Brincando de aventura | Eduardo Carvalho | Digestivo Cultural

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COLUNAS

Sexta-feira, 27/8/2004
Brincando de aventura
Eduardo Carvalho
+ de 4000 Acessos

Da esquerda para a direita, a formação da Equipe Pi: Luiz Eduardo Pereira, Eduardo Carvalho e Rogério Carneiro

Esportes de aventura sempre me pareceram artificiais. Aventura que é aventura precisa ser solitária ou, pelo menos, independente de uma organização oficial, com suporte técnico ou resgate em caso de emergência. Essa assistência profissional descaracteriza uma atividade que se pretende mais arriscada. É por isso que não me sinto atraído por rappel ou bungee-jumping, mas me sinto à vontade para entrar numa floresta canadense para conhecer o lugar onde dormem ursos carnívoros.

Mas a corrida de aventura não é praticada em um ambiente tão forçado como, digamos, o do rappel - apesar de essa modalidade, às vezes, estar incluída na corrida. E a diversão acaba não sendo assim tão falsificada. Ao contrário: os desafios durante a corrida são reais e inesperados, e a organização não propõe um único roteiro para você completar a prova. Você corre, nada e pedala num total de, no mínimo, 40 quilômetros - no caso das corridas de um dia (pode chegar a sete, para os mais profissionais). Isso exige um preparo físico considerável e, mais do que isso, articulação entre os quatro membros da equipe, habilidade para navegar com uma bússola, velocidade e racionalidade para tomar decisões estratégicas (quando comer, correr, falar, virar, etc.).

É mais ou menos o que eu fazia, em menor escala, dos 9 aos 14 anos, em Colina, na fazenda dos meus primos, durante as férias: entre lama, bois e pés-de-laranja, a gente apostava corridas enormes, de bicicleta, correndo ou à cavalo. E é por isso que não acho que corrida de aventura seja um esporte artificial: porque é, na verdade, uma brincadeira também, só que de gente um pouco mais velha. A escolha dos equipamentos é uma diversão complementar, que inclui bicicleta, calça, tênis, mochila, etc., tudo especial - até a alimentação e hidratação, que precisa ser leve e completa, ou você se desintegra no meio da prova.

O meio da prova, aliás, oscila entre extremos: pode ser uma caverna escura e gelada ou uma praia vazia e limpa. As corridas podem atravessar desertos ou florestas tropicais, passando por vilas remotas e caminhos históricos, há anos inutilizados. Você atravessa rios transparentes e pontes frágeis, saindo de cidades do interior ou de praias movimentadas. Todos os lugares são cenários para uma corrida: principalmente os mais distantes e perdidos, onde ninguém, num parque nebuloso ou num pasto aberto, vai ajudar você a se encontrar.

A exigência física de uma prova dessas, para alguém razoavelmente preparado, é enorme. Você corre, pedala, nada - e recebe pancadas de todos os lados, quando tropeça numa pedra ou se raspa numa árvore com espinhos. Acontece: você vai em frente, e percebe que ainda não está esgotado. Que sobra um pouco de força para concluir a prova. Parece bobagem, mas é verdade que esse tipo de esforço, que beira o limite físico, empurra esse limite um pouco mais para frente. Para depois, na segunda-feira, as escadas da faculdade, que sempre foram evitadas, parecerem fáceis de subir - mesmo com o corpo dolorido, depois de um fim-de-semana ligeiramente cansativo.

Outras aventuras

Havia em Oxford, no anos 70 e 80, The Dangerous Sports Club, de uma molecada erudita que fugia dos touros de Pamplona andando de skate, saltavam mesas com garrafas em cima, se arremessavam de catapultas - até que um dia erraram a pontaria, e um participante se esborrachou no chão. E a diversão acabou, porque seus membros foram acusados de terem forçado o principiante a topar a brincadeira. Uma reportagem sobre as atividades do clube saiu na Vanity Fair de fevereiro, para quem quiser conferir. Com o comentário: "vinte anos antes de Jackass", que mais expõem o mau gosto do que assumem riscos. Os membros do Dangerous, por exemplo, desciam uma montanha coberta de neve em Saint-Moritz, com um conjunto de mesa e cadeiras Luis XIV, carregando taças e garrafas de champagne, trajados em black tie - com cartola na cabeça. Cada lugar com as suas brincadeiras.

Entre aventuras

O Itaim sempre foi, para mim, um bairro de passagem: entre a Vila Nova Conceição, Morumbi, Jardim Europa e Alto de Pinheiros, onde passei minha juventude (já acabou?) - entre a escola, o clube e a casa em que morava. É basicamente esse o triângulo que orientava minha rotina. Eu nunca precisei muito parar no Itaim, a não ser para visitar alguns amigos ou, à noite, alguns bares. Dificilmente, portanto, caminhei pelo bairro, procurando restaurantes ou entrando em lojas mais escondidas. Mas meu estágio me puxou para cá: e agora faz aproximadamente um ano que, antes ou depois da faculdade, passo meio período trabalhando no Itaim. Aprendi, por acaso, então, a me divertir por aqui.

Para começar: parece que metade da faculdade de administração onde estudo faz estágio ou trabalha em um perímetro de mais ou menos dez quarteirões. Você encontra todo mundo na rua. O que é agradável e, em certo sentido, importante. O Itaim, principalmente perto da Avenida Nova Faria Lima, é hoje o centro comercial de São Paulo - mais do que a Paulista, decadente, e a Berrini, distante. Bairrismo? São Paulo é assim: cada um dorme em um lado da cidade, à noite, mas de dia todo mundo se concentra no mesmo quarteirão. Os bancos de investimento - BBA, Merrill Lynch, Credit Suisse - já se transferiram ou já estavam por aqui, na Avenida Nova Faria Lima, seguindo ou sinalizando essa tendência.

O Shopping Iguatemi está ao lado, e muita gente ainda almoça lá, mas eu prefiro as opções da rua: que vão desde um vegetariano simples, na Cachoeira Paulista, a opções como o Parigi, na Amauri. O cardápio do bairro se acomoda em todos os bolsos e gostos. A Rua Amauri, aqui ao lado, tem também boas alternativas, como o Gula Gula e o Forneria São Paulo. O Deli Diet, na Jesuíno Arruda, não é de todo fresco, apesar do nome, e serve pratos balanceados sem comprometer o sabor. Os restaurantes japoneses do Itaim - Koi, Ayoama, Massao - não são lá grande coisa, mas são honestos, no geral. O Rubayat, do outro lado da Nova Faria Lima, é hoje um clássico, e continua servindo uma carne espetacular. Tem agora, mais para cima, o Kinoplex, com vários restaurantes mais baratos e decentes - como o Prime Burger, do Sérgio Arno, do outro lado da rua. Muita gente se encontra, depois do almoço, no Cafeeira, na Pedroso Alvarenga, que começou em silêncio e agora é visita quase indispensável para quem almoça na região.

Já a Casa do Saber funciona, há pouco tempo, na Rua Mário Ferraz. É das melhores livrarias da cidade, com uma seleção modesta mas de qualidade, sem deixar escapar o que interessa: os clássicos bem editados e os lançamentos relevantes, que às vezes fazem falta em grandes livrarias. E serve, de quebra, um café bem tirado, para depois das compras. Outra livraria que está no Itaim - esta há bastante tempo - é a Correa do Lago. Seu forte são edições preciosas, mas os lançamentos à venda são escolhidos também com cuidado: suas prateleiras são ocupadas apenas pelo que de fato merece ser publicado em português. No segundo andar da casa funciona uma loja de documentos históricos - como um autógrafo do Aldous Huxley e uma carta do Ruy Barbosa - e de gravuras importantes, que preenchem, com os livros, as paredes do ambiente. É o clima de uma biblioteca clássica, que muita gente nem conheceu.

Não me pergunte de outras lojas ou camisarias. Não conheço. A não ser, claro, a Origem, que vende jogos exóticos de tabuleiro. É um lugar bacana para se distrair, depois de um dia pensando em números. Mas minhas atividades no Itaim, além do trabalho, se resumem basicamente a almoçar - ou jantar - fora e, para descansar de vez em quando, visitar livrarias. Para isso, o bairro tem sido comigo, há um ano, bem generoso.


Eduardo Carvalho
São Paulo, 27/8/2004

Quem leu este, também leu esse(s):
01. História da leitura (II): o códice medieval de Marcelo Spalding
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