COLUNAS
Terça-feira,
31/7/2001
Brutalidade Urbana
Carlos Benites
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Estou eu reclinado no desconfortável banco daquilo que eu insisto em chamar de automóvel, quando presencio uma das mais grotescas cenas desde a minha chegada à metrópole paulistana. O semáforo fecha, Alfa FM no rádio, quando à minha esquerda um Chevette azul dá uma daquelas "encostadinhas" na traseira de um Gol verde. Até então tudo normal. Nada que não tivesse visto antes. Previsivelmente, a dona do Gol desce do carro pisando duro e vai tirar satisfações com a condutora do Chevette. A moça de trás abre o vidro e parece escutar o que a que está em pé está falando (ou sussurrando, pois mal se podia ouvir o que a moça dizia...). É então que sai um braço de dentro do carro é dá um sonoro tapa no rosto da moça de pé. Esta ajeita os óculos e continua a reclamar, agora com voz um pouco mais audível. A moça do Chevette, não contente, sai também do carro e, não bem fecha a porta, desfere um outro tapa, agora do outro lado do rosto da adversária (além de atrevida, ambidestra!). De semblante totalmente rubro, resultado da inevitável raiva e também da agressão, a dona do Gol recua um passo e ameaça esbravejar numa voz já esganiçada pelo nó na garganta. Nem bem completa a primeira frase e recebe o derradeiro golpe, ainda mais estalado. Atônita, com as lágrimas já saltando incontroláveis, a dona do Gol, a que teve seu veículo abalroado, entra impotente no seu carro. A outra, nem se digna a observar o estrago causado pela colisão e também adentra o seu Chevette.
O semáforo abre. A moça do Gol, certamente se recuperando do choque, hesita. E uma buzina irritante e insistente vem do Chevette. Embasbacado, ainda assim movimento o meu carro. Senão levo um buzinão também.
O Sonho Acabou
Quem viu a Internet nascer para o mundo civil nos idos de 94, certamente se decepciona com o rumo que as coisas estão tomando. O sonho de um universo paralelo, sem distâncias geográficas ou sociais, onde a moeda corrente era o conhecimento, havia se tornado realidade então. Hoje vemos dois fenômenos embrionários, mas que tem uma forte tendência de preponderância. Um econômico que tenta transformar a rede numa zona de livre comercio sem fronteiras (muita gente está tentando aproveitar enquanto a coisa não está bem regulamentada). O outro social, onde as pessoas se unem em comunidades virtuais para trocarem idéias auto-alimentadas, e criam sofisticados instrumentos de segregação ideológica e social.
Claro que a livre informação e o espírito de liberdade ainda fluem pelos gigabits. Afinal a ferramenta não mudou. Porém o instinto humano mais uma vez toma conta, e utiliza a tecnologia de democratização para o espólio e a auto-afirmação.
A Internet vai revolucionar a comunicação interpessoal? Sim, mas não mais que o correio ou o telefone o fizeram em suas eras. O que veremos não será uma globalização, mas sim uma micro-fragmentação cultural independente de barreiras geográficas.
A regulamentação virá. E quem tem o poder para controlar a vida das pessoas ganhará um pouco mais de poder. Talvez existam alguns lugares seguros nesta rede do futuro. Oásis de sabedoria onde cientistas possam divulgar dados experimentais e trocar conhecimento sem medo dos ladrões de patentes.
Tomara que eu esteja errado, afinal não sou nenhum tipo de profeta cibernético. Tomara que iniciativas como este digestivo tenham espaço para crescer num cyber-universo dominado pela mídia do futuro. Tomara que volte o tempo em que uma idéia na cabeça e um servidor web eram o suficiente para se ganhar algum dinheiro. Não pretendo ser elitista (e inevitavelmente sonhador), mas tomara que alguém consiga parar este processo geométrico de banalização da Internet.
Anti-caspa
Relutei um pouco, mas a patroa disse que era uma comédia legal e que valia a pena. Compramos os tickets e fomos ver Evolução (Evolution). Afinal, até poderia ser bacana pois quem faz o papel do protagonista é o David Duchovny (Fox Mulder). Digamos que o filme tem algo de inovador, com um roteiro de comedia sci-fi de piadas esporádicas e exageradas, lembrando o estilo de direção dos irmãos Farrelly (Quem Vai Ficar com Mary). O interessante é que o filme tem um ritmo de piadas absurdas crescente, começando quase sério e terminando com uma sandice extrema. Depois de muitos efeitos especiais CGI e clichês a respeito de militares idiotas, você tem a impressão de que a produção não passou de um comercial, com uma hora em meia de duração, de um shampoo anti-caspa. Que tenta te convencer de que os fungos que causam a caspa são alienígenas e a que a sua única chance de se livrar deles é usando o tal shampoo, que tem um composto ativo com selênio.
Alto e, principalmente, bom som
Quem gosta de underground, é fã do Radiohead e já furou o OK Computer de tanto tocar, tem mais uma opção: Muse. A banda inglesa tem sonoridade peculiar, letras profundas e um vocal que, de cara, lembra muito o Tom Yorke do Radiohead. O segundo album da banda, Showbiz, está longe de ser plano, tendo visíveis influências não só do Radiohead, como também de bandas como Nirvana, Police e Faith no More. No máximo da excentricidade, os caras até engatam um tango! Cheio de seqüências melódicas desconcertantes e batidas às vezes exóticas, o disco está longe de ser pop, mas também não sofre de ataques de estrelismo artístico como o Amnesiac. O som não chega a ser experimental e, ao que parece, eles primam por não utilizar samplers e repetições. O álbum cativa e parece que fica no subconsciente, com composições que fogem das obviedades cotidianas e transportam a um mundo interior obscuro.
Destaque para Sunburn, primeira faixa do disco, de caráter extraordinariamente emocional, criado por contrastes que levam ao clímax do refrão.
Vale a pena conferir. Não é tão fácil de achar no Brasil, mas dá para importar pela Amazon e similares.
Carlos Benites
São Paulo,
31/7/2001
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