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Segunda-feira,
27/5/2024
A ESTAGIÁRIA
Diana Guenzburger
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Alberto olhou para a nova estagiária por cima dos óculos. Novinha. Cabelo comprido, como era moda, castanho com listas louras. Pele bem clara e luminosa, via-se que não era muito de praia. Calça comprida clássica e camiseta simples.
Bonitinha, pensou o executivo. Tomara que ajude em alguma coisa. Abaixou a vista e continuou seu caminho em direção à sala de reuniões. No percurso, parou um instante na mesa do café e serviu-se de mais um copo, o terceiro do dia. Combustível para afastar o cansaço. Quando ia entrar na sala, foi interrompido pela voz irritada do chefe, o diretor de operações, que abrira a porta de seu escritório de repente.
“Alberto! Dá um pulo aqui. Temos um problema.”
Entrou, alarmado. O diretor de operações era conhecido por ser um grosso e não ter muita paciência com os subalternos. Problemas com ele, ninguém queria.
“Sente-se, sente-se, Alberto. Temos um cliente insatisfeito, e um dos nossos maiores. Lembra-se daquela carga que precisava chegar com urgência? Foi você quem ficou encarregado disso. Acontece que não deu certo, ocorreu um imprevisto....”
O diretor continuou a repassar, cada vez com voz mais alta, a série de reclamações ouvidas do cliente. Súbito, a porta entreabriu-se e um rosto feminino se fez ver, meio coberto por cabelos.
“Desculpe. Sou Sofia, a nova estagiária. Mandaram entregar esses documentos pro senhor. É urgente.” A voz da moça, que entrara na sala, parecia tremer de timidez.
O diretor interrompeu seu arrazoado e fitou a estagiária com certa curiosidade. Logo recompôs-se.
“Bota aí em cima da mesa. Estou muito ocupado agora”
Voltou a dirigir-se a Alberto, que, alheio, via a moça sair apressada. Tem covinhas nas faces, observou. Que sorriso bonito.
Eventualmente, o chefe acabou de falar e Alberto pode ir para casa. Ao pegar seu carro, esqueceu-se da estagiária, pensando na série de problemas que o aguardavam. Dívidas que se acumulavam, filha adolescente pega com drogas na escola, mulher insatisfeita com a vida... E por aí vai. Saio da panela para cair na frigideira, pensou. Tinha vontade de fugir para algum lugar bem longe.
Estacionou na garagem do prédio, onde notou sujeira acumulada em alguns cantos. Nem os faxineiros deste condomínio funcionam, pensou. O elevador social estava parado e teve que subir pelo de serviço. Encontrou a mulher esperando-o na porta, contrariada.
“Telefonaram da seguradora. Você não pagou o seguro do carro, e estão para cancelar. Além disso, estive no clube, e disseram que estamos devendo três mensalidades. O colégio da Anita advertiu...”
“Vamos jantar? Estou morrendo de fome”, desconversou.
“A empregada não veio hoje. Só tem pizza, e já está fria.”
Entrou no banheiro e lavou o rosto, tentando relaxar. No canto do espelho, por um instante pareceu-lhe ver o rosto da jovem estagiária, com seu sorriso de covinhas.
* * *
Fim de ano, correria danada no escritório, projetos para terminar, serviços inacabados. Alberto olhava para a papelada em cima de sua mesa, tentando não se deixar dominar pelo desânimo. Cabeça baixa, concentrava-se numa planilha complicada. Sentiu algo suave roçando seu rosto e um leve perfume agradável. Levantou a cabeça, surpreso.
“O senhor deve estar com fome, doutor Alberto. Não parou de trabalhar desde cedo. Quer meu outro sanduiche? Trouxe dois”.
Relutante, aceitou o sanduíche que a estagiária lhe oferecia, mão estendida. O gesto lhe deixou uma sensação agradável de alento, alguém preocupava-se com ele. Dias depois, veio o convite.
“Quer almoçar comigo, doutor Alberto? Tem um bistrô novo aqui do lado, comida caseira. Bem baratinho!”
Não hesitou em aceitar, e foram almoçar. A moça mostrou-se capaz de uma conversa agradável, nada muito polêmico. Voltou para o trabalho mais animado.
Os almoços no bistrô repetiram-se ocasionalmente. Perto do Natal, a empresa organizou sua tradicional festa de fim de ano, numa sala de hotel. Única ocasião em que não faziam economia, tinha coquetel, canapês, até champanhe. As conversas subiam de tom, à medida que os funcionários consumiam cada vez mais doses de uísque, vodca e outras bebidas. Pessoas que mal se falavam na faina do dia-a-dia, conversavam animadas, com muitos abraços e tapas amigáveis nas costas. Alberto participava, feliz por estar se divertindo longe da mulher.
Uma mão suave passou-lhe pelo braço. “Está gostando da festa?” perguntou Sofia, chegando-se a ele. Sem esperar resposta, queixou-se do calor abafado. “Vamos até à varanda tomar um ar?” Puxou-o pelo braço até se encostarem na balaustrada do terraço. Virou o rosto para cima, oferecendo os lábios. Alberto, meio tonto depois de quatro uísques, não se fez de rogado.
Foram para um motel. Dias depois, repetiram a experiência. O jeito inocente e infantil da moça fascinavam o executivo. Dirigia-se a ele como se fosse um deus. O sexo raro e morno que tinha em casa, relação desgastada, brigas. Com Sofia, sentia-se renascer.
Fazia malabarismos para conciliar essa nova vida com a outra. Não era fácil; na verdade, cada vez ficava mais complicado. Manter as aparências no escritório era um problema, ainda mais porque precisava dos serviços de secretária da estagiária. Sofia, no entanto, era melhor atriz e parecia muito à vontade trabalhando com ele, diante dos outros empregados. Pior que isso era a atitude dela, que estava mudando. De humilde e carinhosa como no início da relação, passou a ficar mais exigente.
“Meu amor, essa história de motel não dá mais. Não fico à vontade. Porque você não aluga um apartamento para nós. Pode ser bem pequeno, não tem importância. Vai ser nosso ninho!”
Apesar de estar sufocado com despesas, Alberto cedeu e alugou um pequeno apartamento num bairro de classe média para seus encontros com Sofia. Tudo ia bem entre eles, saia de lá feliz. Meses depois, no entanto, quando estava jantando em casa com a família, tocou o telefone. A mulher foi atender, mas desligaram.
“Deve ser propaganda, ou então é golpe.”
As ligações repetiram-se várias vezes em outros dias, até que resolveu atender. A voz doce e melodiosa de Sofia respondeu do outro lado, perguntando quando iriam se encontrar.
Alberto ficou furioso. Na próxima vez em que encontrou a moça no apartamento, repreendeu-a com rispidez.
“Onde você conseguiu meu telefone? Não se meta com a minha família!”
Para sua surpresa, Sofia desmanchou-se em lágrimas. Soluçando, queixou-se. “Você não me respeita, pra você eu sou uma puta qualquer.” Alarmado, Alberto tratou de consolar a moça, com muitos carinhos e elogios, até ver de novo em seu rosto infantil o sorriso de covinhas. Sentia-se cada vez mais culpado: na sua mente, seduzira a moça, um homem casado.
Tudo ficou sob controle, até que um dia, Sofia o interpelou.
“Você não diz que me ama? Por que não se divorcia e casa comigo?”
Alberto levou um susto. Desconhecia essa Sofia, mais madura e voluntariosa. Saiu do encontro e, depois de pensar muito dentro do carro estacionado, tomou uma decisão. Essa vida dupla tinha que acabar. Tá certo, sua vida de família não era lá essas coisas, mas desmanchar tudo que já havia construído também não ia dar. E os filhos? Iam ficar com a mulher. E o apartamento já quitado? Iam ter que vender? Deus me livre.
O próximo encontro com Sofia foi doloroso. A moça não se conformava, chorava sem parar. Sentia-se um calhorda. Devolveu o apartamento; os telefonemas misteriosos continuaram por um tempo, até irem escasseando. Finalmente, cessaram. No escritório, evitava a moça o mais possível, a ponto de virar as costas quando a via.
Passaram-se muitos meses, e tudo parecia ter voltado ao normal. Durante este tempo, a estagiária havia sido contratada como funcionária. Alberto nunca retornara ao bistrô onde costumava almoçar com Sofia, com medo de encontrar a antiga amante. Um dia, porém, sentiu saudades do talharim com costela, seu prato preferido no restaurante, e resolveu entrar. Estava por terminar o almoço, quando a porta se abriu e para sua surpresa, entrou Sofia, acompanhada pelo seu chefe, o diretor de operações. Mudou de lado da mesa para não ser visto, terminou o almoço rapidamente e saiu ocultando o rosto com uma pasta.
Passou a observar com mais atenção o vai-e-vem da moça na firma. Parecia-lhe que o número de vezes que ela entrava e saía na sala do seu chefe havia aumentado. Levava pessoalmente com frequência pastas, correspondência e café, apesar do homem ter sua própria secretária. Sentiu-se confuso, sem saber o que concluir.
Um dia corria ofegante, tentando terminar um trabalho importante que era para ontem, quando foi surpreendido pelo diretor de operações, que abriu a porta do escritório subitamente.
“Alberto! Entra aqui. Quero falar com você.”
Entrou, apreensivo. Tentava elaborar mentalmente uma desculpa para o atraso no trabalho, esperando uma descompostura.
“Sente-se, sente-se, Alberto. Você e eu trabalhamos juntos há muito tempo; considero você meu amigo. Tenho uma novidade para lhe comunicar. Você sabe que sou casado.”
Fez uma pausa de efeito. O executivo, confuso, tentava imaginar onde o chefe queria chegar.
“Pois estou me divorciando. Sofia e eu vamos nos casar. Estamos apaixonados, paixão irresistível. Claro, ela vai ter que sair da firma e procurar outro emprego. Ou talvez nem precise, o que eu ganho vai dar de sobra pra nós dois.”
“É uma pena a firma perder uma funcionária tão dedicada. Por outro lado, agora sou um homem feliz. Estou me sentindo vinte anos mais moço!”
Postado por Diana Guenzburger
Em
27/5/2024 às 15h51
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