Recentemente foi exibida na TV Globo a adaptação, em formato minissérie, do romance Os Maias, de Eça de Queirós. Dirigido por Luiz Fernando Carvalho e escrito por Maria Adelaide Amaral, o roteiro da minissérie contou com a inclusão de personagens e situações extraídas de outras obras do grande Eça, tais como A relíquia, sob o pretexto, segundo a autora, de que se "desse mais humor ao texto". Não que falte humor no romance original, apesar das palavras mal-explicadas da sra. Amaral, mas o humor que lá há dificilmente seria compreendido e assimilado pelo grande público; eram incontáveis piadas com o momento histórico único vivido na Europa (a injeção de ar fresco que representou o fim de um conservadorismo, consequência das revoluções republicanas da segunda metade do século XIX), com políticos e figuras históricas da época, e mesmo com os costumes e pessoas de um mundo que há muito só existe nos romances. Um humor aristocrático e refinado que dificilmente encontraria aceitação com o público, e mais dificilmente ainda seria atuado à altura pelos atores globais. Mas o pior é que não é que o recurso talvez até tenha mesmo funcionado? Os personagens retirados destas outras obras acabaram figurando entre os mais marcantes, como o falso-padre Teodorico (interpretado magistralmente por Mateus Nachtergaele) e sua beata Titi, e caíram nas graças dos poucos que acompanharam a série.
Vários problemas atrapalharam, no entanto, a audiência da série, apesar de sua fotografia e figurinos muito competentes, e da presença de vários figurões globais. Ao que parece, o diretor atrapalhou-se um pouco na montagem dos primeiros dois episódios, o que fez com que eles fossem ao ar incompletos, arrastados, sem o ritmo que a minissérie viria a adquirir posteriormente. Mas já era tarde, o público já tinha sido espantado. Pessoas de mais critério encontraram ainda outro problema: o da atuação. Problema inevitável, diga-se de passagem, porque primeiro, não dispomos de atores e atrizes de qualidade em tanto número no Brasil para que fosse feita uma minissérie só com eles, e segundo, os poucos que dispomos já têm uma certa idade, e um porte físico que não se encaixariam com os personagens principais da trama, jovens e belos. Então fomos obrigados a tolerar Fábio Assumpção como Carlos Eduardo da Maia, e Ana Paula Arósio, como Maria Eduarda. O resultado foi que, justamente nas partes em que eles dois contracenavam, que não foram poucas, era inevitável perder o interesse. Assim, a "história de amor" no livro já é melosa (preconceito meu) a ponto de quase se tornar cansativa após algumas páginas, tornou-se insuportável quando apresentada sob a máscara impenetrável do sr. Assumpção e as caretas chorosas de Mme. Arósio. Ainda bem que havia um grande número de "coadjuvantes" para salvar a obra, lutando constantemente contra a excessiva "caricaturização" dos personagens, no roteiro. Qualquer profundidade que os personagens fascinantes do romance possuíam foram impiedosamente limados por Maria Adelaide, que se esforçou por transformá-los em personagens de novelas. Mas ainda assim, os bons se salvaram: Walmor Chagas, excepcional, como o avô sisudo e irredutível de Carlos, Osmar Prado que realmente transformou-se no poeta Alencar e emocionou qualquer um provido de sensibilidade, Ewerthon de Castro, impecável no papel do eterno amigo da família, Villaça, e Selton Mello, que, contrariando todas as minhas expectativas (ainda não tinha visto O Auto da Compadecida), fez um João da Ega de tirar o chapéu. Faltaram papéis femininos de profundidade, e mesmo que houvessem, creio que faltaria atrizes para eles. A estreante Simone Spoladore nos deu um breve e encantador gostinho de sua presença como Maria Monforte, mas tão rápido quanto ela surgiu se foi, e voltamos a ficar sem ouvir falar dela. Já a veterana e antipática Marília Pêra submeteu-se ao ridículo de encarnar a mesma Monforte já velha, num final absolutamente inventado pela roteirista que comprometeu seriamente o final da minissérie. Colocar personagens de outras obras do Eça, sem que isso afete o tronco da trama, até vai... agora mudar o final? Não entendi o porquê, nem gostei do resultado final. Transformaram uma excelente, triste história de amor e frustração numa tola, histriônica e tragicômica historieta... tudo isso no último capítulo! O único comentário que me vinha era... "mas vocês estavam indo tão bem!!!" Ainda assim, faltam-me palavras para dizer o quanto esta minissérie se eleva acima da média de programação da TV brasileira... definitivamente foi um avanço e tanto, uma iniciativa louvável.
Quanto ao romance em si, para colocar de maneira bem simplificada, fala duma família aristocrata portuguesa, em meados do século passado, os Maias, que envolvem-se, em menos de três gerações, em situações peculiares que desgraçam dois membros de sua família; Carlos Eduardo da Maia e seu pai, Pedro da Maia. Pedro têm o desgosto de ver sua esposa, Maria Monforte, fugir com um aventureiro italiano levando sua filha - que eventualmente volta, desconhecendo sua própria identidade, escondida dela pela mãe, e acaba envolvendo-se com o irmão. Desnecessário dizer que, apesar deu meu canhestro resumo (que mais parece uma novela ruim escrita pelo Jerry Springer que uma obra literária do século dezenove), o livro é um romance belíssimo, fantástico, e inacreditavelmente bem-escrito; seu único defeito talvez seja aquele exagero nas descrições de pessoas, objetos e paisagens comum à boa parte dos romancistas (ouso dizer dos escritores em geral) contemporâneos do autor, e que atingiu seu ápice em Proust - que gastava páginas e páginas para descrever o que via quando acordava. Mas isso não chega a incomodar - antes, são características marcantes do autor e de sua época - e a beleza, a riqueza do estilo do autor, e a fantástica elegância dele (com a qual os portugueses até hoje utilizam os recursos da "última flor do Lácio", ao contrário de nós, presos ao arcaico e rude dialeto tupiniquim), cativam, tornando a leitura instigante e prazerosa, até para quem, como eu, cometeu a ousadia quase insana de ler uma versão do texto com a grafia original. Os Maias é, dentre as obras-primas do autor, a que mais permanece na cabeça do leitor após sua leitura, tamanha a empatia que seus personagens despertam. Vários deles nem mesmo foram mencionados na minissérie global, como os aristocráticos Steinbroken, Dom Diogo e o marquês de Souzella, ou o general Siqueira... alguns apareceram em "versões reduzidas", muitos foram malversados para a tela, como por exemplo o pulha bon-vivant do Dâmaso, que transformou-se num gordo antipático e trapalhão; o grande amigo de Carlos, o inglês fascinante Craft, que virou um apenas um sujeito educado e desajeitado, e o Cruges, representante de uma figura muito comum da época - o artista incompreendido, orgulhoso e cheio de spleen - transformou-se num bobalhão quase mudo na TV. Outros tiveram seus papéis aumentados, e exagerados, através de intervenções desastradas da roteirista, como o a condessa de Gouvarinho, amante de Carlos que se enfurece quando ele se envolve com a recém-chegada Maria Eduarda, transformada numa louca histérica pela vulgar (mas apetitosa) Eliane Giardini, que a certo ponto empunha uma arma contra o homem que a despreza (!), ou Castro Gomes, suposto "marido" que leva Maria Eduarda a Lisboa que, interpretado por Paulo Betti, transformou-se no vilão novelesco, chegando mesmo a estapear Ana Paulo Arósio (!!), que, desnecessário dizer, abre o berreiro como sempre. Mais novela das oito, impossível...
Abstenho-me de comentários mais profundos sobre a "trama" do livro, dada a minha incapacidade, e uma certa impossibilidade de fazê-lo sem comprometer a leitura de quem ainda não o leu; além do mais, talvez seja meio desnecessária uma "resenha" de um livro já tão consagrado.
O que nos espera...
Afigura-se cada vez mais assustadora a eleição presidencial do ano que vem; nenhum dos candidatos parece-me ter a mínima capacidade de governar nosso país de maneira satisfatória; ou mesmo de representá-lo no exterior com a elegância e a distinção que o atual presidente o faz em suas inúmeras viagens. Isso independentemente de minhas posições políticas, que são, admitidamente (e apesar dos pesares), pró-governista; não vejo nem mesmo no candidato do PSDB, José Serra, capacidade e carisma para ocupar um cargo que nunca esteve tão ameaçado pela oposição como agora. Seus oponentes, então... Deus do céu! Lula, Itamar ou qualquer um dos outros patetas que disputam literalmente a tapas o cargo põem em xeque todo o trabalho feito por Fernando Henrique durante seus mandatos, a pouca credibilidade conseguida perante os mercados externos e a frágil estabilidade da moeda. O sapo barbudo fala mesmo em "re-estatizar" algumas das empresas privatizadas, o que seria calamitoso em todos os sentidos. As críticas são vociferadas a torto e a direito, por qualquer um que se julgue no direito de falar mal do governo atual, por maior que seja o seu desconhecimento do assunto... fala-se com uma nostalgia, como se vivêssemos, antes da eleição do sr. Cardoso, num país esplêndido, onde tudo funcionava às mil maravilhas e não se tinha do que reclamar. O crime, é como se antes não houvesse! Lembro-me que quando pequeno se matava, em São Paulo, por um tênis! Sobre as privatizações então, os reclamões parecem não se lembrar da época em que éramos obrigados a ficar anos em filas de espera para conseguir uma mísera linha telefônica de péssima qualidade. Mesmo a questão da crise de energia, obviamente não é algo que possa ser creditado totalmente ao governo atual, é reflexo do descaso a que temos sido submetidos pelos diversos governos anteriores... e o Itamar, que visivelmente era incapaz de qualquer decisão própria, ser um dos candidatos com mais chance, é espantoso.. dificilmente consigo imaginar uma pessoa que mereça menos ser detentor do chamado "Poder Executivo" - tudo o que aconteceu em seu governo foi claramente decidido e executado por outros... a maior obra de seu governo foi tornar-se célebre mundo afora ao aparecer no Sambódromo ao lado de uma biscate sem-vergonha nem calcinha - e, ainda por cima feia como o demo! Lembro-me até hoje do sorriso de orelha a orelha que meu amigo americano Tom ostentava ao mostrar a foto desse senil senhor na Playboy americana.
Enfim, faltam alternativas. Sobram críticas desbocadas e opiniões desinformadas, todos se julgam no direito de contestar, do alto de seus desconhecimentos, passos cuidadosamente tomados por uma equipe de profissionais, pessoas que estudaram e trabalharam para estar lá, e não estão brincando. A oposição, em contrapartida, é que parece fazê-lo - veja qualquer passeata estudantil, comício do PT, carreata do MST, ou qualquer outra congregação de "barbudos do barulho", e lá estarão os baderneiros dando risada e mostrando-se pras câmeras de TV enquanto promovem tumulto e destruição. São eles, e nem sei se o desconfiam, o maior empecilho ao progresso de nosso país.
"Ele não sabe nada, e acha que sabe tudo. Isso aponta claramente para uma carreira na política."
George Bernard Shaw