COLUNAS
Terça-feira,
5/7/2005
A internet também cria vândalos e ladrões
Ram Rajagopal
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fonte: webtech.on.ca
"Unfortunately, we have had to remove this feature, at least temporarily, because a few readers were flooding the site with inappropriate material. Thanks and apologies to the thousands of people who logged on in the right spirit."
Los Angeles Times sobre o ex-novo editorial colaborativo Wiki.
Quem já foi criança, deve ter tido uma reação típica ao se deparar pela primeira vez com uma folha de papel em branco e uma coleção de lápis de cor: fazer rabiscos e desenhos desordenados explorando alegremente uma nova maneira de se expressar. Esta mesma reação se repete cada vez que nos deparamos com uma nova mídia, um novo meio para expressão e troca de idéias. Na nossa época de criança, se o lápis e o papel fossem muito caros, não teriamos tido a oportunidade de rabiscar tanto. Basta lembrar que raramente nossos pais se sentem confortáveis com rabiscos nas paredes de casa, e mesmo os rabiscos de adultos, o grafite, são considerados um escândalo. O custo de utilizar uma nova mídia regula a nossa capacidade de explorar e descobrir. De certa forma, o custo controla a liberdade. E por sua vez, a transgressão.
O desenvolvimento tecnológico está intimamente relacionado com o mesmo binômio custos-exploração que nos permitu fazer rabiscos na infância. A exploração livre leva a criação de novas mídias e ferramentas. Quanto menores os custos, um número maior de pessoas está disposta a adotar a tecnologia, a ferramenta proposta. Por sua vez, se for uma ferramenta efetiva, como por exemplo, a capacidade de se comunicar em redes usando computadores, a adoção generalizada leva a geração de uma economia e um mercado. E estes ilustres senhores passam a ditar as regras do jogo. O que começou como uma brincadeira de criança, vira assunto sério de adultos. De uma hora para outra, o que era liberdade para explorar pode ter se tornado transgressão. E a transgressão pode se tornar crime. Se os pioneiros do crime eram apenas crianças transgressoras, os novos criminosos não deixam dúvidas sobre sua índole. Então se criam leis, códices e regras, e as possibilidades de uso da ferramenta começam a se delimitar. Neste momento, a exploração que era a norma, se torna uma exceção.
A revolução comercial da internet que começou no início da década de 90, e em meados de 1995 se consolidou, foi justamente o momento em que a nova mídia gerou uma economia e um mercado. Até então a internet e a web tinham sido um grande parque de exploração, criado e mantido por coleções de cientistas separados da realidade cotidiana. Até então quem estava ligado a internet, em especial aos diversos recursos de comunicação como chats, newsgroups e a manutenção e uso de repositórios para FTP era praticamente um hacker.
A palavra hacker tem sua origem numa atividade muito mais prosaica do que invadir sites alheios ou criar e espalhar minhocas que tragam abaixo sistemas de computação da rede. A palavra hacker vem da expressão "to hack the code". Quem já programou em qualquer linguagem provavelmente já hackeou um código. Hackear é simplesmente escrever o programa, ou uma modificação do programa, da maneira mais curta possível, intencionalmente evitando os códigos estilísticos que ditam o uso da linguagem. Se por um lado o hack torna o programa mais difícil de ser lido, por outro é considerado uma arte. Um connaisseur da linguagem deve ser capaz de fazer hacks elegantes e engenhosos. O livro Ulysses está recheada de hacks elegantes escritos por Joyce numa das linguagens mais populares do mundo: o inglês.
Justamente a capacidade de explorar e conhecer bem uma linguagem permitiram o desenvolvimento rápido de quase toda tecnologia que permitiu que você pudesse comprar no Submarino com relativa segurança usando o cartão de crédito. Na época dos primeiros protocolos de rede, em que alguns excêntricos escreviam os programas que formaram as engrenagens da internet, a capacidade de descobrir um erro no programa do outro ou de manipular o sistema para conseguir um crash era extremamente valiosa. O que era uma atividade de desenvolvimento, se tornou uma subcultura com programadores e cientistas tentando encontrar vulnerabilidades e bugs nos protocolos e sistemas que iam sendo propostos. A própria diretriz da internet era para ser uma rede capaz de sobreviver a ataques. E a única maneira de saber se isto é verdade, era atacando. Na época, era exploração. A era dos Hackers Before Comercialization (BC).
Na era AC, After Comercialization, os hackers se tornaram transgressores, por não respeitarem o código de controle implícito imposto pela transformação da internet em mercado. Como em todo mercado, alguns transgressores querem benefícios econômicos rápidos de suas atividades transgressoras. Na arte temos os falsificadores, na literatura os plagiaristas e na web, os hackers. Mas nem todo hacker é igual. Operam hoje na rede ao menos quatro ou cinco tipos diferentes de transgressores. Entre eles, o invasor que invade sites para demonstrar sua proficiência técnica com a linguagem e raramente deixa algum rastro, o prankster, que invade e altera as páginas do site numa espécie de grafite virtual, os criadores de worms e vírus e os profiters que roubam e traficam informações para ganhar dinheiro no mercado. Ainda existem os hackers de código usando sua arte da programação para criar os miolos de muitas das novidades que você usa, desde um iPod até o Linux.
A atividade transgressiva se comercializou também, gerando uma indústria de proteção e segurança, com empresas que fabricam equipamentos para proteger as informações de um site, casas de software que escrevem programas antivírus e consultores especialistas em segurança de rede, e até em rastrear os transgressores. Os hackers que aparecem em noticiário hoje são somente aqueles que causam danos econômicos.
A questão é: será que a transgressão é razão suficiente para implementarmos mecanismos de controle para o uso da web? Vale a pena lembrar uma situação bem parecida, que marcou para sempre a década de 80: a história do grafite. A arte de rabiscar propriedade alheia que se caracterizou como liberdade na década de 60, se tornou transgressão já na década de 80. O que começou como uma demonstração cultural, se tornou rapidamente uma forma de vandalismo, com grafiteiros mal intencionados rabiscando monumentos históricos e fachadas de prédios. Num primeiro momento, a polícia atuou prendendo indiscriminadamente os grafiteiros, inclusive aqueles que faziam pinturas para recuperar fachadas decrépitas de seus bairros. Este estado sitiado debelou a arte do grafite... Hoje, muitas cidades que suprimiram o grafite estão atrás de indivíduos que façam trabalhos parecidos, para revitalizar a baixo custo várias paredes abandondas em seus espaços urbanos.
O VHS é mais um exemplo onde uma mídia, a fita de video, com possibilidades transgressivas concretizadas acabou se tornando um dos maiores motores econômicos dos mesmos conglomerados de entretenimento que atacaram a tecnologia. Como benefício extra, o VHS permitiu o florescimento da produção cinematográfica, abrindo a possibilidade de produtores e cineastas menores, menos tarimbados, lançarem seus projetos ao mercado. Um canal de distribuição se abriu. O mercado cresceu.
Definir o que é transgredir na internet pode não parecer muito complicado. Mas onde termina a liberdade e se inicia a transgressão? O que é transgredir? Indexar uma página da web? Enviar mensagens spam? Copiar uma referência para uma página disponível on-line, sem autorização prévia do dono? Levantar estatísticas sobre usuários e vendê-las? Permitir que usuários postem conteúdo sem haver possibilidade efetiva de monitorar? Infelizmente, a internet não se presta aos mesmos controles que existiam antes. Mudou a mídia, mudaram os métodos e o principal, devemos considerar a possibilidade de que aos poucos estamos mudando o que queremos definir como sendo propriedade. Seja ela propriedade intelectual, seja ela propriedade de informação.
Cotidianamente, nos blogues, já somos transgressores, copiando e referenciando artigos de outros sem permissão prévia. Usamos ferramentas que são fruto de um tipo de desenvolvimento de projeto que é considerado altamente transgressivo pelos monopólios econômicos. Mesmo as várias empresas usam capital intelectual de uma maneira transgressiva, desde se valer do poder de uma patente para bloquear idéias, a montar idéias novas baseadas em modificações das idéias de outro. Pode não ser tão na cara quanto descobrir uma forma de burlar sistemas de informação, mas é parecido.
A melhor maneira de se proteger de transgressores, e permitir a evolução econômica e social ainda maior deste mercado de informação, não é a restrição dos meios de distribuição da web. Já existem propostas que buscam regulamentar as formas de acesso a informação e a controlar a distribuição, uso e acesso a determinados tipos de informação. A capacidade de se controlar a informação na internet, tarefa aparentemente impossível, é possível, como mostra a atuação dos conglomerados industriais no caso do bloqueio de sites e blogues na China. Até que ponto devemos sacrificar as possibilidades deste novo meio, a web, devido a ação de uns poucos transgressores e a opinião dos monopólios econômicos e intelectuais que se sentem ameaçados da posição de controle que ocuparam por muitas décadas?
A melhor maneira de se proteger de transgressores é prevenir. Prevenção é comprar equipamentos que permitam que as informações do seu site sejam criptografadas em tempo real. Prevenção é educar os usuários do sistema sobre como escolher e manter senhas e informação em seus diretórios. Prevenir é aceitar a insegurança inerente de um sistema de informação, assim como sempre existe a possibilidade do garçom copiar seu número de cartão ou um funcionário vender a receita mágica da sua empresa. Segurança não é confinamento. Seja na vida urbana, onde não impedimos as pessoas de caminhar por aí porque podem ser grafiteiras, seja no universo da informação. Será que você sacrificaria a existência de um James Joyce porque ele transgride os conceitos usuais da linguagem? Será que você criaria uma nova regra de futebol porque o Mané Garrincha descobriu um drible indefensável? Então porque você tem que aceitar a imposição de controles na rede, sem uma profunda discussão e reflexão por parte de nós, usuários, só porque você quer usar o controle remoto para comprar na Amazon?
Ram Rajagopal
Rio de Janeiro,
5/7/2005
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