O Pintor das Sombras | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

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Segunda-feira, 7/7/2003
O Pintor das Sombras
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 6100 Acessos

Austin Fraser, pintor nova-iorquino de 83 anos e personagem do romance O Pintor das Sombras, editado no Brasil pela Bertrand Brasil, tem memória eidética, ou seja, os fatos e as imagens que são gravados na sua mente de forma fotográfica são desprovidos de qualquer conteúdo afetivo.

No fim da vida, sua memória decide resgatar/cobrar do pintor um conjunto de emoções que deveriam ter sido vividas. Numa espécie de rememoração proustiana, o passado retorna involuntário para Fraser: "Embora não haja nada em mim que queira cortejar o passado, ele enche minha cabeça, entra na minha pintura. O toque-toque de minha bengala batendo no gelo é como o ruído que fazem as contas ao se chocarem num colar. É o som da memória que trabalha, criando um colar de narrativa".

É a reconstituição do colar de suas memórias que será a matéria do romance que lemos, fazendo o personagem Fraser voltar ao passado que a sua pintura captou, mas o seu coração negou. Um desses encontros é com Sara, uma mulher que lhe apareceu varrendo o chão no hotel em que se hospedara no passado. E como em todas as situações que vivera, este encontro lhe aparece como uma imagem a ser criada artisticamente... apenas. "Eu via a leve curva dos músculos na parte de cima do seu braço, imaginava a ponta afiada de um lápis de grafite captando o movimento, o gesto. Congelando-o".

Mesmo a captação destas imagens que se vão constituindo, assim como sua própria vida, são de alguma forma apagadas, ou melhor, deixando de ser miméticas - quando o pintor passa, ao abandonar a pintura figurativa, a criar de forma abstrata: "Amanhã começarei a fazer esboços para meu próximo quadro. Pintarei Sara (...). A seguir, cuidadosamente e esmeradamente, tirarei o realismo de tudo isso, apagarei as figuras".

Há, portanto, uma relação entre a mudança que se dá na transformação da forma artística (do figurativo ao abstrato) e a forma como o pintor passará a absorver as vivências do mundo.

Nesse sentido, algumas pistas são dadas, como, por exemplo, quando fala de sua mãe: "Minha mãe era uma pessoa incomum, sem o menor interesse pelos fatos". Ou quando comenta aspectos da infância: "a maioria das pessoas lembra-se apenas de fragmentos de qualquer dia particular de sua infância. (...) Os olhos maravilhados de uma criança vêem tudo, mas, quando a infância passa, grande parte do que viram se perde".

A pouca importância dada aos sentimentos aparece ainda numa outra referência à sua mãe: "Eu a amava. Lembro-me de que a amava. Acho que sim. Não, não tenho certeza". Este tipo de recordação incerta dominará toda a sua vida e todas as suas emoções serão vivenciadas a partir dessa impossibilidade de envolvimento total.

O romance aos poucos vai nos fazendo entender porque o universo dos sentimentos foi ressecando no coração de Fraser. Há uma total racionalização das perdas para o pintor. Ele encontra uma forma de explicá-las: "Há duas maneiras de perder as pessoas que compõem o tecido da nossa vida. Algumas vezes, a alteração é lenta, quase invisível, de modo que deixamos de notar durante anos que o outro foi embora há meia década. Outras vezes, a pessoa a quem nos ligamos muda de modo tão radical que é como se ele ou ela tivesse morrido e fosse substituído por uma pessoa inteiramente nova".

O que lhe restava era viver de forma absolutamente solitária, sem a complicação de envolvimentos de ordem afetiva com pessoas e/ou com situações provindas do mundo social. "Eu só me dava com o papel, com o lápis que estava em minha mão, com o emaranhado de linhas que captavam uma amostra de água cheia sob meus dedos, o contorno das bordas do rochedo. (...) O que me intrigou, em vez disso, foi como uma paisagem podia ter aspecto bem-tratado e desabitado ao mesmo tempo. Havia algo em mim naquele tempo, certo amor tanto pela solidão quanto pela ordem, que respondeu imediatamente ao que eu via".

No trecho acima fica claro o encontro entre a forma da pintura e a forma como seriam tratados os sentimentos interiores do artista. Na verdade, esta correspondência busca ser a tradução de algo certo: o esquecimento. Assim, dizia Fraser: "a menor coisa é capaz de nos enlouquecer, quando não conseguimos esquecê-la."

Não foi à toa que os críticos começaram a chamar as telas de Fraser de "Apagamentos". Sua arte e filosofia de vida, que apagam os conteúdos afetivos, são devedoras da influência de um dos seus professores, Robert Henri, que "falara-me sobre o valor da solidão, advertira-me de que não me deixasse desaparecer dentro de outras pessoas, permitindo que suas vozes ecoassem e poluíssem o pensamento original e claro. Instruíra-me para conter minhas reações, não manifestar meus sentimentos, exceto no papel ou na tela."

A conclusão desta prática de vida, onde o que importa é a expressão puramente visual, é dada pelo próprio Frazer: "nem a comunidade nem o afeto desempenhavam um papel significativo em minha vida". Tanto na vida como na arte, Fraser refinava sua prática: "Eu me tornava um mestre da seletividade. Era capaz de descartar, ao meu bel-prazer, os estímulos frívolos. (...) Não valia a pena empregar meu tempo em nada que não pudesse ser transformado em arte".

Esta educação visual, esta filosofia de vida, ia se compondo nas aulas com seu mestre: "Meu professor ensinou-nos a nos maravilharmos diante do mundo, mas ignorando completamente a reação do mundo".

Diferente de um pintor como Gustave Courbet, que só pintava modelos que conhecia sexualmente, Fraser dizia que "entre artista e modelo deve haver uma distância". Mesmo quando a modelo fosse sua companheira, esta deveria ser brutalmente transformada em objeto visual: "Quando eu estava em Nova York, Sara se tornava uma série de formas sobre uma superfície plana; seu corpo, uma composição que se adaptava a um retângulo; sua pele e o cabelo, gradações de cor. Tornava-se meu trabalho e, quando o trabalho estava concluído, eu a perdia completamente de vista, voltado apenas para minha ambição. Vez por outra, mas raramente, mesmo quando estávamos juntos, as coisas se passavam dessa forma - a cama era uma grande tela branca, eu manipulava o espaço positivo, o negativo, e prevalecia sempre, fixo em minha mente, um quadro terminado, vendável. Mas, com maior freqüência, ela não permitia que isso acontecesse, recusando-se a posar ou até a ficar no quarto, quando sentia que vinha à tona esse outro lado meu".

O romance de Jane Urquhart, construído através de belíssimas descrições realistas, nos fala desse clima de redenção a que se submeterá a vida do já velho pintor das sombras. Ao revelar os mecanismos de sua arte, desvelará também os mecanismo de defesa que usou contra o mundo. Descobrirá que o que pensava estar morto apenas havia se escondido sob a superfície, numa espessa sombra, mas não se apagou. Será o despertar da consciência daquele que congelou a imagem, mas não matou sua força única, subterrânea e afetiva.

Para ir além





Jardel Dias Cavalcanti
Campinas, 7/7/2003

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