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Guerra no Iraque
Sexta-feira,
28/3/2003
Oderint Dum Metuant
Elton Mesquita
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Hoje pela manhã, este link chegou ao meu conhecimento, através deste blog.
Trata-se de um arquivo mp3 de um programa de rádio onde um refugiado
iraquiano identificado como Muhammad discute com uma pacifista americana
sobre a guerra iminente. "Como, exatamente, deixar Saddam no poder promoverá
paz e justiça no Iraque?", Muhammad pergunta. A jovem não consegue montar
uma frase coerente. Nervosa, ela ri e sai do tópico diversas vezes. Em
alguns segundos, o ouvinte inteligente, mas desinformado, terá a impressão
desagradável de que as manifestações pela paz não passam de balidos débeis
emitidos por liberais bem-vestidos que não têm idéia sobre o que estão
falando, quando na verdade a opção pela "Paz" nem sequer existe fora do
contexto estrito de necessidade prima facie.
Ouvir, da boca de alguém que efetivamente passou pela opressão, uma
argumentação apaixonada pela derrubada do regime de Saddam tem esse efeito.
Pelo tom de voz de Muhammad, nota-se que este homem está comprometido com a
causa da guerra. É a voz de ódio fomentado por anos de opressão. "Famílias
perderam vinte, trinta parentes quando Saddam atacou a população com gás",
ele diz. A jovem pacifista, reduzida pelo seu interlocutor enfurecido a uma
"garotinha" armada de uma "simplista diplomacia nickelodeon", não sabe o que
dizer.
Agora, pode-se simpatizar com os sentimentos de Muhammad - mas nunca aprovar
a conclusão a que ele chega. Afinal de contas, este homem está em território
seguro. Para uma amostra da diversidade de opiniões do iraquianos sobre a
invasão, tente este link. É o blog de um iraquiano que está no
Iraque, e que, em determinado momento, diz: "Ninguém aqui no Iraque é
pró-guerra (veja, eu disse 'guerra', e não 'troca de regime'; nenhum ser
humano arrazoado irá pedir a você que lhe administre a surra de sua vida, a
não ser que você seja um membro do Clube da Luta, e se você ouvir iraquianos
[no Iraque, não expatriados], dizendo 'Ei, bombaerdeiem com tudo', tenha
certeza de que é o desespero e 10 anos de dureza e opressão falando. Não há
uma única pessoa dentro do Iraque [e este é um 'dentro' em negrito, piscando
e sublinhado] que esteja gritando e pulando pras bombas caírem. Não somos
suicidas, sabe. Não todos nós, pelo menos".
Além disso, não é necessário muito esforço, nem ir muito longe, para
constatar que os motivos realmente importantes para um posicionamento contra
a atual invasão dos EUA ao território Iraquiano passam longe dos etéreos e
provavelmente inatingíveis conceitos de "paz e justiça para todos num mundo
perfeito". Trata-se, simplesmente, de uma questão de pragmatismo,
honestidade - e, talvez o mais importante - precaução.
Ser contra a ação militar americana no Iraque seria uma reação automática
beirando a fisiologia em qualquer ser humano com o mínimo de amor-próprio e
respeito pela própria inteligência. Pois se os procedimentos diplomáticos da
ONU foram desrespeitados, e se os protocolos e resoluções do Conselho de
Segurança foram abertamente desmoralizados, não o foram mais que a
inteligência dos cidadãos ao redor do mundo, que tiveram que conviver com
falácias, desmentidos, rumores, escritórios grampeados, distorções dos
fatos, pura e simples ESTUPIDEZ, incompetência e ignorância arrogante.
Esta, desde o princípio, tem sido uma campanha desonesta e burra,
orquestrada por pessoas que conhecem a extensão do próprio poder e que
desistiram de qualquer fachada de decência e humanidade fora dos horários de
pronunciamento do presidente Bush. É uma campanha fundamentalmente errada e
baseada em algumas das mais memoráveis distorções da realidade já vistas.
A não ser que seja possível se sentir confortável num cenário onde se é
tratado como uma criança que pouco sabe, e que deveria deixar determinados
assuntos nas mãos dos adultos, não vejo como se pode ser a favor deste
ataque, que aliás não está começando agora: Mães iraquianas têm visto seus
filhos morrer de desnutrição já desde o final da primeira Guerra do Golfo,
por causa de um dos maiores embargos econômicos já perpetrados. E os EUA
sabiam que Saddam não se importaria nem um pouco. Assim se configura
um ato de irresponsabilidade criminosa tão monumental que chega a ser
anestesiante, o que talvez explique, mas não justifique, o modo
irresponsável como o tema da guerra têm sido tratado em alguns círculos da
web. Compreendo que seja fácil e tentador exibir uma mordacidade que se basta
em se imaginar desafiadora do status quo politicamente correto, quando não
se sabe do horror diário que determinadas políticas têm infligido em certas
regiões do mundo. Mas digressiono.
Vou tentar levantar alguns pontos baseados no meu argumento de que ser
contra a invasão americana ao Iraque não significa necessariamente estar-se
disposto a perder tempo com vagos sentimentos "boa-gente" pela Paz Mundial.
Pela ordem:
Pragmatismo
Saddam Hussein foi derrotado na primeira Guerra do Golfo e fugiu. E
descobrimos todos que errar não é só humano, como deve ser governamental,
pois Saddam conseguiu fugir apesar de toda a vigilância da CIA em cima dele
- e voltou ao poder. A intervenção americana não se aproveitou do
fato de que o ditador tinha fugido para instalar um regime democrático. Por
algum motivo, isso nunca aconteceu. Muhammad, nosso imigrante enfurecido,
parece ter se esquecido disso. Portanto, primeiro: Não há garantias de que
Saddam será deposto. E segundo: Não há garantias de que o presidente eleito
após a guerra, se de fato os EUA conseguirem depor Saddam, não será uma
cobra criada pela CIA como Noriega, Pol Pot, Bin Laden etc etc etc, ou seja,
um mero fantoche dos interesses de Washington, que poderá, futuramente, se o
padrão se repetir (e não há porque não se repetir), se voltar contra a mão
que o alimenta.
Honestidade
A resolução 1411 do Conselho de Segurança da ONU - que exige do Iraque
obediência às resoluções dos inspetores da ONU - não autoriza a intervenção
militar. Não está no texto da resolução em nenhum lugar. Simples assim.
O Presidente Bush diz que 35 nações apóiam os Estados Unidos. De 193
reconhecidas pela ONU. Olhando a lista, encontramos países como Eritréia
(quem?) e Etiópia (subitamente possuidora de inaudito peso político). O
apoio da Turquia foi comprado - e a maioria da população turca se manifestou
contra a guerra.
Não preciso lembrar que o ataque ao Iraque é o fato culminante da Campanha
Contra o Terror (lembra?), que, por meios inescrutáveis a qualquer pessoa
com o mínimo de amor à lógica, conseguiu ligar Osama Bin Laden a Saddam
Hussein (nenhum dos seqüestradores dos aviões era iraquiano, e Osama já
chamou o líder iraquiano de "infiel"). Irresponsabilidade mentirosa,
manipulação dos fatos para interesse próprio. Injustificável e obsceno.
Um longo etc. se segue, abarcando escritórios da União Européia grampeados,
documentos forjados, rumores desmentidos, mas por motivos de espaço não me
será possível discorrer sobre todos.
Precaução
Qualquer capo da máfia ou valentão de jardim de infância poderá falar
com autoridade sobre o que os EUA estão fazendo neste momento no cenário
mundial. Se chama estabelecer credibilidade. A mensagem enviada a
todas as nações do mundo é: "Não queremos e não precisamos de aprovação.
Podemos fazer o que quisermos, onde quisermos, com quem quisermos, e não há
nada que ninguém possa fazer a respeito disso". É fácil perceber o panorama
que se desenha no horizonte, não a partir de agora (tivéssemos nós a sorte
de dizer que este incidente "abre um precedente"), mas desde o final da
Segunda Grande Guerra, quando os EUA começaram a estabelecer objetivamente
sua política internacional. "Oderint dum metuant": "Que nos odeiem,
contanto que nos temam".
Elton Mesquita
Rio de Janeiro,
28/3/2003
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