COLUNAS
Segunda-feira,
15/9/2003
Patrícia Melo mergulha no ciúme e na loucura
Nanda Rovere
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Valsa Negra é o quinto romance da escritora Patrícia Melo, que também é
dramaturga e roteirista de cinema e televisão.
Patrícia lançou o seu
primeiro livro, Acqua Toffana, em 1994. Depois vieram O Matador (1995), que
recebeu os prêmios Deux Océans e Deutch Krimi, O Elogio da Mentira (1998) e
Inferno (2001), contemplado com o prêmio Jabuti.
Quem nunca sentiu
ciúmes? Desconfiou do ser amado? Quantas pessoas não estragam a sua vida por
causa de um amor? Este é basicamente o assunto do deste Valsa Negra. Ele retrata
o drama psicológico de um homem, possessivo, obsessivo, que perde o amor de
sua vida por não conseguir controlar o ciúme.
O protagonista (seu nome
nunca é citado) é um maestro de prestigio, casado com Marie, uma violinista
de sua orquestra; cerca de trinta anos mais jovem, rica e judia. Eles vivem
no apartamento dos pais da musicista, no bairro paulistano de
Higienópolis.
O autoritarismo do maestro é revelado no seu tratamento
com a orquestra, gritando com os músicos e os colocando em situação
constrangedora diante dos colegas; mas está presente principalmente no seu
relacionamento com Marie.
A origem judia de Marie é o principal motivo
da insegurança do maestro. Em várias cenas do livro, ele se vê em situações
em que a origem judia de sua mulher o incomoda. Na casa de Marie, por
exemplo, ele tem dificuldades que o levam a acreditar que é
rejeitado por não pertencer à cultura judaica.
O maestro entra num estado de loucura tão grande que acredita que a mulher
tem um amante e que possivelmente esse amante é um músico israelense. Começa
a procurar provas de uma possível traição nos objetos pessoais de
Marie, lê fervorosamente os seus grifos nos textos sobre Israel que ela
guarda; chega até a grampear o telefone das casas dos pais de Marie (quando
ela o deixa), em busca de alguma pista que o leve ao amante da esposa. Paga
a empregada para vigiar todos os seus passos e fica apreensivo diante de
qualquer homem que se aproxima de Marie, enxergando numa simples amizade,
resquícios de traição.
Obviamente a obsessão do maestro acaba por
distanciá-lo da esposa. Na verdade, o protagonista vive tão centrado no seu
mundo que não consegue se relacionar bem com ninguém. Povoam a sua vida: a filha Eduarda com a qual
ele não consegue estabelecer um relacionamento profundo; Tereza - sua
ex-mulher, que ele deixou para viver com Marie; Adriana - secretária;
Rachel - amiga e vizinha; entre outros.
Logo no início do livro, o
maestro já expressa todo o seu ciúme e, num ritmo frenético, este vai dominando a
sua vida, a sua conduta. Ele tenta se conter, mas não consegue. Vai ao
psiquiatra, começa um tratamento, mas a sua doença (transtorno obsessivo
compulsivo - TOC) vai evoluindo cada vez mais. Tudo com muito sexo e
palavrão.
A vida doentia de uma metrópole como São Paulo se funde com
as angústias do protagonista. Tanto que ele sente fortes odores por
toda parte, a ponto de cheirar cânfora para poder respirar. Valsa Negra é
a valsa do ciúme, do tormento, da doença e, sobretudo, da falta de controle,
pois o maestro não quer agir dessa maneira, mas não consegue se
controlar.
A morte está presente na sua vida (ele não vê mais graça em
nada), pois a obstinação pelo ser amado acaba o transformando numa pessoa
egoísta, alheia ao mundo que o cerca e centrado
somente nos passos de Marie, numa perseguição doentia e trágica! A todo
momento o leitor fica apreensivo com a possibilidade do maestro matar a
esposa, os supostos amantes ou então se matar.
Certamente, um dos momentos
mais interessantes é quando o maestro vai até Israel a procura de Marie,
assim que a mesma o abandona definitivamente. Nessa viagem, o conflito do
Oriente Médio, que até então serviu como pano de fundo para o
desenvolvimento da trama, fica em evidência. A obstinação do maestro por
Marie faz ele perder totalmente o seu amor-próprio, a sua dignidade...
Patrícia
trata em seu livro de problemas que todos nós podemos enfrentar em nossas
vidas e, certamente por isso, consegue prender a atenção do
leitor.
Sobre a literatura de Patrícia Melo
Procuro não julgar demasiadamente uma obra artística, pois
acredito que cada pessoa tem uma opinião, uma preferência e isso deve ser
respeitado. Obviamente, existe muita coisa ruim no cinema, na TV, no teatro
na literatura, etc, mas esse não é o caso de Valsa Negra.
Patrícia Melo
se diz influenciada pelas obras de Rubem Fonseca, o qual é uma espécie de padrinho literário. Provavelmente isso a ajudou a obter espaço no
mercado editorial e divulgação na mídia. Mas no decorrer da sua trajetória
profissional ela tem conquistado o gosto de muitos leitores no Brasil e
exterior e ganhou prêmios; é uma das escritoras mais importantes da
atualidade e tenho a impressão que ela procura realizar um trabalho
sério.
Para escrever Valsa Negra, a escritora fez pesquisa de campo.
Assistiu aos ensaios da OSESP - Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo,
para entender um pouco sobre música clássica e o ambiente em que vivem os
músicos de uma orquestra.
Os críticos disseram que este livro é o menos
cinematográfico da escritora. De qualquer maneira, os diálogos são ágeis e
a narrativa, em primeira pessoa, flui com razoável
fluidez.
Sinceramente, não é o meu estilo literário preferido. O
enredo, no entanto, me agradou, tanto que devorei as páginas do livro num
só dia. Não discute nenhum assunto em profundidade. Deve ser lido sem muita
expectativa.
Para quem deseja conhecer um pouco
do trabalho da escritora e gosta de cinema, vale dizer que está em cartaz o
filme O Homem do Ano. Baseado no livro O Matador, com direção de José
Henrique Fonseca e Murilo Benício no elenco, conta a trajetória de um
vendedor de carros usados desempregado que vira assassino profissional.
Para ir além
Nanda Rovere
São Paulo,
15/9/2003
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