Houve um tempo em que as críticas de cinema eram verdadeiros ensaios, em todos os aspectos: fosse no tamanho, ocupando páginas e páginas de revistas ou jornais (nestes, às vezes sendo divididas em partes publicadas em dias distintos), fosse nas abordagens, muito aprofundadas e detalhadas, abordando e elucidando praticamente todas as cenas de um determinado filme. Esses textos, de tão elaborados e extensos, eram facilmente compilados em livros, o que nos permite conhecer boa parte deles hoje - principalmente de críticos mais consagrados, como o "papa" André Bazin (em seu fundamental Cinema - Ensaios) e a polêmica Pauline Kael (com Criando Kane e Outros Ensaios).
Depois, as críticas começaram a escassear de tamanho, tomando a forma como são mais conhecidas hoje: análises razoavelmente ligeiras dos filmes em questão, ainda que, quando bem feitas, em escritos bastante elucidativos e ricos - peguemos como exemplo o gaúcho Hélio Nascimento, cujos melhores textos foram reunidos no excelente O Reino da Imagem. Apesar disso, ainda impera na imprensa brasileira críticas tão minúsculas e forçadamente opinativas - no sentido de se preocuparem mais com o carimbo de "gostei" e "não gostei" e menos com os significados da obra e sua relevância, sem visões assumidas sobre conceitos básicos de cinema.
E é onde chegamos aos blogs. Sim, blogs, esta nova forma de comunicação que começou como um diário virtual para ir se tornando, aos poucos, o espaço de quem não tem espaço. Exatamente por isso, poucos são os críticos de cinema na ativa que possuem um blog para falar de cinema. Essa ferramenta prática virou a grande salvação de quem gosta de filmes e quer dar seus pitacos. Se isso é arriscado no sentido de, como nosso amigo Julio Daio Borges tanto apregoa, a internet se tornar um verdadeiro samba do crioulo doido, com qualquer um falando do que quiser sem parâmetros ou conhecimentos suficientes, há também situações inversas: cinéfilos e profissionais do audiovisual escrevendo análises belíssimas em determinados blogs. E não só isso: há desde agendas de eventos cinematográficos a rápidos comentários, dicas de site a indicações de filmes obscuros.
O universo do cinema torna-se ainda mais vasto quando conhecemos blogs dedicados apenas a determinados gêneros, escolas, estilos. Às vezes fala-se de filmes que jamais foram exibidos no Brasil, ou que não receberam atenção merecida. O que se destaca no mundo blogueiro de cinema são essas peculiaridades: a fuga do senso comum, a tentativa de expandir os conhecimentos do leitor através de conhecimentos específicos de quem escreve e muitas vezes não tem onde expor tantas informações e referências, tanta vontade de compartilhar com o outro sua paixão pelos filmes - porque cinéfilo que é cinéfilo tem prazer enorme em dividir com o colega aquilo que ele sabe e gosta (ou mesmo não gosta).
Por isso, para os interessados em cinema, o blog veio cobrir brechas até então intransponíveis. Claro, escreve-se muita besteira nos blogs, mas isso se estica para toda a internet. O segredo é saber onde ler coisas de qualidade, e não simplesmente amontoados de letras sem sentido. Para facilitar essa caça ao tesouro no infinito mundo dos blogs de cinema, montei uma pequena lista com alguns dos melhores do gênero no Brasil em atividade. Valem visitas, no mínimo, semanais.
* Reduto do Comodoro - blog do diretor, produtor e roteirista Carlos Reichenbach. É o grande pai de todo e qualquer blog ou site de cinema feito no Brasil. Carlão (como é carinhosamente conhecido) tem a meta de agrupar a relação de tudo que é produzido sobre cinema na internet. Já levantou centenas de páginas, o que acabou gerando o Troféu Quepe do Comodoro, no início deste ano. Evento inédito, premiou o que de melhor se faz na Web, de forma independente, em termos de análise de cinema. Além desse trabalho hercúleo e louvável, Carlão mantém seu blog constantemente atualizado com divulgação de festivais e mostras, resenhas de filmes pouco conhecidos do público (porque Reichenbach é, antes de tudo, um cinéfilo compulsivo), indicações de sites e textos e uma interação como nenhum outro profissional de sua importância tem com seus "fiéis". Não bastasse ser um dos maiores diretores de nosso cinema, o cara demonstra ser o cineasta mais legal e antenado do país.
* Los Olvidados - o nome homenageia uma obra-prima do espanhol Luís Buñuel, Os Esquecidos (1950). Não é por menos: este blog mantido pelo crítico Paulo Ricardo de Almeida é excelente para se conhecer obras clássicas ou modernas através da visão apaixonada do escrevente. Membro da revista virtual de cinema
Contracampo, Paulo tem vasto conhecimento em cinematografias pouco vistas ou estudadas no Brasil, sempre tirando da manga nomes que precisam ser conhecidos ou revistos, como o coreano Im Kwon Taek (diretor do sublime Chunhyang) ou o alemão Rainer Werner Fassbinder. Além disso, Paulo Ricardo é fissurado em premiações e listas. Bastou começar a disputa do Oscar, ou o Festival de Cannes, Berlim, Veneza e seja lá qual for, que o cara já sai comentando, palpitando, reclamando, elogiando, numa metralhadora giratória recheada de categoria e conhecimento de causa. E ele mantém atualizadas listinhas dos melhores e piores filmes que viu nos últimos tempos, servindo de boas referências ao leitor. Outra sacada desse blog é o autor semanalmente postar a "foto da semana", sempre de um filme de grande significado dentro de seu gênero, época, estilo - e com direito a comentários sobre o porquê daquele filme estar ocupando o disputado espaço.
* Cinema Cuspido e Escarrado - na maioria dos casos, um blog de cinema é feito de pequenos comentários sobre filmes assistidos ou informações de diretores e atores escritas de forma breve. Não na página de Marcelo V. Este jornalista tece longos e detalhados textos interligando filmes diferentes dentro do mesmo post. Estreou algo de Martin Scorsese? Lá está Marcelo falando do filme novo e de trabalhos antigos do diretor. Assistiu a O Evangelho Segundo São Mateus, de Pasolini? Então vamos falar dele e de outras versões da vida de Jesus, como A Última Tentação de Cristo. Mas nem sempre a ligação é assim tão óbvia. Em janeiro, ele misturou a grandiosidade de um Alexandre, de Oliver Stone, com a simplicidade técnica de um Sobre Café e Cigarros, do midas independente Jim Jarmusch. As opiniões de Marcelo são sempre bem abalizadas, seus argumentos têm desenvolvimentos que, se não convencem alguém de opinião já formada, ao menos geram reflexão. Sem falar que este deve ser um dos blogs de cinema mais comentados da Web. O único problema é a escassez de atualizações: o autor já assumiu por diversas vezes que está menos preocupado com novos posts do que em debater os que estão no ar.
* Diário de um Cinéfilo - não há nada particularmente chamativo neste blog. É bem o que diz o título: um diário virtual em que o autor, Ailton Monteiro, destrincha suas impressões sobre os filmes aos quais assiste - com o compromisso de falar de todos, sem exceção, por mais tempo que isso leve. O que torna o Diário um blog a ser visitado é a extrema simplicidade e humildade de Ailton. Sente-se nas suas palavras o amor pelo cinema e a vontade de conhecer e buscar o melhor dessa arte, sem maiores compromissos senão alimentar aquela paixão. Outras páginas fazem isso, mas geralmente são de profissionais presos a determinadas pautas e que usam seus blogs para extravasar idéias de forma mais livre. Não é o caso de Ailton: sua única meta é falar dos filmes e discuti-los com os amigos e colegas visitantes. Melhor ainda que seus textos, de uma naturalidade imensa, têm qualidade suficiente para criar essas discussões - dando a ele um diferencial de respeito.
* Sétima Arte - duas características tornam esta página, criada e levada à frente por Marcos A. Felipe, digna de uma lista: a atenção que o autor dá ao documentário, gênero tão combalido no cinema e que vem se reerguendo graças a produções de impacto e relevância; e o olhar que ele imprime aos filmes comentados, sempre buscando em algum aspecto específico sua base de análise. No primeiro quesito, Marcos é quase imbatível. Árduo estudioso do cinema documental, mantém contatos com distribuidoras de filmes e, através de louvável iniciativa, consegue adquirir cópias em VHS de filmes às vezes mal exibidos em cinema, os quais ele não teria acesso de outra forma. É assim que ele consegue comentar cinematografias tão pouco faladas, ou lançamentos tão ordinariamente divulgados. Recentemente escreveu belíssimo texto sobre os documentários do mineiro Cao Guimarães, cineasta jovem que vem se destacando em festivais pelo seu trabalho peculiar. Não só dele: também escreveu de uma raridade, Gente del Po, documentário do neorealista Michelangelo Antonioni, filmado em 1943, registrando o cotidiano de uma pequena vila no interior da Itália. Coisa fina, que Marcos resgata/apresenta ao leitor com raro faro de novidade e modernidade.
* O Pagode - Otávio Moulin deve ser o maior especialista em cinema asiático no Brasil. Enciclopédia viva de tudo que existe filmado em países como Japão, China, Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Tailândia. É colaborador do crítico Rubens Ewald Filho e fonte para revistas e jornais, sempre sobre filmes feitos no Oriente. Tanta coisa desemboca no seu blog, desde simples comentários a agenda de lançamentos e muitos cartazes, dos filmes mais obscuros às sensações nos cinemas do outro lado do mundo. Tem até uma sessão de fotos "quem é quem", identificando os maiores astros do cinema feito no outro lado do mundo - atores e atrizes de hoje e, principalmente, dos áureos tempos do melhor nas artes marciais.
* Mondo Paura - o nome em italiano dá a noção. Este é um blog de medo, muito medo. Marcelo Carrard criou a página com o intuito principal de comentar especificamente o cinema de suspense e terror. Vem fazendo grande trabalho, com seu jeito apaixonado e sincero de escrever. Desencava os diretores mais tumulares, principalmente da Itália, Japão e Coréia do Sul. Carrard tem conhecimento gigantesco do que de melhor o terror já produziu em décadas, conseguindo citar referências e fazer ligações de um filme ou diretor a outros com extrema facilidade. O melhor é quando ele se surpreende com o que vê: a impressão é de que as letras de Carrard vão começar a lacrimejar, tamanha a emoção transmitida quando gosta muito de algo que viu. Não chega a ser emoção poética, mas direta mesmo, com palavras típicas da oralidade mais propalada. Somando isso aos filmes bem selecionados para se comentar, as fotos e uma lição que reanima qualquer cinéfilo ("não somos nós que buscamos os filmes, eles é que vêm até nós"), acompanhar suas peripécias terroríficas torna-se um imenso prazer e um mergulho num universo a ser descoberto e devorado.
Para terminar, deixo uma última dica: o blogImpressões Cinéfilas. O autor é este mesmo que vos escreve, numa tentativa meio louca de "treinar" suas percepções dos filmes que vê. Já participo de um projeto maior, o Cinefilia, dando lá alguns palpites. A criação do blog veio no intuito de escrever mais despojadamente, no momento exato do término de um filme. Nem sempre consigo atingir meu objetivo. Mas a experiência é divertida. Se estiver de bobeira, passa lá. Depois de conhecer todos esses aí em cima, claro.
Olá, amigo Marcelo!
Obrigada pelas indicações de novos blogs.
Por um momento, achei que não iria indicar o meu blog preferido: "Impressões Cinéfilas".
É bom saber que temos conceituados blogs que fornecem comentários sobre filmes e cinemas.
Cansei das rápidas resenhas, de caráter mal informativo, em jornais que avaliam grandes e milionárias produções com um bonequinho às vezes de pé, às vezes sentado, às vezes dormindo!
Acredito que um filme seja bem mais do que isso.
Novamente agradeço pelas preciosas dicas.
Fala, grande Miranda! Rapaz, assim a minha humildade vai pras cucuias. hehehe.. Ficou muito bom o texto, hein. É realmente problemática a situação da crítica de cinema no Brasil. Vemos o exemplo do que foi e do que é a revista SET hoje. Lamentável.
Fiquei surpreso em aparecer aí, agradeço a lembrança. Mas não tenho certeza de ser merecida _a não ser pela questão do pioneirismo (até onde sei, o CCE é o primeiro blog a tratar exclusivamente de cinema no Brasil, o que também não quer dizer lá grande coisa...). Abraços.