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Terça-feira,
18/7/2023
Olá, professor Lúcio Flávio Pinto
Relivaldo Pinho
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Lúcio Flávio Pinto. Fonte https://amazoniareal.com.br/
Um dia, quando entrava no ônibus voltando da faculdade para casa, sentou ao meu lado uma das pessoas que me inspiraram a fazer o curso de jornalismo. Era o jornalista Lúcio Flávio Pinto . Caramba! Tudo tremia e a voz embargou. Saiu um: “olá professor”. Sim, ele era professor na faculdade de comunicação naquela época, mas era muito mais do que isso para muitos de nós, era a ideia de que “um dia quero ser como esse cara”.
Para nós, sempre o ano que marca a passagem de um ritual em nossa vida tende a ser um ano revolucionário.
E 1994 foi mesmo. A banda Nirvana estava no auge, foi o ano de filmes como “Pulp ficton” e “O Profissional” e era ano da segunda eleição presidencial da nova república.
Mas, para mim, quando entrei na faculdade, acima de tudo, foi o ano que conheci pessoalmente Lúcio Flávio.
Eu era um garoto esguio, contaminado pelas ideias e pelos novos (nem tão novos, é verdade) conhecimentos com os quais a universidade e seu mundo adentram na cabeça de um jovem vindo, recentemente, do interior.
Naquela viagem de ônibus, depois de meu cumprimento, ele respondeu educadamente. Tímido, eu pensava.
Como usar palavras, se você acha que pode falar uma besteira logo de cara? Mas, apesar de tudo, a conversa fluiu, na medida do possível.
Capa da 1ª edição do JP. Fonte: https://www.icbsena.com.br/
Ao final, antes dele descer do ônibus, ele me deu um exemplar da primeira edição do “Jornal Pessoal”, a famosa edição com a premiada reportagem sobre o assassinato do ex-deputado Paulo Fonteles. Eu a tenho até hoje, muito bem guardada, entre meus documentos mais importantes.
Você já percebeu, caro leitor, que este é um texto de homenagem quase irrestrita. E é mesmo. Deve ser. Pessoas que são inspiradoras nunca deixam de povoar nossa imaginação e nossos objetivos. Ser grato ainda é uma honra para com o outro.
A leitura do “Jornal Pessoal” já era uma religião, um rito que se tornou cada vez mais importante e, em não poucos momentos, fonte de pesquisa incorporada aos meus trabalhos.
Mas voltemos à faculdade, onde Lúcio lecionava a disciplina história da imprensa. Em uma de suas aulas tivemos (Ah! A juventude é naturalmente pretenciosa) um embate a respeito de um livro.
Mais recentemente, ele lembraria desse fato em um pequeno texto muito generoso a respeito da minha carreira e do meu livro, o “Antropologia e Filosofia”.
Mas se enganam aqueles que pensam que isso tenha sido uma constante em seus comentários sobre o que escrevi.
Antes do seu pequeno texto generoso, Lúcio, sem citar meu nome, desceu a lenha sobre um livro que publiquei, porque nele citava uma influência de seu texto e outra da extinta “Agenda Amazônica” (um de seus empreendimentos jornalísticos) colocada no livro como epígrafe de um capítulo, mas não nas referências.
Para ele, um erro imperdoável, para mim, as outras referências no trabalho citadas, poderiam diminuir o erro. Na época fiquei furioso, pensei escrever uma resposta, mas deixei pra lá, poderia ser coisa só da minha imaginação (não era, tenho certeza agora).
Não saberia enumerar e nem lembrar o quanto, nesses anos de leitura do “Jornal Pessoal”, de seus livros e demais textos, aprendi, incorporei e refleti com suas abordagens e com suas ideias, e o quanto discordei muito de vários de seus argumentos e análises.
Foto: reprodução
No periódico, de política nacional, regional e internacional, líamos e comentávamos com colegas, família, amigos e vizinhos.
Minha edição da última quinzena rodava de mão em mão. Os mais próximos tomaram como hábito e perguntavam: “já tem o JP?”. Tenho certeza que muitos que lerão estas linhas tiveram experiência parecida.
Uma feliz coincidência ocorreria nesses anos. Meu irmão trabalharia com um dos irmãos de Lúcio Flávio em uma instituição. Ele, ao saber de quem se tratava, contou sobre minha leitura constante do Jornal Pessoal.
Alguns dias depois, meu irmão chegou com um enorme envelope de edições do Jornal que fora dada a ele por seu colega de trabalho.
Ainda por esses tempos eu entraria para o mestrado do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da UFPA, com um projeto de pesquisa sobre o jornalismo nos livros de Lúcio Flávio. Procuraria ali demonstrar como havia uma história do presente sendo feita nessa obra.
Mas, depois, por motivos que aqui não cabem, mudei de tema. Havia pouca coisa na academia sobre seu trabalho e isso é, e sempre foi, um dos incentivos para o que faço; trazer algo incomum para um âmbito (a academia) que ainda não lhe dirigiu o devido olhar.
Não há como desconsiderar, nessa trajetória de leitura, a parte cultural, que sempre finalizava as páginas do JP (e ainda presente, seu jornal está online).
Naqueles idos dos anos 90 e 2000 fazia ainda mais sentido porque ainda éramos muito verdes sobre escritores, cientistas, música. Quase tudo era incorporado como novo.
Quando ele publicou a série de livros sobre sua famosa coleção de jornais antigos de Belém, “Memória do cotidiano”, materiais que ele já havia começado a incorporar na “Agenda Amazônica”, aquilo foi um bálsamo sobre o desconhecimento dos textos e das imagens sobre a cidade.
Livro da série editada por Lúcio Flávio. Fonte: Estante virtual
Dizia-se antigamente, (ainda se diz?) e não era pejorativo, pelo menos não como é hoje, que jornalista tem um conhecimento genérico, fala de tudo um pouco. Mas o jornalismo de Lúcio escapava (e escapa) muito dessa generalidade. Na maioria das vezes, a sua generalidade era substanciada com uma profunda erudição sobre vários assuntos.
Seu conhecimento empírico sobre a realidade amazônica, conhecimento que poucos de nós temos, sempre foi profícuo, não pela demonstração de acumulação de informação, mas por aquilo que é próprio àquele que nutre esperanças de uma nova compreensão sobre o lugar, o compartilhamento do saber, a contextualização da região no mundo.
Hoje já poderia dizer que alguns desses assuntos, para mim, são temas de aprofundamento, mas naquele momento, tomávamos quase tudo como “verdade”.
Mais recentemente, soubera que Lúcio estava doente, mas, então, pouco tempo depois, soube que ele estava fazendo uma palestra em uma das faculdades que trabalhei.
Site sobre a Cabanagem , realizado por Lúcio Flávio
Fui direto ao local. Ele em pé falando e a plateia atônita, como sempre. Sem titubear, atravessei todo o corredor central do auditório, interrompi sua fala e lhe dei um abraço caloroso.
Li, há alguns dias, um texto seu dizendo que ele vai se aposentar da atividade “jornalística pública diária”, devido à sua condição de saúde. Diz que vai se dedicar a outros projetos que ainda o permitem produzir.
Desejo-lhe toda saúde e que ele continue escrevendo, produzindo (ele está no instagram, https://www.instagram.com/lucioflaviopintoonline/). Que continuemos aprendendo, nos formando e não concordando (sim, discordar ainda é uma atividade que enobrece o conhecimento) com seus textos e ideias. Seu jornalismo já, há muito, é parte da realidade.
Agora, estou sentado novamente naquele ônibus, em 1994. Mas desta vez, antes de Lúcio Flávio sair, tomo coragem e aperto sua mão, dizendo firmemente: obrigado, mestre!
Relivaldo Pinho é autor de, dentre outros livros, “Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia”, ed. ufpa.
[email protected]
Esse texto foi publicado em relivaldopinho.wordpress.com
Postado por Relivaldo Pinho
Em
18/7/2023 às 19h01
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