Na Terra surgiu o ser humano, um ser complexo e, por isso mesmo, inferior. Ele precisava se alimentar dos raios do sol, porque, naquela época, nem vegetais havia ainda. Era para isso que existia a apêndice (que dá apendicite), a qual foi sendo desativada assim que o ser humano foi encontrando novas vidas (descendentes dele, como, por exemplo, o macaco) que serviriam para variar sua dieta. Felizmente, naquela época não existia capitalismo ou consumismo, por isso foi possível a sobrevivência dos outros seres sem serem consumidos ou extintos antes.
Em alguns lugares da Terra, o clima era frio demais para ser suportado pelos seres humanos, os quais, então, decidiram se cobrir com peles de seus descendentes mais evoluídos. Era "quente", bom, confortável e isso satisfez o homem. Até um dia que, sem mais o que fazer e por um instinto de pura ociosidade, digo, de competitividade, esses homo alguma coisa começaram a se disputar pela pele "mais quente" e, quando todos já tinham peles quentes, decidiram disputar quais cortes eram mais bonitos, coloridos e raros. Assim, os homens simplesmente foram se esquecendo de qual era a verdadeira necessidade das peles e começaram a praticar arte. À arte das peles, eles denominaram moda.
Isso tudo porque a necessidade de expressão humana costumava invadir todas as outras necessidades... Em tudo o homem acrescentava sua expressão, e por isso essas coisas viraram artes (algo muito mais prazeroso). Essa arte era o único trunfo dos seres humanos sobre seus descendentes, porém era usada pra suprimir tédio e insatisfação, coisas que os outros seres vivos não tinham.
Tão preocupados com sua arte - ou seja, a expressão de seu ego -, os humanos começavam sua devastação da Terra. Descobriram a escrita, descobriram as árvores e daí o papel, descobriram os livros. Descobriram a televisão, o consumo e a alienação e foram esquecendo os livros.
A alimentação
Os seres humanos começaram a variar seu cardápio e, logo que descobriram o fogo, puderam fazer comidas cada vez mais apetitosas e novamente o instinto insatisfeito dos humanos vigorou e os fez começar uma nova disputa: quem comia mais, qual comida era mais gostosa etc., e nisso os outros seres superiores iam ficando em desvantagem na pirâmide alimentar.
Alguns seres humanos, cansados de se sujarem tanto e terem tanta dificuldade em comer a carne dos outros animais, inventaram os talheres. A cultura dos talheres e da facilidade do seu uso foi se disseminando por quase todo o Ocidente e assim as comunidades passaram a comer dentro de seus pratos e a cortar com faca.
Logo, como não podia deixar de ser, o instinto ocioso voltou a aparecer e algumas pessoas acharam que comer era muito selvagem e instintivo então (agindo por um outro instinto já citado), decidiram criar as regras de etiqueta, as quais não se resumiam apenas à alimentação. Mais uma vez os seres humanos foram se deixando levar por hábitos e nunca pensaram se havia mesmo necessidade de "troca de talheres", pensaram na disposição dos mesmos pela mesa e se era permitido ou não assoprar a sopa para que esta esfriasse mais rápido. Eles o faziam por educação.
Educação?
Não se sabe ao certo quando ou porque a educação foi inventada, mas certamente foi uma das poucas coisas realmente necessárias criadas para a sobrevivência do homem. Afinal, como o homem era um ser mais falante do que pensante e, apesar de inferior, dominante, era preciso reverter um pouco os costumes humanos e fazê-los pensar um pouco antes de falar. Ainda levados pelo instinto ocioso, o qual determinou, como podem ver, tudo na história humana, os homens começaram a observar as coisas e a se perguntar o porquê delas. Ao encontrar respostas, decidiram divulgá-las a partir da educação.
E educação era essa arte do saber, até que então os seres humanos mais uma vez foram esquecendo a verdadeira necessidade das coisas e reverteram o sentido da educação de "a arte do saber" para "a arte de parecer (saber)". E isso é o que se entende por etiqueta. E isso é o que se entende por educação nos dias do hoje.
Locomoção
No início os homens andavam ou corriam. Isso bastava para suas necessidades, afinal, não era preciso se locomover muito além de sua aldeia. Mas logo a comunidade foi crescendo, o homem foi se socializando, sua necessidade de expressão inventou a fala que inventou ouvintes e a necessidade cada vez maior de mais ouvintes foi gerando invenções como fofocas, cartas, telégrafos, telefones, e-mails, salas de bate-papo, ICQ, MSN... enfim, esse foi o processo do meio de locomoção das palavras e da conversa, cada vez mais evoluído (não em termos de conteúdo, afinal os homens, como já foi visto, têm o prazer de tornar as coisas desnecessárias), fácil e rápido. O mesmo aconteceu com a locomoção propriamente dita.
Os homens começaram a usar animais para carregá-los - ou escravos, o que dava no mesmo -, inventaram novas tecnologias e formas de transformação de energia, podiam caminhar sobre as águas, a terra e mesmo sobre o ar. Não havia mais obstáculos (a não ser os icebergs, os urubus nas turbinas, as lombadas, os semáforos, os guardas, os pedestres...). Inventaram transportes coletivos para diminuir desconfortos para o meio-ambiente e para o trânsito, mas os homens, como bons estúpidos e egocêntricos, preferiram ter carros só seus.
E assim, mais uma vez, a "desnecessidade" foi invadindo as artes das necessidades (como no caso da alimentação e da educação), e as pessoas começaram a se interessar pelo carro mais veloz, bonito, econômico, espaçoso... Algumas coisas até necessárias, mas resultantes de coisas desnecessárias como, por exemplo, o dinheiro. O mesmo aconteceu com o meio de locomoção das palavras e o IRC foi substituído pelo ICQ, o qual, por sua vez, foi substituído pelo MSN com webcam ("Agora você pode usar uma webcam ao vivo para mostrar aos amigos quem você realmente é!" - ou seja, nos dias de hoje (ou nos de sempre?), o ser humano realmente é aquilo que sua aparência mostra).
A beleza da arte ou a arte da beleza?
Os homens, seres insatisfeitos, descobriram na arte o melhor meio de curar todo tédio que sentiam. Surgiu então "a arte pela arte", ou seja, algo que já nascia dentro da própria desnecessidade, e não de coisas necessárias como roupa, locomoção, alimento etc. Os homens começaram a fazer blogs primitivos que não passavam de pinturas em suas cavernas as quais contavam sobre seu dia, a caça e seu modo de viver ou mesmo colocavam figuras bonitinhas que não piscavam nem se mexiam - nem eram cor-de-rosa.
Com a evolução, apareceram os diarinhos virtuais, as Patys com seus gifs piscantes, com figuras abomináveis e distorcidas (tanto quanto era na época das cavernas) - mas se mexiam e eram cor-de-rosa! E também apareceu a pura encheção de lingüiça que fala sobre "o nada", conhecido como filosofia, política, cultura ou humor. Mas, antes disso, surgiram os livros que derrubaram muitas árvores, o teatro, os quadros, as esculturas, a fotografia, o cinema, a televisão... Tudo para curar o eterno tédio do homem.
Mas de tanto que as belas artes foram retratando "belezas", houve uma inversão em seu sentido original: ao invés de expressar a beleza em si própria, a arte mostrava a beleza alheia. Afinal, as coisas bonitas sempre atraíram os homens, e se a beleza viesse dos próprios homens, isso agradava bastante - e era mais lucrativo. De repente, as pessoas encontraram o artista dentro de si - pois todo o homem tem essa necessidade de expressão - e não encontraram melhor forma de exteriorizar isso do que se tornando a própria obra de arte: começaram a esculturar-se a si próprios.
Acontece que, ao invés de beleza, as pessoas começaram a procurar um padrão - nem todo mundo consegue ser criativo - nem sempre acessível a todos, o que tornou o ser humano cada vez mais esforçado em encontrar uma beleza às vezes impossível. Surgiu então a cirurgia plástica: prima rica das artes plásticas.
Verdade mesmo é que essa arte se tornou popular a partir do momento em que as outras artes começaram a ser suplantadas pela televisão. Na TV, como no teatro, era necessário mostrar pessoas e, é claro, como em toda parte, essas pessoas deveriam mostrar beleza. Como a arte da televisão foi ficando cada vez mais deficiente, as pessoas começaram a ter acesso apenas à "arte da beleza corporal". Isso aliado ao consumismo e ao capitalismo - o que somados geram alienação - tornou as pessoas verdadeiras consumidoras de beleza corporal, esquecendo - para o bem do capitalismo, é claro - da beleza cultural à qual dificilmente tinham (têm) acesso.
Esporte
O esporte nada mais é, obviamente, do que aquele instinto de competitividade do homem posto em prática. Algo com muitos lados positivos: tira o tédio, a depressão e faz bem à saúde. Verdade é que, se saúde engordasse, ninguém hoje em dia praticaria esporte, mas os humanos teimam em dizer que a geração atual é a "geração saúde". E essa "geração saúde" está cada vez mais cheia de mulheres bonitas e saradas, atraindo parceiros cada vez mais bonitos e musculosos gerando mais filhos saudáveis, lindos e fortes... Aí está a evolução da espécie atual.
(Em breve o cérebro também não será mais necessário e o homem passará a ser como os passarinhos: com belas penas coloridas e irracional. Isso vem comprovar a teoria de que o homem é a espécie mais inferior da natureza e que a evolução só será plena quando o raciocínio for extinto.)
Um dos esportes mais cultuados no mundo atual é o lucrativo, digo, emocionante futebol. (Nada melhor para um país como o Brasil do que isso, afinal essa é uma das poucas formas de se conseguir - e bastante! - o querido, amado e mais importante que qualquer outra coisa dinheiro.)
Dinheiro
Não se sabe se foi a maior obra do capitalismo (ou se a maior obra do último foi o caos total e a desgraça), mas o dinheiro é o recurso de sobrevivência mais importante para os humanos civilizados. Sem ele, os seres humanos não têm direito à dignidade, justiça, direitos, moradia, comida, saúde, educação e nem mesmo direito de fazer xixi ou cocô no terminal rodoviário do Jabaquara. Por isso as pessoas literalmente se matam para consegui-lo. A contradição disso tudo é que justamente os que não fazem nada são os que detêm a maior parte.
Por causa do dinheiro produzido através do capitalismo e para produzi-lo, o meio-ambiente é destruído, as pessoas são destruídas (apenas a população pobre ou miserável, ou seja, a maioria), as artes são destruídas, os cérebros são destruídos... Assim é que o dinheiro possibilita uma maior evolução do homem do que o próprio esporte: nos transformará - e à toda a Terra - em átomos.
Religião
Também foi criada pelo instinto ocioso, embora os homens insistam em acreditar que não. Um dia, um dos primeiros dias da existência humana, o homem observou toda aquela arte que não era obra de si mesmo, mas sim da natureza, e seguindo um raciocínio lógico (mais tarde conhecido como sofisma) tratou de explicá-la como sendo obra de seres divinos: os deuses. Seguindo esse raciocínio, como só os homens eram capazes de criar arte, só um homem (ou vários) mais evoluído(s) poderia(m) ter criado tudo que o havia de bonito na natureza - e não ela mesma. (A falha dessa lógica é o fato de ser necessário existir também outros deuses que criassem esses deuses, o que fazia essa teoria retornar ao ponto de partida...)
Mais tarde, fruto novamente do ócio, apareceram profetas os quais reinventavam a religião, porém a mesma lógica (sofisma) era mantida - ou seja, a mudança era apenas aparente. Ainda assim, como a educação era ou inexistente ou pouco divulgada, os humanos lutavam, guerreavam, brigavam e matavam para defender seus ideais, os quais, por falta de inteligência ou fanatismo, eles não percebiam que eram os mesmos de ambos os lados.
Com a evolução humana e a educação sendo distribuída a alguns, começaram a aparecer pensadores, filósofos e cientistas com pensamentos mais sofisticados capazes de explicar - e provar - algumas das obras da natureza. Apesar de os seres humanos obterem respostas sobre o funcionamento e origem dessas obras, o costume e os dogmas da religião (aliados à ignorância e ao desequilíbrio do ser humano) não permitiram que esta última fosse extinta (ainda que logicamente ela não fosse mais necessária; além do mais, ainda restavam dúvidas e os seres humanos temiam não poder ter todas as respostas...)
E que dúvidas eram essas? Os humanos, como já sabemos, são eternos egoístas e insatisfeitos e não aceitam a morte. Mesmo vendo que tudo no universo tem seu fim - sendo vivo ou não -, o homem não soube aceitar que ele também teria o seu. Isso porque, na cabeça de todo ser humano, existe a crença de que ele é um ser especial demais para simplesmente terminar e, sendo assim, ele acha(va) que viverá(viveria) para sempre.
E não só para "solucionar" esse problema existencial, a religião foi criada. A religião, assim como o dinheiro e a moral, foi(foram) criada(criados) para pôr uma "rédea" nos próprios seres humanos, para que eles não prejudicassem mais ainda o lugar em que vivem(viviam) e às outras pessoas. Claro que não haveria mais essa necessidade, se existisse educação de verdade para todo mundo; seria até melhor porque ao invés de rédeas, a educação criaria consciência. Apesar disso, a maioria dos seres humanos são gananciosos e estúpidos demais para entender.
Outro problema que o ser humano criou, e vem se popularizando cada vez mais com o passar do tempo, é o problema psicológico. Por causa dele, os seres humanos também recorrem à religião. Sendo o homem um ser muito egocêntrico, começara a se sentir sozinho, pois não encontrava solidariedade para resolver seus problemas. O homem encontrou saída no(s) seu(s) deus(es), afinal apenas deus - sendo um homem perfeito - poderia ouvir seus problemas e quem sabe solucioná-los. Essa solução nada mais era que o resultado da fé humana - em ser curado ou em ser simplesmente ouvido. Um médico logicamente poderia também ajudar o homem, tanto um médico do corpo como um médico da mente: o psicólogo. Mas a ignorância - e a pobreza, pois sabemos que saúde só é acessível àqueles que possuam dinheiro - das pessoas mais uma vez não deixou que elas percebessem que essa cura não vinha de deus e sim delas mesmas. Isso porque essa "cura" aliada à resposta de suas dúvidas era algo muito bem-vindo aos humanos ingênuos e, como sempre, sozinhos...
Nota do Editor
Marcely Costa, 18 anos, é autora do blogaccela, onde este texto foi originalmente publicado. (Reproduzido aqui com autorização da própria.)
Após ler esse texto, podería tecer os mais elaborados elogios; porém, fico constrangido ao fazê-lo por tratar-se de minha filha. Para ser sucinto, digo apenas parabéns, continue assim...
Puxa, Marcely! Você nem imagina como é emocionante ver você aqui, aliás, ler você aqui!! Se eu fiquei emocionada, imagine você! Parabéns, você é realmente brilhante!!! Bj.