Brasil e Argentina: uma História Comparada | Fabio Silvestre Cardoso | Digestivo Cultural

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Terça-feira, 3/5/2005
Brasil e Argentina: uma História Comparada
Fabio Silvestre Cardoso
+ de 17500 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Há algumas semanas, um pouco antes da eleição do novo papa, Bento XVI, muito se falou sobre o caso do argentino preso em gramados nacionais por ter tido conduta racista numa discussão ríspida com um jogador brasileiro. Para muita gente, o caso não seria objeto de grandes discussões se o acusado não fosse argentino. Com efeito, de uns tempos para cá, parece que as pessoas têm levado por demais a sério a suposta rivalidade entre Brasil e Argentina. Digo isso porque, fora dos gramados e das quadras, não há nada que pese na relação entre os dois países - pelo menos até agora (e olha que, se eles têm Kirchner, nós temos Lula). Uma análise comparada acerca da história dos países mostra porque boa parte dessas querelas não possui raiz antiga. Antes, é mais justo afirmar que os dois países, ao mesmo tempo que são tão próximos, são muito distantes um do outro. Na obra Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada 1850-2002, (Editora 34, 574 págs.), os autores Boris Fausto e Fernando Devoto se debruçam - comme il faut - na trajetória dos dois países num mesmo período. À primeira vista, o fato de a obra ter um recorte um tanto recente pode trazer a impressão de que o livro deixa de lado eventos cruciais na história dos dois países, sobretudo no que concerne à "fundação" e os primeiros habitantes. Se isso é verdade, é necessário que se diga que se o livro se pretendesse tão abrangente, seria impossível trabalhar sem o recorte histórico.

Afora isso, é preciso observar, ainda, que este não é um apenas mais um livro de história, com o propósito de relatar os meandros da gênese e do desenvolvimento dos dois países. Trata-se, como o próprio título diz, uma obra de história comparada, cujo intento é, em quatro capítulos, sublinhar as diferenças e as semelhanças de ambas as nações ao longo dos últimos 150 anos. Partindo desse pressuposto, o que se vê logo na introdução é uma contextualização a respeito da história comparada. Parece que há uma preocupação, por parte dos autores, em mostrar aos leitores quais são as dificuldades existentes na concepção desse tipo de análise. Com isso, o leitor toma conhecimento na introdução dos objetivos e dos métodos dos estudos comparados.

Se a introdução fica um pouco distante do ensaio em si, com a justificativa sobre a metodologia, desde o primeiro capítulo a obra prima pelo tratamento do tema de maneira direta, sem fugir do seu foco. Aprende-se, assim, que Brasil e Argentina intercalavam os postos de ordem e desordem institucional devido às questões territoriais e de construção do Estado. Isso se materializava no Brasil por ocasião da estranha relação entre a Monarquia e a política nacional, que se pretendia liberal, mas mantinha o regime escravista. Enquanto isso, a Argentina lutava contra a incapacidade de instaurar outras cidades tão fortes como Buenos Aires. Nessa parte, ainda são abordados temas como a expansão econômica dos países durante o período, com dados e informações que explicam financeiramente essa gangorra de altos e baixos.

Adiante, os autores dedicam-se a um tema bastante comentado na trajetória dos dois países, que foi a Tríplice Aliança. Nesse trecho, avalia-se o que significou a Guerra do Paraguai para cada um dos países. Conforme está escrito: "Argentina e Brasil entrariam aliados numa guerra que só teria sérias conseqüências. Visto em termos estritamente econômicos, o conflito foi um total absurdo." Na interpretação dos autores, tratou-se de investir muito dinheiro em uma região marginal do ponto de vista estratégico. Como a campanha foi muito longa, ambos os países gastaram mais do que se esperava nesse conflito, acarretando uma despesa de cerca de 30% do PIB para a Argentina no ano de 1869-1870. Para o Brasil, além das baixas econômicas, houve o surgimento da classe militar que, alguns anos depois, seria a responsável pela destituição da Monarquia como regime político.

Os anos seguintes, segundo analisa a obra, também tiveram suas particularidades no que se refere à economia e à política, ou seja, temas recorrentes quando se trata de um estudo desse porte. Nota-se, assim, que o livro se tornaria monótono se não fosse o aparecimento de fatores que fogem a essas regras, tais como o impacto da imigração e a atuação da Igreja. Sobre o primeiro, percebe-se que a imigração foi fundamental para a formação demográfica e cultural dos países, posto que foi um aspecto "agregador" sob a perspectiva social, por exemplo. Já em relação à atuação da Igreja, sempre de acordo com os autores, constata-se que é a seara onde há mais semelhanças entre os dois países. E isso se deve em boa parte ao fato de tanto Brasil como Argentina serem fiéis propagadores dos preceitos do Vaticano - aliás, uma tradição que perdura até hoje.

Entre todas as análises, a que mais chama a atenção é, sem dúvida, a que faz um intermezzo sobre Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón, os líderes que viraram substantivos. Nesse trecho, os perfis políticos dos dois presidentes são apresentados, de modo a fazer compreender a importância de ambos na atuação de Brasil e Argentina. Aqui, é curioso observar como cada um atraía multidões aos seus comícios por vias distintas, pois, ao contrário do que se costuma propalar, Getúlio Vargas só se tornou um líder de massas em 1939, quando já tinha estabelecido o Estado Novo (eufemismo para Ditadura?). Perón, por sua vez, possuía um apelo junto às massas muito maior, fator esse que foi preponderante para sua ênfase nas questões sociais, conforme destacam os autores. Outra semelhança: Getúlio e Perón saíram dramaticamente de seus cargos. O primeiro com um tiro no peito. O segundo saiu do cargo em 1958.

A última parte do livro dedica boa parte de suas páginas a analisar os regimes militares no Brasil e na Argentina a partir de 1968. As diferenças dos regimes são muitas. A começar pelo fato de que, por aqui, as crises que os militares enfrentaram era ínfimas se comparadas à ditadura argentina. Só para se ter uma idéia, a ditadura, lá, foi de 1958 a 1983, com períodos de liberdade. Isso se deve, em parte, ao fato de o peronismo ter tido mais ressonância junto às classes populares, mesmo depois de Perón ter saído da presidência. Já no Brasil, a Ditadura foi conduzida com certa serenidade, apesar de certa luta armada, que, por hora, tem sido propagandeada em película. Como assinalam os próprios autores, a democracia chegou aqui após o andamento do processo de político ("lento, gradual e seguro"). Por lá, o final se deu com a Guerra das Ilhas Falkland (Malvinas). Outro ponto interessante nesse capítulo é a respeito dos governos de Menem e Fernando Henrique Cardoso. Com o auxílio de tabelas e dados estatísticos, há uma ampla interpretação dos processos econômicos, que redundaram no desemprego e, mais recentemente, na ferrenha política dos juros altos.

Brasil e Argentina é um ensaio de rigor metodológico e fôlego conceitual. Não há chutes ou palpites fora de ordem, o que é fundamental numa obra com essas pretensões (de história comparada). Entretanto, para o leitor, o livro pode ser complexo, caso seja encarado de uma vez só, sendo mais recomendável a consulta em doses homeopáticas. Uma dica interessante, nesse sentido, é a utilização do índice onomástico, que facilita a leitura dos diversos aspectos tratados na obra.

Para ir além






Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 3/5/2005

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01. A boa e a média em 2005 de Ana Elisa Ribeiro


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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
4/9/2006
18h08min
este texto está muito bom, muito bem escrito. mas acho q a opinião de outras pessoas devem ser incluidas: o texto está grande e bastante explicativo, mas, na minha opinião, deveria ter imagens com legendas e adentrar mais na História desses dois países... (Eu sou americana e com este texto aprendi mais um pouco sobre o país onde moro há três anos.)
[Leia outros Comentários de nathalia]
22/2/2009
14h52min
O Brasil e a Argentina são, na verdade, como dois irmãos que brigam, brigam muito, mas que na verdade não conseguem viver um sem o outro.
[Leia outros Comentários de Vanderlei Gomes]
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