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Quinta-feira, 18/12/2003
Descobertas responsáveis
Ana Elisa Ribeiro
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Alimento, todos os dias, os cães que moram no quintal de casa. Às seis da tarde eles começam a se agitar. Às sete estão famintos, latindo de um jeito que parece mesmo um pedido. E apareço com os vasilhames nas mãos, observo a reação dos cachorros com carinho. Latem, pulam, abanam seus rabos de maneira peculiar, quase sorriem. São cães pequenos, de pêlo curto, escuros e mansos. Vivem comigo há anos e não me dão trabalho maior do que prover-lhes de comida às sete da noite.

Comprei meu primeiro carro aos 25 anos. Era um Volkswagen verde, a gasolina, muito bravo e resistente. Motor bom, troquei o óleo algumas vezes, fiquei com ele por três anos inteiros, sem qualquer transtorno. Talvez tenha ganhado uns dois arranhões de chave ou ilhós de calça jeans. Furou o pneu duas vezes na rua. Nunca ficou sem combustível. Jamais colidiu com outro veículo, ou com poste, meio-fio, pessoa. Teve o espelho do retrovisor externo direito roubado, mas logo reposto. Quase anfíbio, passou por tempestades e enxurradas terríveis. Viajou pouco. Circulou muito pela cidade. Sem seguro. Apenas uma multa por estar parado em estacionamento regulamentado. Transportou meus amigos, parentes, cachorros e livros. Não deu maior trabalho do que lavá-lo aos domingos e trocar umas peças desgastadas, como o escapamento furado e umas mangueiras dentro do capô.

Meu computador foi comprado em dólar, com uns dinheiros que recebi quando fazia traduções para uma produtora de séries de tevê nos Estados Unidos. Não era nenhuma máquina potentíssima, mas resolveu meus problemas com trabalhos da faculdade e produções para os amigos. Junto com ele vieram a impressora e as caixinhas de som. Mais tarde, agreguei à máquina uma gravadora de CD e um microfone. Nunca perdi trabalhos com ele, nem estraguei CDs ou ele parou de funcionar de repente. Concluí livros e dissertações naquele PC e mantenho com ele certa relação de confiança. Embora eu pense em atualizá-lo e torná-lo mais potente, não considero que me tenha dado trabalho.

Aos quase 30 anos, essas foram minhas principais responsabilidades com seres e objetos. Exceto pelo carinho distante pelos namorados que tive e pelos familiares que amo, jamais me responsabilizei pela alimentação de alguém, ou por seu bem-estar, ou por sua higiene. Não tive, ainda, a sensação de que meus cuidados são imprescindíveis e tenho tratado com pessoas absolutamente capazes de cumprir todas as tarefas sozinhas. Meus pais são ainda jovens e saudáveis, assim como meus irmãos. Meus amigos estão bem. E vejo, agora, como terei o que aprender com meu filho, que nascerá absurdamente meu, como jamais alguém foi antes. Assim como dependerá de meu olhar atento, meu leite, meu colo, minha disciplina de mãe aprendiz. Também ele dependerá do pai, que estará em paz, cumprindo os tratados que um pai faz com o filho. Pela primeira vez, experimentarei horrores e prazeres de prover alguém de vida, além de descobrir, com certa surpresa, que não sabia, ainda, o que era amor.

Conto I
ele me pergunta se eu fiquei triste. [um segundo depois] ele me pergunta por que eu fiquei triste [então ele afirma que fiquei triste] dois segundos depois ele explica que fiquei assim, séria de repente. diz que aquilo não cabia no resto da noite. [enquanto isso, eu dirijo o carro dele, sinto a direção macia, ouço jazz contemporâneo, wichita lineman] ele quer saber, de novo, por que fiquei triste. [desço uma rua imensa só para mostrar pra ele como se vai à minha casa, porque eu quero mesmo que ele aprenda o caminho mais curto para chegar até mim]. dou as dicas. na verdade, acho que ele sabe que fiquei triste porque quando chegar ao portão de casa, ele irá embora. ele quer saber por que fiquei triste de repente, se há dez minutos eu estava eufórica, tomando vodca com coca-cola, num bar da madrugada da capital. [não combina, penso] ele quer saber, mas eu digo: é que a noite vai acabar. [ele ainda não se contenta, porque ele sabe o quanto é meu personagem preferido] E você vai embora, e não terei mais a sua companhia, arrisco. [ele sorri por dentro, e eu vejo] ele diz que já sabia [Eu sabia que era isso]. Mas eu não acho arrogante, insolente ou pretensioso. Porque ele é leve. E eu pergunto: Então pra quê me fez dizer, se já sabia? E ele perfura: Você nunca quis ouvir coisas que já sabe? [Sim, eu quis. E eu quis viver coisas que já sabia que queria. E também tenho querido viver coisas que já vivi, para repeti-las todos os dias, quando elas me parecem extremamente boas e especiais]. A rua vai chegando ao fim, volto a música ao começo, mas o tempo não me dá chance alguma. O portão da minha casa exibe o final da trilha. Devolvo a ele a direção do carro. Choro dois tchaus magoados de cima do meu coturno médio. [A rua é erma] [Eu fico erma também]. Você querendo, a gente sai amanhã, ele me desanuvia. Amanhece dali a uma hora e meia. E minha tristeza é infinita, porque todos os dias irão acabar na porta da minha casa. [Eu durmo erma, querendo dizer o que ele já sabe]

Conto II
quando daniel veio, eu era ainda uma criança voraz. nem cheguei a fazer tudo o que podia. eduardo me conheceu num intervalo entre o nada e o porra nenhuma, talvez por isso tenha dado tão aparentemente certo por tanto tempo. ele tinha olhos de peixe e jeito de príncipe. mas tinha prazo de validade, como quase tudo. só a literatura não tem esses prazos mundanos. depois veio bruno, com todas as mentiras de que os humanos são capazes. me seduziu com olhares verdes. venceu quase no reveillon. passei do ano 2000 para 2001 numa praia cheia de tubarões. e eles eram todos meus amigos. ralph me encontrou num dia de festa. foi por isso que nos cumprimentamos em lá maior e me despedi dele sorrindo como uma criança voraz. diego chega devagar e me dá sustos. sorri como uma pintura. não gosto quando ele me avalia. mas ele sempre avalia como uma tia. diego gosta de beber. eu gosto de olhar diego fazendo orações. 'para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam... e nem mesmo um pensamento eles possam ter para me fazerem mal'. acaricio a nuca fria de diego. e lanço tentáculos no futuro.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 18/12/2003

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