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Quinta-feira,
9/10/2003
Meus Livros
Spacca
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Em primeiro lugar, quero agradecer ao Julio por esta tarefa. É como tirar uma tarde de folga (como se eu tivesse tardes de folga) para mexer em uma gaveta cheia de lembranças e colocar a cabeça e a vida em ordem.
Vamos ao enunciado: "livros que influenciaram minha formação"... Dificilmente terei lido um livro por puro lazer, sem que de alguma forma estivesse ligado à minha profissão ou a algum hobby sério. Mesmo livros de ficção apaixonantes, lidos por um desenhista de quadrinhos como eu, viram exercícios de criação de roteiro e personagem.
Mas começo a lista pelo prosaico "Novo Dicionário Ilustrado Lello", edição de 1957, que alegrou a minha infância. O que me encantavam eram as ilustrações antigas em clichê (só traço, como um carimbo) e os painéis em que o desenhista ilustrava algum campo do conhecimento, todos os animais da África ou armas e armaduras medievais. Descobri depois que o Lello republicava ilustrações do Petit Larrousse, a maioria do início do século 20.
Na mesma linha enciclopédica, vem a coleção "Os Bichos" que a Editora Abril lançou em 1970, colecionada avidamente por mim e por meu pai. Diversos outros livros e coleções de informação geral foram minhas leituras favoritas na infância.
Lá pelos 4 anos de idade, ganhei uma coleção completa de Monteiro Lobato (um autor enciclopédico) que só fui ler dos 7 aos 10. Destes, escolho "A Chave do Tamanho", o mais original e sombrio da série, repleto da amargura de um Lobato desencantado com o Brasil, cansado de procurar petróleo e de ter sido preso por isso, e também por ter perdido o seu filho Edgard. Sua vingança: faz a Emília reduzir a altura da humanidade em plena Segunda Guerra Mundial e, matança por matança, a deixa à mercê de gatos, cães e passarinhos famintos.
Já foram três. Na adolescência, fiquei muito intrigado com "O Estranho Caso de Dr. Jeckyll e Mr. Hyde", ou "O Médico e o Monstro" de R.L.Stevenson. A separação do homem em duas metades, uma puramente boa e outra puramente má - como seria um homem 100% mau? Dante Alighieri não conseguiu imaginar um inferno com mais horrores do que já existiam na Terra. A moral teria base química? Este livro desencadeou em mim uma busca psicológica que passou por Jung, Freud e ainda rende frutos.
Outro interessante nessa mesma vereda é "Os Quatro Gigantes da Alma", do psicólogo Emílio Myra Y Lopes. Behaviorista e psicólogo da nossa Seleção de Futebol em 1966, Myra Y Lopes utiliza a metáfora dos Quatro Gigantes para discorrer sobre a experiência humana do Medo, da Ira, do Amor e do Dever.
Mais um livro fantástico para quem curte psicologia é uma ficção científica do mesmo autor de "Blade Runner": "Clãs da Lua Alfa", Philip K. Dick. A Lua Alfa teria sido uma espécie um manicômio galático. Isolados da Terra por 20 anos devido a uma guerra interespacial, os pacientes se rebelam e se agrupam em clãs, cada um especializado em uma atividade segundo seu distúrbio característico (os maníacos são inventores, os paranóicos cuidam da defesa etc).
A obra musical de Chico Buarque exerceu um impacto muito forte na minha formação artística e política (e como se sabe, na década de setenta essas duas dimensões eram inseparáveis). Por isso, incluo na minha lista "Desenho Mágico - Poesia e Política em Chico Buarque", de Adélia Bezerra de Meneses. Foi o primeiro livro que amei a ponto de rabiscá-lo de ponta a ponta. Chico se misturou, como artista e modelo, à minha carreira nascente de chargista político, no final do regime militar.
"Memórias de um Cucaracha", do Henfil, fez mais explicitamente o papel de mentor do jovem cartunista. Também devorei, ruminei, digeri e, enfim, devolvi ao ambiente o que não virou parte parte de mim.
Mas os livros que ainda gosto são de outras áreas fora do desenho, de que tirei lições quase universais. "A Preparação do Ator", de Constantin Stanislawski, ficou rolando em casa por uns tempos e deixou marcas profundas. Trata-se de um livro adotado pelo Actor's Studio, manual que explica em forma de romance a técnica interpretativa seguida por Marlon Brando, Paul Newmann, De Niro e outros artistas de interpretaçao naturalista. Resumidamente, o truque é, em vez de repetir gestos e expressões memorizados, o ator se conscientiza dos motivos do personagem e deixa-se conduzir naturalmente pelas emoções pertinentes ao papel. Encontro aplicações disto fora do teatro (no ensino, por exemplo).
Estudei Astrologia por alguns anos, e esse assunto costuma vir imerso em um pacote de opiniões esotéricas e alternativas, entre elas uma birra tremenda por alguma coisa rotulada de "racionalismo cartesiano". De tanto meterem o pau em Descartes, li os textos deste e outros filósofos e me apaixonei. Por "culpa" da Astrologia, estudei Filosofia por alguns pares de anos, e cito para marcar o período a "História da Filosofia Ocidental", do Bertrand Russell. É um livro fácil e elegante como o autor.
Ops, deu dez. Como eu temia, cometi umas 40 injustiças. Nem deu para falar de amores recentes como S. Hayakawa, "A Linguagem no Pensamento e na Ação" e Malcom Glasgow, "O Ponto de Desequilíbrio"; e Nelson Palma Travassos, Eça, Machado, Joâo Felício dos Santos...
Spacca
São Paulo,
9/10/2003
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