“Red clay” (Freddie Hubbard, 1970). Escrevi um texto específico sobre essa música, “Red clay 12:12”. Ela pertence ao álbum de mesmo nome e representa um momento em que Hubbard coroa, com brilhantismo, sua relação com a Soul music e com o Jazz fusion.
A melhor versão é ao vivo, contida no álbum. Como exercício comparativo, é interessante perceber como as duas versões mudam bastante, revelando, em uma gravação, como poucas, a carta na manga do jazz; o tocar ao vivo, a diferença entre músicos, o enriquecimento da improvisação.
Hubbard se tornará um dos mais célebres trompetistas por, dentre outras características, sempre desafiar o limite das notas, da frase musical, daquilo que como o barro (clay) pode ganhar outras formas de interpretação.
"My baby just cares for me" (Walter Donaldson, Gus Kahn, 1930). Claro, é a gravação dessa música feita por Nina Simone que interessa. Impressiona bastante como essa canção estará no álbum de estreia da cantora, “Little Girl Blue”, de 1959.
Mas, mais impressionante ainda, é perceber como aquela pianista, que ainda sonhava com a música erudita, vai nos proporcionar não só uma inigualável diferenciação e pujança vocal, como um talento incomum com o teclado.
Certa vez, um amigo músico de jazz, quando escutávamos essa canção interpretada pela musicista, no exato momento que ela executa o solo no piano, interrompeu, exclamando: mas é Bach!
“Take five” (Paul Desmond, 1959). Essa música é tão simbólica, tanto pelo seu ritmo que memorizamos por horas, quanto pelos seus feitos comerciais. Ela pertence ao álbum “Time out”, do Dave Brubeck quartet, de 1959.
O álbum vendeu, naquela época, graças, em grande parte, a essa música, mais de um milhão de cópias, um enorme feito para o jazz e um gigantesco avanço para sua popularização.
É a melodia, agradável, variada e, ao mesmo tempo, aderente, do sax de Paul Desmond e do Piano compassado de Brubeck, que conferem, a essa canção, um lugar fundamental na história do jazz.
“Misty” (Errol Garner, Johnny Burke, 1954). Sarah Vaughan chegou, para mim, depois de Ella Fitzgerald e instilou uma dúvida. Como todo amante do jazz, comecei a comparar as versões das músicas entre as duas.
Ainda hoje, posso jurar em um dia ter gostado mais da versão de “Misty” de uma, do que da outra. Obviamente, no outro dia, penso o contrário.
Essa música presente no “Vaughan – Vaughan And Violins”, de 1958, nos dá uma amostra da potência (aqui, não tem jeito, a palavra é essa mesmo) da voz de Vaughan.
Em um vídeo, de 1964, gravado em uma apresentação na Suécia, ela parece estar tímida antes de começar a cantar.
Quando começa, após ouvir aquele grave se espraiando, suave, e em seguida um agudo contrastando-o, e as frases distendidas, você pode pensar, essa versão é melhor.
Aí está. 10 músicas para você sentir um pouco do que o jazz já nos proporcionou e ainda nos proporciona. Sensação é a clave. Lembre-se sempre da frase de Louis Armstrong.
P.S: Ah listas! Alguns podem me acusar de ter esquecido de Billie Holiday. Não esqueci. É que uma de suas maiores interpretações é algo tão denso, que escrevi um texto específico sobre: “Billie Holiday, Strange Fruit e 100 anos do Jazz”.