HORA MARCADA | Blog de Diana Guenzburger

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Segunda-feira, 18/12/2023
HORA MARCADA
Diana Guenzburger
+ de 1500 Acessos

Dezoito horas. Horário ruim. Será que não havia outro? A secretária dissera que não, todos estavam preenchidos. Bem na hora do rush. Bom, paciência. Era até sorte ter conseguido a consulta, uma médica tão requisitada... Especialista de renome. Entrou no carro e ajustou o celular em frente, para ver o aplicativo do GPS. Saía uma hora e meia antes, tempo mais que suficiente, pensava, para chegar na hora marcada. Motor ligado, iniciou a jornada em direção ao Centro, com um suspiro de resignação. Parecia os doze trabalhos de Hércules. O primeiro deles era chegar na Marginal Pinheiros. Classificada como “via expressa”, era tudo menos isso. Constantes engarrafamentos tornavam seu percurso lento e arrastado, testando a paciência dos motoristas ao limite.

Atravessou a ponte e fez a curva, indo emergir numa das pistas da larga avenida, junto com outros automóveis chegados de várias direções. Lentas e arrastadas, filas de veículos moviam-se monótonas, como serpentes rastejando no mato. De vez em quando, uma freada brusca: ora uma motocicleta atravessava em frente, ora um ônibus mudava de direção, obrigando-o a dar passagem. Ligou o rádio para se distrair. Música clássica era o que preferia, porém nem sempre encontrava. Só achou noticiário sobre a guerra; acabou por desistir, e desligou.

O GPS indicava como próxima etapa a avenida Juscelino Kubitschek. Após muitas voltas e freadas, conseguiu entrar nela. Ônibus, caminhões e automóveis disputavam espaço, causando retenções. O tempo passava e começou a escurecer. No inverno, a noite chega cedo, pensou. Começou a sentir sede, não trouxera água nem outra bebida. De repente, a linha do trânsito na tela do celular deu uma guinada para a direita, e a voz feminina do aplicativo indicou que deveria entrar por uma transversal. Aquiesceu, embrenhando-se por uma série de vias estreitas, sempre orientado pelo guia digital. Ruas subiam e desciam, e nada de chegar mais perto do seu destino. Pelo contrário, o aplicativo que previra uma hora de viagem ao sair de casa, agora anunciava hora e quinze minutos. Sabia que isso poderia ocorrer, conforme as condições do trânsito, mas mesmo assim era irritante. Começou a ficar apreensivo, pensando na consulta marcada.

A sede apertou, e resolveu dar uma paradinha em frente a botequim modesto, para comprar água mineral. Uma interrupção rápida não iria atrapalhar o percurso. Estacionou em frente a uma garagem, deixando ligado o pisca-alerta, e dirigiu-se ao balcão. Ao voltar com a água, um susto: alguém batera na traseira de seu carro. Amassara o para-choque e quebrara um farol. Ficou atônito. Como poderia ser? Não ouvira nenhum ruído de batida. Olhou em volta, não viu veículos próximos. Sem saber o que fazer, perdeu alguns minutos parado. Afinal, resolveu continuar.

Entrou numa avenida mais larga, bordeada por árvores frondosas e cercada de casas e mansões. Estamos nos Jardins, conjecturou. Não sabia que precisava passar por aqui. De repente, porém, uma encruzilhada: fez uma curva de noventa graus e entrou por rua estreita e congestionada. Rodou bastante, e começou a notar que mudara de bairro, deixando para trás a região abastada. O calçamento encontrava-se em péssimo estado e buracos no asfalto sucediam-se, impiedosos. Notou lixo no meio-fio em sacos rasgados, casas pobres com pintura ausente ou descascada, roupa pendurada no varal nas janelas. Onde estou, indagou a si mesmo. O consultório não pode ser por aqui, é numa clínica chique pra gente que pode pagar. Começou a desconfiar do aplicativo e resolveu trocar, parando o carro para digitar o endereço da médica em outro. Continuou, mais confiante. Após muitas curvas, subidas e descidas, parou num sinal. De repente, ouviu um estrondo ao lado: o vidro de sua janela fora quebrado. Um braço coberto com manga de couro preto forçou sua entrada em frente ao volante e mão enluvada arrancou o celular do suporte. Não teve nem tempo de reagir: o ladrão subiu rápido numa moto e arrancou em alta velocidade.

Agora mesmo é que estou perdido, com GPS já estava ruim, imagina sem. Pensou que a solução ia ser parar toda hora para pedir instruções, à moda antiga. Melhor em postos de gasolina, os frentistas conhecem a região e gostam de ajudar.

Após duas paradas, entrou numa rua mais larga e bem asfaltada. Faltavam quinze minutos para a consulta, se tivesse sorte ainda dava tempo de chegar na hora marcada. Não devia estar longe da clínica. Acelerou o quanto pode, trocando de pista e passando à frente dos carros vizinhos. De súbito, porém, uma pancada forte de chuva. Estrondos de trovoada e clarões de relâmpagos acompanhavam os pingos grossos de água que, de tão abundantes, lhe tapavam a visão. As luzes dos postes de iluminação apagaram-se. Vagarosamente, e com muito cuidado para não bater nos automóveis ao lado, conseguiu acostar-se ao meio fio, numa reentrância da rua. Desligou o motor e aguardou.

Não demorou muito, um ruído de vozes e gritos, cada vez mais altos e estridentes, o fez ficar em alerta. Tentou enxergar através do para-brisa, onde a água da chuva descia como cachoeira, e acendeu uma lanterna que tirou do porta-luvas. Olhou em frente pela janela: viu carros parados, pessoas que corriam. De repente, ouviu tiros, seguidos de mais gritos.

Não havia dúvidas: um assalto. Bandidos se aproveitavam da chuva forte e da escuridão para roubar motoristas, presos no trânsito pelas circunstâncias. Com os faróis desligados, avançou vagarosamente sobre a calçada, até conseguir virar à direita em rua transversal. Dirigiu desorientado em baixo da chuva, espadanando água das poças, cada vez mais fundas.

Não sabia quanto tempo se passara. Resignado, virava em rua após rua, sem reconhecer nomes. De súbito, porém, a placa que leu avivou sua memória: era a rua da médica!

Sem questionar que circunstâncias o haviam levado até ali, estacionou, aliviado. A chuva amainara. Tocou a campainha da luxuosa clínica e foi recebido pela secretária. A moça fitou-o meio triste, como se olhasse para um cachorro faminto.

“A dra. Suzana acabou de sair. Ela esperou tanto... O senhor não veio na hora marcada.”


Postado por Diana Guenzburger
Em 18/12/2023 às 11h52

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