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Segunda-feira,
17/11/2003
Temporada de Gripe
Rennata Airoldi
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A vida tem das suas e, por isso mesmo, é tão surpreendente. Como diz o velho ditado: "Cada louco com a sua mania". Neuroses e buscas agitam nossas mentes e nos colocam também em caminhos tortuosos. Quando a vida parece um barco sem rumo, o acaso nos coloca, frente a frente, com novas pessoas, novos acontecimentos e, conseqüentemente, novos rumos. Situações que surgem para nos salvar, nos redimir ou nos derrotar. Não importa, tudo é necessário. Agir ou deixar-se levar? Livre arbítrio?
Neste momento me pergunto porque estas questões estão brotando. O que tudo isso tem (ou não) a ver com a peça que acabo de assistir? Não sei dizer ao certo, com palavras precisas, mas essa obra despertou em mim um "olhar". De certa forma, me deslocou de um estado apático e cotidiano; me transformou e me trouxe uma inquietação boa. Será que eu me fiz entender?
A peça Temporada de Gripe, de Will Eno, começa de maneira estranha. Fria e calculista. Como se fosse invadir uma mente no meio de um raciocínio. Estranha é sensação que causa no espectador. A certeza de que estamos sendo assistidos, vigiados.
Tudo começa com personagens nada comuns: Prólogo e Epílogo. Duas energias díspares e complementares, que assistem à ação cênica e nos (re)contam tudo aos poucos, revelando o enredo. Não são, entretanto, passivos diante daquilo que vêem, ouvem e sentem. Criticam, concordam e discordam. Transformam-se perante as atitudes de dois outros personagens: a Mulher e o Homem. Que mulher e que homem? Ora, qualquer um de nós...
Esses últimos, cada um por um motivo diferente, estão em um hospital psiquiátrico, em pleno tratamento. Assistidos por um médico e por uma enfermeira que, ironicamente, acabam fazendo muito mais uma auto-análise do que tratando os pacientes. Encontram, um no outro, a cura e a destruição. A inevitável aproximação entre os sexos gera o desconforto e a paixão. Dessa paixão vem um filho e, da falta de coragem, uma perda.
Toda a ação acontece numa longa temporada de inverno, numa clausura quase involuntária. E o espectador se torna um "voyer", à medida que é conduzido pelos "narradores" dessa história, sendo convidado a assistir esse "parêntese" de vida.
A semelhança com a realidade é ainda mais forte, pois esse hospital, essa clausura está presente fisicamente. A cenografia desenvolvida por Daniela Thomas é incrível. A riqueza de detalhes, a utilização dos elementos cênicos faz com que nada sobre ou falte. É frio e funcional, como qualquer hospital.
Essa riqueza está contida em todos os outros aspectos: luz, sonoplastia, figurino, etc. É fundamental ressaltar a qualidade da obra como um todo; a unidade conquistada a partir do texto de Will Eno e da direção de Felipe Hirsch. Tudo isso, é claro, reflete-se diretamente no trabalho dos atores, que é primoroso.
É muito bom ser surpreendida diante de uma peça tão bem realizada, e que, ao mesmo tempo, faz pensar. Pensar sobre a simplicidade contida naquilo que há de mais singelo: um olhar, um cheiro, um encontro, um silêncio. Outro aspecto importante é que uma obra de qualidade como essa está acessível a todos, uma vez que as apresentações são gratuitas.
Para ir além
Temporada de Gripe está em cartaz no Teatro Popular do Sesi, que fica na Avenida Paulista, nº 1313. De sexta a domingo, às 18hrs., até o dia 7 de dezembro. Basta retirar o ingresso com uma hora de antecedência.
Rennata Airoldi
São Paulo,
17/11/2003
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