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Quarta-feira,
21/1/2004
De volta aos primórdios da imprensa no Brasil
Aline Pereira
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Pode-se dizer que o jornalismo brasileiro data de 1808 - ano em que a Família Real Portuguesa desembarcava pelas terras de sua possessão no Atlântico. Se no início do século XIX os primeiros jornais limitavam-se apenas a relatar os acontecimentos da Corte, duas décadas depois estarão envolvidos nos principais acontecimentos políticos da época, cito, por exemplo, a Revolução do Porto, em 1820. Esse foi ano em que os primeiros representantes da imprensa nacional ousaram estabelecer um debate político pelas ruas do Rio de Janeiro. Também foi o ano em que conquistaram a liberdade de imprensa. E essa liberdade foi fundamental para que os jornalistas tomassem parte na elite política do país.
Assim, gostaria de indicar alguns livros que são verdadeiros apanhados sobre a história do jornalismo brasileiro. O primeiro deles foi recém-lançado pela editora carioca DP&A em 2003; Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do século XIX, dos historiadores Marco Morel e Mariana Monteiro de Barros. Os autores apontam o nascimento da opinião pública brasileira, expressa pelos principais jornais do século XIX, observando a intercessão entre literatura e imagem (caricatura e fotojornalismo). O livro ainda traz um presente para leitores: extensa bibliografia comentada, assim como endereços de sites referentes ao assunto. Um deles é o do Rio de Janeiro Através dos Jornais.
Outra publicação que trata dos primórdios do jornalismo no Brasil é O nascimento da imprensa brasileira, editado em 2003 pela Jorge Zahar. Este livro é uma síntese de uma obra mais antiga, todavia excelente, publicada em 2000 pela Companhia das Letras: Insultos Impressos: a Guerra dos jornalistas na Independência. Ambos os trabalhos de Isabel Lustosa - pesquisadora da Casa de Rui Barbosa (RJ) - se estendem da chegada de D. João VI na América até a emancipação política brasileira sob a administração de D. Pedro I. Em 71 ou 497 páginas - fica a critério do leitor - a autora observa como durante os anos de 1821-1823, a imprensa fora um dos principais campos de batalha do processo de libertação política brasileira. Em lados opostos estavam os "liberais", que desejavam a permanência do príncipe regente e a convocação da Assembléia, e os "conservadores", que não renegavam o absolutismo.
José Bonifácio, Gonçalves Ledo, Hipólito José da Costa, Visconde de Cairu, Frei Caneca, Cipriano Barata, entre outros, foram importantes "políticos-jornalistas" desta primeira fase da imprensa brasileira. A participação na vida pública foi uma conquista de alguns desses homens, na medida em que eram os componentes de uma elite letrada, e, portanto, tinham condições de participar dos acontecimentos políticos através da exposição dos seus pensamentos.
Os periódicos, apesar de polêmicos e inflamados, traduziam a informação em uma linguagem acessível. Marcados pela tradição oral, apresentavam idéias de forma organizada, influenciando o público leitor a tomar posicionamento nos acontecimentos sociopolíticos da época.
Muitas vezes a linguagem desses impressos era vulgar. Os jornalistas travavam verdadeiros debates com os colegas das letras, embora também dialogassem com a própria Coroa. Os pequenos proprietários, negociantes e donos de escravos fugidos eram o público alvo. Como muitas publicações se posicionavam de forma contrária às atitudes da Corte, o uso de pseudônimos era recorrente para demarcar opinião sem encontrar maiores empecilhos. No entanto, esses pseudônimos não tornavam imperceptível o mentor de determinada coluna no jornal, pois a forma com que esses jornalistas escreviam poderia ser facilmente identificada, a partir do estilo da linguagem, das expressões utilizadas e do humor mais irônico, assim como da agressividade característica de cada um.
As informações impressas também chegavam aos ouvidos do povo, capaz de fazer sua própria interpretação política acerca de um fato. Mesmo não sabendo ler, homens comuns ouviam comentários sobre artigos, e/ou contavam com a cooperação de algum simpatizante alfabetizado para produzirem interpretações próprias sobre determinado acontecimento. A partir daí, as idéias do Brasil Império não estavam impedidas de circular. Pelo contrário, penetraram nas mais distintas camadas sociais e auxiliaram na construção da Independência política do país, influenciaram motins, revoltas e rebeliões, assim como determinaram outros importantes momentos da nossa História.
Para ir além
Aline Pereira
Rio de Janeiro,
21/1/2004
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