Estado de Sítio, de Albert Camus | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

busca | avançada
84294 visitas/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Cia Truks comemora 35 anos com Serei Sereia?, peça inédita sobre inclusão e acessibilidade
>>> Lançamento do livro Escorreguei, mas não cai! Aprendi, traz 31 cases de comunicação intergeracional
>>> “A Descoberta de Orfeu” viabiliza roteiro para filme sobre Breno Mello
>>> Exposição Negra Arte Sacra celebra 75 Anos de resistência e cultura no Axé Ilê Obá
>>> Com Patricya Travassos e Eduardo Moscovis, “DUETOS, A Comédia de Peter Quilter” volta ao RJ
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
Colunistas
Últimos Posts
>>> Lygia Maria sobre a liberdade de expressão (2025)
>>> Brasil atualmente é espécie de experimento social
>>> Filha de Elon Musk vem a público (2025)
>>> Pedro Doria sobre a pena da cabelereira
>>> William Waack sobre o recuo do STF
>>> O concerto para dois pianos de Poulenc
>>> Professor HOC sobre o cessar-fogo (2025)
>>> Suicide Blonde (1997)
>>> Love In An Elevator (1997)
>>> Ratamahatta (1996)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O nome da Roza
>>> Máfia do Dendê
>>> Internet e Classe C
>>> Gramado e a ausência de favoritismo
>>> Mamãe cata-piolho
>>> A arte da ficção de David Lodge
>>> Do maior e do melhor
>>> O livro digital Toy Story para iPad: revolução?
>>> Cognição Estética contra o Logos (Parte I)
>>> Algumas leituras marcantes de 2008
Mais Recentes
>>> O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas pela Principis (2021)
>>> Direito Administrativo Moderno de Odete Medauar pela Editora Revista Dos Tribunais (2008)
>>> O acerto das contas de Libencii José Mundim pela Do autor (2015)
>>> Livro Manufacturing Consent de Edward S. Herman, Noam Chomsky pela Pantheon (2002)
>>> Livro Comportamento Do Consumidor E Pesquisa De Mercado Série Marketing de Roberto Meireles Pinheiro; Outros pela Fgv (2004)
>>> Paris Capital Da Modernidade de David Harvey pela Boitempo Editorial (2015)
>>> Bíblia em Ação de Sergio Cariello pela Geográfica (2012)
>>> Manual de Direito Penal de Julio Fabbrini Mirabete pela Atlas (2002)
>>> Cristianismo E Socialismo de Varios Autores pela Vozes (1977)
>>> Livro Gestão De Vendas Série Marketing de Elson Teixeira; Outros pela Fgv (2004)
>>> Livro Anjos E Demônios de Dan Brown pela Sextante (2005)
>>> Eu Não Nasci Mãe de Lua Barros pela Companhia Editora Nacional (2020)
>>> 1981: Como Um Craque Idolatrado, Um Time Fant¿stico E Uma Torcida Inigual¿vel Fizeram O Flamengo Ganhar Tantos T¿tulos E de André Rocha pela Maquinária (2011)
>>> Bíblia em Ação de Sérgio Cariello pela Geográfica (2017)
>>> Profissão Educador Social de Mercé Romans pela Artmed (2003)
>>> Coleção percy jackson e os olimpianos 5 volumes de Rick Riordan pela Intrinseca (2010)
>>> Livro Tarô A Sorte Pelas Cartas Coleção Astral de Arthur Edward Waite pela Ediouro (1985)
>>> Obras E Vidas: O Antropólogo Como Autor de Clifford Geertz pela Ufrj (2018)
>>> Authentic Games: Vivendo Uma Vida Autentica de Authentic Games pela Astral Cultural (2016)
>>> Livro A Guerra De Trincheiras O Fim Do Avanço Dos Exércitos de Varios Autores pela Folha de S. Paulo (2014)
>>> The Magic Of Reality de Richard Dawkins pela Free Press (2011)
>>> Uma Igreja Para O Próximo Milênio de Fr. Clodovis Boff pela Paulus (1998)
>>> Sherlock Holmes - O Signo dos Quatro de Sir Arthur Conan Doyle pela Camelot Editora (2021)
>>> Tudo Sobre A Wicca Do Amor de Tabatha Jennings pela Madras (2003)
>>> Enquanto Houver Vida Viverei de Júlio Emílio Braz pela Ftd (1998)
COLUNAS

Quinta-feira, 4/9/2003
Estado de Sítio, de Albert Camus
Ricardo de Mattos
+ de 23400 Acessos



O Governador lhes é grato. Nada é bom quando é novo.

[Imagem elaborada por Alessandro Silva, colunista do Digestivo Cultural, especialmente para acompanhar esta Coluna]

A chave histórica para compreensão de Estado de Sítio, de Albert Camus, está principalmente na turbulência espanhola durante a primeira metade do século XX. Os distúrbios em Espanha começaram durante o reinado de Afonso XIII. O exército enviado ao Marrocos a fim de garantir o controle espanhol estava insatisfeito e cumulado a isto, a Catalunha exigia maior autonomia administrativa, pleiteando com violência o que não obteve mediante reivindicações. Tal a ordem de confrontos ocorridos na principal cidade catalã, Barcelona, que o capitão Miguel Primo de Rivera lá estabeleceu uma ditadura regional com beneplácitos régio e popular. A república de Espanha foi proclamada em 1.931 e, se mantida por um regime liberal moderado, recebeu ataques de extremistas de esquerda e de direita. Uma frente popular alcançou o domínio em 1.936, secundada meses depois pelo golpe militar de Francisco Franco. Toda esta instabilidade acabou servindo de cortina para o movimento. O general invadiu a Espanha liderando aquela parcela do exército encontrada em terras marroquinas. A famosa guerra civil (1.936/9) é fruto desta invasão, dividindo-se o campo de batalha entre nacionalistas – partidários do Exército – e lealistas – partidários do governo republicano – até a victória final dos primeiros representada pela tomada de Madrid. Franco estabeleceu sua ditadura com o apoio do partido fascista espanhol – a Falange –, do Exército, da Igreja Católica e de uma população exausta da luta interna. “Mais vale uma boa conciliação que uma vitória sobre escombros”.

George Orwell e Hemingway lutaram a favor dos republicanos. Do primeiro, a experiência resultou no Lutando na Espanha e um de seus mais famosos, A Revolução dos Bichos, é irmão do espetáculo de Camus. Pena ele não ter conhecido a minha Cigana, senão fatalmente ter-lhe-ia arranjado uma colocação na Granja do Solar. Ela seria uma espécie de eminência parda, e muitas vezes a autoridade constituída é uma mera porta-voz destas figuras. Não se deve deixar de ler também, com o cuidado de não misturar demais, O Crocodilo de Dostoievski.

O cunho político é claro. O espetáculo todo prima pela clareza, não havendo motivos para temer o autor. Há representação dos horrores da Segunda Grande Guerra, como a obrigatoriedade de se usar uma estrela negra na porta das casas das pessoas contaminadas, remetendo directamente à estrela de David de uso exigido aos judeus e a menção à necessidade da concentração de prisioneiros. Porém esta representação é mais afeita ao romance A Peste lançado no ano anterior que à peça pois aqui a crítica de Camus teve por alvo específico o regime em vigor na Espanha após a guerra civil e genérico os governos autoritários.

A estreia da peça deu-se no dia 27 de outubro de 1.948. O espetáculo foi dedicado ao actor francês de cinema e teatro Jean-Louis Barrault (1.901/1.994), sendo ele mesmo o director teatral e o primeiro Diego. Lembro-me de dois de seus filmes, não os principais contudo: Si Versailles M'Etait Conte (1.954) e Le Testament du Docteur Cordelier (1.959). A trama desenrola-se na cidade espanhola de Cádiz e inicia-se com a passagem d’um cometa, símbolo de futuras tragédias. Junto a Diego, os personagens são Vitória, o Juiz seu pai, a Peste, sua secretária (a Morte), o bêbado Nada, o governador, vários alcaides e inúmeros secundários, além do coro. De acordo com o teor das falas todas dos personagens ligados ao governo, parece não ser despropósito afirmar a existência do personagem Governo, ou Estado, d’um polvo do qual eles seriam os tentáculos.

A música incidental tocou ao compositor francês de ascendência suíça Arthur Honegger (1.892/1.955), cujas peças tinham temas ou inspirações inéditas como o rúgbi ou uma locomotiva. Suas concepções parecem ter calhado para o ideal de Camus: atente-se às constantes notas sobre os sons anteriores a certas cenas, como a passagem do cometa ou o alvoroço final da primeira parte. Por fim, o cenário e o figurino couberam a Balthus (1.908/2.002), pintor conhecido sobretudo pelas cativantes cenas íntimas e de cuja obra faz muita falta um álbum. Tenho particular apreço por estas aproximações entre as artes.

Apesar de todo o aparato, causou pouca impressão e foi mal acolhida pela crítica. O fracasso inicial talvez seja devido ao perceptível entusiasmo de Camus diante do tema. A espontaneidade afastou o refinamento esperado do autor d’A Peste, sendo exemplares a última convocação do coro – “vamos gritar pelo deserto” – e o último pronunciamento da Peste – personagem – ao final da primeira parte. Deveras, pode ser encontrada uma série de lugares-comuns, frases de efeitos e aforismos. São dignas de menção a discussão entre Victória, seus pais e Diego na segunda parte, e a outra entre Diego e a Peste na terceira. Na segunda discussão, o realismo com vislumbres de cinismo fala através da Peste, e Diego representa aquele idealismo inicialmente fraco e que se reforça e altera o regime em vigor. No Brasil, menciono como exemplo o abolicionismo.

Uma epidemia qualquer aflige os habitantes de Cádiz – escolha não desacompanhada de crítica. É uma doença como poderia ser qualquer outro fenómeno externo – ou interno, mas a atacar de fora –, imprevisível e forte. A imprevisão decorre da ausência de um raciocínio político a longo prazo e tem por conseqüências tanto o despreparo diante do novo quanto o recrudescimento do autoritarismo. O despreparo leva a encobrir o problema: esconde-se o irresolúvel. Elevar o grau do autoritarismo é a velha prática do ataque como melhor defesa. O povo deve esquecer a passagem do cometa e quem insistir em lembrar será punido. “A vontade do governador é que nada aconteça em seu governo e que tudo continue bem, como sempre foi”. Não se fuja do hábito, pois novos factos e novas ideias trazem consigo a necessidade de novas explicações. Se as explicações oficiais forem erróneas ou falsas, podem ser corrigidas ou desmentidas, levando daí ao questionamento e provável enfraquecimento da autoridade, ao descrédito e à desobediência. Revela fundamentos frágeis a autoridade que não admite ser questionada. Quando o governo recorre à agressão, a Força, uma virtude governamental, é confundida com seu vício oposto, a fraqueza. Um povo crédulo – e a credulidade em si não é falha estatal – entretanto, facilita muito a permanência deste status. Provavelmente a personificação da Peste sirva, n’um primeiro momento, para demonstrar o comportamento do Governo diante do cúmulo a que se pode chegar com este quadro de desordem.

Outra derivação do recrudescimento do autoritarismo, segundo quer mostrar-nos Camus, é o cultivo de leis e de formalidades. Muitas, obscuras e contraditórias leis e formalidades escudam o arbítrio, tornando difícil sua prova. Nada agrada mais um funcionário público que um procedimento com começo, meio e fim, esconda o que esconder. “No caso de dúvida, recorra-se a quem de direito". O prejudicado muitas vezes prefere resignar-se. Por isso aquele fechar de portas no espetáculo, ainda na primeira parte. O diálogo entre a secretária e um pescador, na segunda parte, atinge o caricato.

Para ir além





Ricardo de Mattos
Taubaté, 4/9/2003

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Marçal Aquino: o Rei do Clima de Rennata Airoldi
02. Curtas e Grossas de Sergio Faria


Mais Ricardo de Mattos
Mais Acessadas de Ricardo de Mattos em 2003
01. Da Poesia Na Música de Vivaldi - 6/2/2003
02. Poesia, Crônica, Conto e Charge - 13/11/2003
03. Da Biografia de Lima Barreto - 26/6/2003
04. Stabat Mater, de Giovanni Battista Pergolesi - 27/11/2003
05. Estado de Sítio, de Albert Camus - 4/9/2003


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A coleira do cão
Rubem Fonseca
Olive editor
(1969)



Teatro 1
Oduvaldo Vianna Filho
Ilha
(1981)



O Médico e o Monstro
Robert Louis Stevenson
Ftd



Português - 6ª Ano - Araribá Plus
Mônica Franco Jacintho
Moderna
(2018)



As idéias de Freud
Richard Wollheim
Círculo do livro
(1971)



Corpo Fechado
Robson Pinheiro
Casa Dos Espíritos
(2009)



O Primo Basílio
Eça De Queirós
Klick



Cruces de Miradas: Nuevas Aproximaciones al Libro-Álbum
Teresa Colomer. Bettina Kummerling-Meibauer Y Maria Cecilia Silva-Diaz
Banco del Libro / Gretel
(2010)



Dicionário Histórico Das Ordens Institutos Religiosos E Outras Formas De Vida Consagrada Católica Em Portugal
José Eduardo Franco
Gradiva
(2010)



Dicionario de expressões idiomaticas americanas
Luiz l. Gomes
Pioneira
(1990)





busca | avançada
84294 visitas/dia
2,5 milhões/mês