COLUNAS
Quarta-feira,
23/4/2003
A ressaca da Páscoa
Rennata Airoldi
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A páscoa passou. Pelo menos aquilo tudo que acontece durante o feriado: a sexta-feira santa; o bacalhau; a colomba pascal; o filme da vida de Jesus (que, com certeza, foi exibido à tarde em alguma emissora do país); o almoço de domingo; os muitos ovos de páscoa... E se você acha que tudo isso é pouco, não seja por isso: ainda por cima, este ano, emendamos o feriado de Tiradentes na segundona! (Ufa!) Será que hoje, quarta-feira, a ressaca já passou?
Infelizmente, esse feriado cristão deixou, há muito tempo, de ter uma conotação religiosa e passou a ser um feriado gastro-consumista. Todos correm desesperadamente (claro, dependendo do "tempo" [tempo=situação econômica]) para comprar ovos de páscoa! E para quê? Ninguém sabe. Costume, talvez. Na verdade, toda a simbologia do ovo foi perdida. O que importa mesmo é o CHOCOLATE! Ele e os produtos feitos a partir dele: ovos, coelhos, colombas - tudo muito gostoso, muito doce e muito calórico. Graças a Deus!
A pior ressaca da páscoa não é a consciência que desperta para o sentido religioso da data: é a culpa por cometermos mais uma vez um grande pecado, o da GULA! Graças ao chocolate. Também... todos que algum dia já tiveram (ou têm) compulsão por essa iguaria hão de concordar: o que passa diante dos nossos olhos nesse período é uma verdadeira covardia. Passear num shopping, fazer compras de supermercado... é a pura perdição. Aí, claro, tanta vontade acumulada durante todo o mês, vendo aquelas verdadeiras ruas de chocolate nas lojas, é detonada na compulsão do domingo de páscoa!
Para o mundo feminino, isso é um verdadeiro terror! Horas e horas de academia só para queimar as mil calorias dos ovos de páscoa! Podem dizer o que for, mas ninguém gosta de adquirir um "pneuzinho" extra. Resistência e disciplina, quando o assunto é chocolate, é para poucos. Eu posso dizer, pois já fui chocólatra assumida. Hoje, depois de muito penar, consigo não comer chocolate todos os dias... Confesso, porém, que uma semana antes da páscoa já estava salivando ao imaginar um ovo sendo aberto, muitos bombons, hummm... É um absurdo: hoje em dia, existem ovos que são verdadeiras obras-de-arte.
Claro que, como toda boa compulsiva, sempre digo racionalmente: - "Não quero ovo nenhum!". Mas isso não adianta nada. Quando todos sabem que você gosta de chocolate, a coisa fica pior. É amigo oferecendo bombons, outro querendo dividir o ovo... "Vem em casa que eu ganhei um ovo de páscoa e a gente pode comer, conversar". Ou ainda: - "Que tal uma caixa de bombom?". Ou seja, é uma tortura sem fim. Assim é impossível conter os olhos e fechar a boca!
No mundo, são milhares de viciados em chocolate. Homens, mulheres, não importa o sexo, o credo ou a cor. Importa o paladar e o desejo! Nesta época do ano, tudo ganha proporções exageradas. Por mais regenerado que o viciado possa parecer, não há como se conter diante de tanta apelação. No fim, esquece-se tudo, o porquê de estar se comendo um ovo, o porquê de comprar tanta coisa para um almoço de domingo, o porquê da obrigação de presentear, etc.
Dar e receber presentes é um ato de generosidade. Mas, nestes feriados estabelecidos por nosso calendário, o "agrado" passa a ser quase que uma obsessão! Comprar, comprar, comprar! Seja ovo de páscoa, seja bombons, seja o que for. E isso não faz o menor sentido para quem nem sabe o que está comemorando...
Assim sendo, a ressaca da páscoa é dura mas vai passar. Com um pouco de exercício, o alívio da culpa e a espera para o ano que vem. Com a promessa, obviamente, de comer menos chocolate. E o sentido real da Páscoa: será que algum dia vamos nos lembrar? Por isso, a ressaca da páscoa, nada mais é que a ausência de um significado para alma e a culpa do exagero, para o corpo.
Rennata Airoldi
São Paulo,
23/4/2003
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