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Quarta-feira,
30/8/2023
DECISÃO
Diana Guenzburger
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Camila sentou no banco da praça e ficou abanando-se com a revista que carregava. O calor era intenso. Isso não impedia que as crianças brincassem entusiasmadas nos balanços, gangorras e pula-pula, junto com outros meninos e meninas de idades semelhantes. Impressionante a energia, pensou, nada os faz se cansarem. Frequentemente encontrava outras mães, ou mesmo babás, com quem podia conversar e passar o tempo, enquanto acompanhava os filhos. Hoje, no entanto, não havia ninguém conhecido. Aproveitou a solidão para mergulhar nos pensamentos, tentando colocar alguma ordem no caos que reinava em sua mente.
Casou-se cedo, com festa em clube, damas de honra e bolo enorme enfeitado. Conhecera o noivo numa reunião de trabalho. Muito mais velho do que ela, era gerente da empresa, e pareceu encantado em conversar com a jovem ingênua, bonitinha mas simples, que parecia pedir proteção. Convidou-a para jantar num restaurante da moda e daí saíram mais vezes. Apresentou-a à família.
Numa noite de verão, no bar da varanda de um hotel à beira-mar, abriu-se com ela. Era divorciado e não tivera filhos. Sentia-se só e a solidão lhe pesava. Sua maior felicidade, confessou, seria tê-la como esposa. Esperava que a diferença de idades, e seus cabelos já grisalhos nas têmporas, não impedissem sua união.
Camila, um pouco confusa com a rapidez dos acontecimentos, não respondeu logo. Mas tudo conspirava para que aceitasse. Os pais dele, radiantes com a possibilidade de terem uma jovem nora e, talvez, netos; sua família, encantados em vê-la ao lado de um homem maduro com bela carreira, que poderia oferecer-lhe segurança e tranquilidade. As amigas e colegas, que declaravam morrer de inveja da sorte que ela tinha. Afinal, acabou aceitando e o casamento realizou-se.
No começo, tudo aconteceu como previsto. Camila gostou muito de ter a própria casa e sentia-se feliz. O marido insistiu para que abandonasse o emprego, não precisavam do dinheiro. Mas ela foi firme e continuou trabalhando. Logo ficou grávida e vieram dois filhos lindos, menino e menina, um atrás do outro. Descobriu que trabalhar fora e criar filhos ao mesmo tempo era duro; mas as avós ajudavam, e a vida corria tranquila. A moça, no entanto, nos poucos momentos em que se encontrava sozinha, sentia um vazio, falta de alguma coisa que ela mesma não sabia o que era.
Resolveu fazer um curso, isso iria fazê-la ganhar conhecimentos e, ao mesmo tempo, distraí-la dos pensamentos negativos. Escolheu História da Arte, assunto que a fascinava, e matriculou-se na Escola do Parque Lage. Lugar cheio de artistas trabalhando, que expunham suas obras nos corredores; o próprio casarão antigo de pedras cinzentas emanava uma atmosfera mágica, onde parecia que tudo poderia acontecer. O professor de Arte Contemporânea era jovem como ela. Mais baixo que a média dos homens, tinha cabelos bem pretos encaracolados e charme de artista pobre. Ainda por cima, grande talento de comunicador, o que tornava suas aulas fascinantes. Camila chegava cedo e não faltava nunca.
No intervalo de uma exposição, encontraram-se no café da Escola. Tímida, Camila ousou aproximar-se e fazer perguntas sobre o expressionismo abstrato, que a intrigava. Estabeleceu-se um diálogo animado. Os encontros no café tornaram-se uma rotina, e revelaram grande afinidade de gostos e valores. Além disso, a atração física que sentiam um pelo outro era visível, quase palpável. Um braço que tocava o outro, olhares que se cruzavam, tudo era óbvio, mas nada era dito.
A Escola organizou uma grande excursão a Inhotim, museu fantástico de arte contemporânea a céu aberto, em Minas Gerais. Camila conseguiu ir, apesar dos protestos do marido. Quem cuidaria das crianças? Eram só cinco dias, ele podia fazer isso, junto com a babá. Por que ela queria viajar sem o marido? O que a família iria dizer? Não seja antiquado, os tempos mudaram, não tinha nada de mais, outras senhoras também iam.
Chegando em Belo Horizonte, o grupo foi para um hotel, combinando de encontrarem-se cedo para a primeira visita ao parque. O local era deslumbrante, as obras de arte espalhadas entre palmeiras enormes e vegetação exuberante. O grupo acompanhava o guia, outro professor da Escola; a certa altura, Camila distraiu-se com uma instalação de acrílico vermelho e foi ficando para trás. Percebendo, tentava apressar o passo para juntar-se aos outros, quando notou a presença ao lado de seu jovem professor. Pegou-a pelo braço; uma touceira de bambu ao longo do caminho fez o resto. Seus corpos se tocaram com sofreguidão. De volta ao hotel, encontraram-se num quarto, onde o desejo mútuo se consumiu. A paixão avassaladora dominou aluna e professor durante todo o resto da viagem.
* * *
De volta à realidade do cotidiano, os pensamentos de Camila oscilavam entre a nova e avassaladora felicidade alcançada e seus deveres de mãe e esposa. Nunca havia sentido uma paixão dessas por um homem, e parecia perdida. Na cama com o marido, comparava o sexo burocrático e rotineiro com as horas de paixão que passara com o amante, em que cada experiência fora um êxtase. Mais tarde, recriminava-se por ser uma esposa infiel.
O marido parecia intuir alguma coisa, e observava-a de longe, intrigado. Pensava que não poderia jamais viver sem a mulher e os filhos, que conseguira tão tarde na vida. Tentou agradá-la, com presentes e elogios. Um dia, anunciou.
“Camila, vi como você gostou de viajar e conhecer coisas novas. Por isso, resolvi que vamos a Paris, cidade cheia de arte e outras maravilhas.”
Mostrou-lhe as passagens, classe executiva. Mas Camila não se entusiasmou.
“Vamos deixar pra mais tarde, está bem? Daqui a uns anos... Por enquanto, as crianças são muito pequenas. Não tenho vontade de deixar elas sozinhas.”
Enquanto isso, os encontros furtivos com o professor de arte continuavam. Encontravam-se depois das aulas no bosque do Parque Lage, no lusco-fusco, e seguiam para o pequeno apartamento conjugado do jovem. A paixão e o desejo aumentavam, mas junto com isso, também o remorso.
Um dia, o namorado anunciou uma novidade.
“Vou para São Paulo. Fui convidado para dar cursos no museu de Arte Moderna. Emprego mesmo! Uma oportunidade incrível.”
Parou de falar, e fixou o olhar nos olhos de Camila. Após alguns minutos imóvel, disse:
“Vem comigo.”
“E meus filhos?”
“Traz eles também.”
A moça ficou atônita, e foi-se embora sem responder. Em casa, abriu a janela do quarto e apoiou os cotovelos no parapeito, pensando, pensando. Religiosa, pediu ajuda ao Senhor para dar-lhe sabedoria e tomar a decisão correta. Era jovem, ainda. Teria direito de ser feliz? Mas abandonar o marido, que era tão bom com ela....
As horas passavam, não decidia o que fazer. Largar tudo e seguir o amante? Ou ficar com o homem bom que a acolhera como esposa?
Postado por Diana Guenzburger
Em
30/8/2023 às 14h06
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