Um dos eternos dilemas do jornalista se relaciona às suas fontes de informação. O jornalista, se, em princípio, vai escrever as notícias, não pode ser informar como todas as outras pessoas. Ele tem de ler antes; ele tem de saber antes. Se souber o que todo mundo sabe, de nada vale a sua informação.
É, na verdade, uma corrida sem fim por mais e, principalmente, melhores fontes. Fontes que ninguém tem; fontes novas; fontes interessantes. Nesse ponto, a internet é um mundo — um mundo inexplorado. Ou parcamente explorado.
O que ocorre, hoje, é que a maioria dos jornalistas, mormente os da imprensa grande, continuam se informando como antes — e basicamente deixando a internet em segundo plano. Os jornalistas culturais, por exemplo, confiam excessivamente nas assessorias de imprensa, que enviam releases, e raramente olham pro lado para se informar mais (a não ser que "olhar pro lado" signifique olhar para a concorrência...).
Desse modo, os cadernos culturais, que têm sempre as mesmas fontes de informação, saem todos iguais — a ponto de a própria interpretação, que deveria ser individual, sair idêntica em periódicos vários. Ou seja: os releases chegam ao cúmulo de sugerir insights e os jornalistas chegam ao cúmulo — o que é muito pior — de adotá-los. Não têm mais vontade própria. E o problema é mundial.
Entrando no exemplo individual, eu, quando comecei a minha carreira de jornalista, escrevendo crítica de fora da imprensa, e sempre atrasado porque não recebia releases, costumava me informar da seguinte forma: quando um assunto me interessava, eu procurava comprar tudo o que pudesse encontrar a respeito nas bancas. Às vezes, até, livros em livrarias. Eu me empolgava e queria estar um pouco além no meu insight.
Dependendo do tema, o universo de publicações no Brasil é pequeno e você, em algumas horas, desse jeito, se informa. Se era um assunto quente, eu comprava, sei lá, Veja, IstoÉ, quem sabe, Time, Newsweek, e a coisa geralmente se esgotava aí. Não era difícil.
Isso de 1998 a 2000. Em 2000, comecei com o Digestivo, e em 2002, entramos no fluxo incessante de releases — até por iniciativa minha, que não queria mais gastar dinheiro com livros, CDs, entradas para filmes, shows, espetáculos, etc. Em teoria, eu dispunha de uma nova fonte de informação (o release), mas, pelo problema que eu apontei (de homogeneidade das matérias na grande mídia), sempre achei que corria o risco de soar igual a todo mundo ou que então as assessorias não traziam, assim, grandes novidades. Elas eram parciais e queriam emplacar seu produto na mídia (o que é natural), portanto, não eram 100% confiáveis.
A grande revolução, como todo mundo sabe, foi a internet. Para o bem e para o mal. Para o bem porque abriu um leque infindável de possibilidades; para o mal porque as fontes nem sempre são confiáveis, muito menos imparciais, e porque a grande mídia — que poderia prover informação segura e abalizada — invariavelmente se ausentou da Web, já que não se conformava em despejar seu conteúdo lá de graça. Mas isso foi no início, quando havia uma indefinição total quanto à WWW...
Eu, voltando ao meu exemplo, tentava, digamos, acompanhar a imprensa de fora. O grande sonho de todo jornalista, ou de alguém que procura se informar melhor, é ter acesso a outros periódicos, em línguas estrangeiras, de forma a alargar os próprios horizontes (evidentemente limitados aos círculos nacionais). O que sempre fascinou a minha geração na coluna do Paulo Francis, para usar outro exemplo próximo, foi o fato de ele, pelo menos aparentemente, dialogar com o mundo, pôr o leitor a par do debate (internacional) de idéias, indicar informações e leituras que ninguém aqui tinha (ou, ao menos, que ninguém mais aqui indicava). Ele estava em Nova York, ele tinha acesso às fontes — com a internet, com o acesso aumentado, todos nós também teríamos, certo? Errado.
Eu descobri a internet na USP, em 1995. No ano seguinte, ela chegou em casa. E, naquele tempo, a Web era tão resumida (entre aspas) que a moda eram os sites de bookmarks, indicando a você, internauta novato, uma meia dúzia de outros sites em que valia a pena navegar. Para que você tenha idéia do tamanho da internet brasileira, o Digestivo, com a visitação que ele tem hoje (50 mil visitantes-únicos por mês), em 1995 seria um sucesso de bilheteria, maior que o Cadê (com 30 mil), por exemplo, que logo em seguida seria comprado por milhões de reais.
Lembro que eu acessava a página do meu provedor, a Netpoint (nem sei se ainda existe), e havia lá um link para a Amazon, outro link para a CDNOW (depois comprada pela Amazon), jornais como o JB e O Globo, portais como o UOL... e só. Não havia mais nada. Algumas homepages de amigos no GeoCities (só pra quem sabia programar); endereços de plugins (como o ICQ, o Messenger de uma década atrás) — e assim por diante. A internet, a nosso ver, era mais pobre do que a banca de jornal.
Em 1998, eu acessava o JT todos os dias: além de ser a minha leitura preferida no papel (eles assinavam também lá no trabalho), tinha um site aberto com um belo arquivo. Tanto que inspirou o primeiro layout de Colunas do Digestivo, onde as últimas, à maneira do JT, ficavam assim do lado direito em forma de chamadas. Lia também o Observatório da Imprensa e, inclusive, de vez em quando publicava lá. Repercutia. O Ruy Castro, por exemplo, não respondeu aos telefonemas do OI, quando eu o ataquei defendendo o rock; e o Jô Soares deve ter me xingado, porque meu artigo, sobre seu segundo livro, não só entrou na versão impressa do OI como serviu de mote para um jornalista da BBC de Londres vir me entrevistar (em inglês)...
Eram outros tempos. Mas não é disso que eu ia falar. (Isto aqui está parecendo retrospectiva dos 10 anos de internet comercial no Brasil...)
O que eu estava tentando dizer é que, no início, bem no início, a internet para nós refletia a mídia estabelecida. Era um reflexo meio apagado das bancas de jornal. Com exceção de mim — que em 1999 levei ao ar o meu primeiro site —, e de mais uma meia-dúzia de gatos pingados, ninguém jogava conteúdo próprio, inédito, original, na WWW. Além do fato de a Web ser lida majoritariamente por jornalistas (o grosso do público de não-jornalistas preferia salas de bate-papo e afins), a mídia impressa, conforme os exemplos citados, em geral absorvia (ainda que não totalmente) quem vinha a reboque dela. Mais uma vez, tive uma porção de trechos de textos meus publicados na "seção cartas" de publicações como Veja, Estadão, etc. e quase virei colunista de uma revista extinta, a Página Central.
Passada essa era geológica, em que os principais veículos da mídia estabelecida achavam que deveriam estar (abertos) na WWW, veio outra era, pós-Bolha de 2000, onde todo mundo, principalmente da mídia imprensa, foi fechando as portas na internet. Como leitor, xinguei, reclamei, esperneei, mas como editor, saí ganhando: foi nesse período, de 2000 pra cá, que alternativas à grande mídia, geralmente abertas, como Digestivo, cresceram e se fixaram. Em 2001, como eu e mais dez Colunistas — todos praticamente novatos na máfia (ou quase) — iríamos concorrer com a imprensa-impressa se ela estivesse, todo dia, na internet? Não iríamos concorrer; iríamos perder. Acontece que a mídia "entrou numas" de desqualificar a internet e, ao mesmo tempo, de sair dela — esvaziando, ou tentando esvaziar, a Web como negócio. Isso (essa estratégia), como business, me prejudicou, mas felizmente os leitores, editorialmente falando, não entenderam assim. A ponto de, em 2002, eu abrigar o Daniel Piza, o Luís Antônio Giron, o Sérgio Augusto e o José Nêumanne nas páginas de Ensaios do Digestivo, porque — com exceção de seus sites pessoais (quando havia) — eles, no que se refere à WWW, não estavam em nenhum outro lugar (aberto, digo)...
Nesse tempo, como jornalista, eu tentava acompanhar os jornais de fora (os sites concorriam comigo e eu não via eles exatamente como modelo). No Blog do Digestivo, que eu originalmente criei em 2002, há Posts tirados, acho, do The New York Times, do Le Monde, do El País, do Corriere della Sera... Houve um momento também (não sei se coincide precisamente com esse) em que eu me inscrevi em newsletters diversas e atulhava a minha caixa postal tentando acompanhar o que rolava, em matéria de jornalismo, na World Wide Web. Não era simples. No caso do The New York Times, exemplo mais nítido, os boletins aportavam todos os dias e eu perdia algum tempo para vasculhar as manchetes, em busca de algo interessante... logo a seguir, para "logar", para ver a matéria e para, quem sabe, imprimir e, finalmente, ler depois. Era mais importante para mim, mais do que a "avaliação de pares", ler os livros que recebia, ouvir os CDs, assistir aos espetáculos, comparecer às exposições... de tal sorte que, mais uma vez, abandonei o acompanhamento da mídia externa em prol da consolidação do site.
Resumindo a ópera — que a não ser por uma mudança sutil que conto já... —, a Web oferecia, desde as suas origens — às vezes com maiores dificuldades, às vezes com menores — a possibilidade de se cotejar a imprensa daqui com a imprensa de fora, o que, teoricamente, proporcionava ganhos para os jornalistas, e para os leitores, nem que fosse de maneira indireta. Essa "leitura" dos periódicos de fora, porém, se revelava impraticável na rotina diária: muitos sites, muitas interfaces, senhas diferentes, links vários, formatos, periféricos, impressoras... Era certamente menor que a distância da banca de jornal com revistas importadas, mas ainda consumia tanto tempo e tanto esforço (mesmo que não consumisse dinheiro mais)... que quase ninguém aproveitava direito a internet e as suas maravilhas tão propaladas. Até os feeds; até os blogs. E agora eu chego aonde queria chegar.