Henry Moore: o Rodin do século XX | Luis Eduardo Matta | Digestivo Cultural

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COLUNAS

Terça-feira, 26/7/2005
Henry Moore: o Rodin do século XX
Luis Eduardo Matta
+ de 13800 Acessos

Tido por alguns como o último dos antigos e por outros como o primeiro dos novos, o inglês Henry Moore (1898-1986) consagrou-se como um dos mais importantes nomes da escultura no século XX. Com uma produção portentosa, que conta com o impressionante saldo de cerca de vinte mil peças, Moore foi um artista de enorme sensibilidade que, embora não tenha sido propriamente um grande promotor de revoluções estéticas na arte, como Picasso ou Miró, soube como poucos estabelecer um diálogo entre o passado clássico e a modernidade, com uma clara inspiração na natureza e nas culturas não-européias, sobretudo as da América pré-colombiana, que ele veio a conhecer numa das suas primeiras visitas ao Museu Britânico, em Londres, ainda muito jovem.

Admirador confesso de Michelangelo, Van Gogh, Cézanne e Picasso, Henry Moore foi um artista de evidente tendência humanista, que buscou em seu trabalho interpretar e desconstruir continuamente a figura humana, dando-lhe um acabamento de aparente serenidade que, ao mesmo tempo, deixava transparecer uma aura visível de tensão e inquietação. Do mesmo modo, o uso, muitas vezes em caráter experimental, de materiais variados que iam do bronze e do gesso à pedra e à madeira, tinha uma característica peculiar, já que era o material selecionado que ditava as formas dos seus trabalhos e não o inverso como, normalmente, ocorre. Conhecer o trabalho de Moore é, a meu juízo, uma obrigação para quem aprecia a boa arte contemporânea. Ainda porque seu talento não se circunscreveu ao campo da escultura. Moore também notabilizou-se por seus desenhos e gravuras, com contornos fortes e marcantes, como os que reproduzem pessoas protegendo-se em refúgios antiaéreos, conseqüência da sua experiência na Segunda Guerra Mundial, quando o seu ateliê chegou a ser bombardeado, o que lhe valeu o apelido de "artista da guerra".

Desde abril passado, o público brasileiro está tendo a oportunidade de apreciar de perto uma vasta e significativa seleção das obras de Henry Moore, abarcando períodos diversos da sua trajetória artística, em exposições que primam pela boa organização e pela objetividade. A mostra Henry Moore: Uma Retrospectiva - Brasil 2005, realizada em parceria com o British Council e a Henry Moore Foundation é a maior do artista jamais montada fora da Europa e reúne 117 esculturas e 127 gravuras e desenhos produzidas entre 1920 e 1980. Depois de passar pela Pinacoteca do Estado, em São Paulo a mostra chegou, em julho, ao Paço Imperial do Rio de Janeiro. Este colunista, há muitos anos apreciador da obra de Moore, não se conteve e, na semana passada, com a cidade do Rio envolvida por um frio intenso e açoitada por uma chuva fina e insistente, gastou quase uma tarde inteira percorrendo os salões e galerias do solene palácio em estilo colonial da Praça XV, em meio às esculturas e gravuras do mestre inglês, considerado, pelo volume e expressão da sua obra, o Rodin do século XX.

A exposição pode ser dividida, grosso modo, em três partes. Na primeira delas, em duas alas separadas do térreo - a entrada principal e o átrio central - estão as esculturas monumentais que não puderam ser deslocadas para os pavimentos superiores, como a impressionante Figura Reclinada com Planejamento em mármore travertino, de 1978 e, cuja harmonização com a arquitetura circundante refletem, ainda que não-intencionalmente, uma das características primeiras da obra de Moore que era, justamente, a integração dos seus trabalhos ao ambiente ao redor.

A segunda parte da mostra - a mais vasta e importante - está montada nas salas do primeiro andar, obedecendo a uma ordem cronológica da carreira de Henry Moore. É lá, por exemplo, que encontraremos os trabalhos representativos da fase em que Moore se lançou na arte, nos anos 20, sob o fascínio da obra de Picasso e da arte primitiva. São esculturas como a perturbadora Máscara, de 1927, cujas formas do olhar transmitem uma impressão de agonia vazia e resignada. A partir dos anos 30, sua carreira ganharia um forte impulso criativo, época em que as influências do Surrealismo afetaram sensivelmente o seu trabalho, enriquecendo-lhe os horizontes e derrubando algumas barreiras formais. Essa fase está representada na mostra com esculturas como a impactante O Elmo. Mais adiante, ingressamos na década de 50, com esculturas que conjugam abstracionismo e figuração, como a belíssima Figura com pé que pela altura e dimensões, bem poderia decorar os jardins dos mais representativos conjuntos modernistas do Brasil e a exuberante Grupo Familiar, em que Moore expressa a admiração pela figura humana, a qual buscou valorizar, no decorrer da sua carreira. Paralelamente às esculturas, os visitantes poderão igualmente apreciar muitas das gravuras, aquarelas e desenhos de Moore, distribuídos por todo o perímetro deste núcleo da mostra. Destaque para as sombrias Abrigo Marrom do Metrô, de 1940 e Grupo de Pessoas com Planejamento num Abrigo, de 1941, concebidas sob o impacto da guerra que, então, assombrava a Inglaterra.

Na terceira e última etapa da exposição, no segundo andar, um comprido painel nos fornece toda a cronologia da vida e carreira de Henry Moore. Há também um quiosque, onde estão à venda o catálogo e lembranças da mostra (como lápis e camisetas) e, fechando com chave de ouro, uma sala de vídeo, onde um filme legendado narra a trajetória de Moore, suas influências e a evolução da sua carreira. Isso ajuda a compensar a ausência de guias e folhetos informativos, uma falha significativa da organização, que pode dificultar a compreensão da mostra por parte dos visitantes pouco familiarizados com a história de Henry Moore.

A exposição Henry Moore: Uma Retrospectiva - Brasil 2005 ficará no Paço Imperial do Rio de Janeiro até o dia 18 de setembro. Sua próxima escala será o Centro Cultural Banco do Brasil, de Brasília, a partir de 13 de outubro.

Quando discursar é uma arte

Como escritor, sou alguém que está sempre buscando aprimorar e polir a minha própria linguagem, tanto a escrita quanto a oral. Por conta disso, não me canso de me embrenhar por textos que, de algum modo, ampliem os meus horizontes criativos e aprofundem a minha percepção deste grande patrimônio nosso que é a língua portuguesa, à qual estou permanentemente rendendo homenagens e tecendo loas. Poucos escritores brasileiros contemporâneos foram tão pródigos neste sentido como Nélida Piñon, uma artesã dedicada e sensível da nossa Literatura. Seus livros, como A República dos Sonhos e Vozes do Deserto, não só me forneceram largo repertório de belas histórias, como, sobretudo, puseram em relevo toda a riqueza e musicalidade do nosso idioma em textos que fluem com agradável naturalidade, sem que, na sofisticação da linguagem empregada, se entreveja qualquer vestígio de pedantismo ou hermetismo, itens tão caros à agenda dos círculos literários e intelectuais.

Foi movido por este ímpeto de leitor obstinado que, recentemente, imergi nas páginas de O Presumível Coração da América (Topbooks/Academia Brasileira de Letras; 226 páginas; 2002), uma compilação de discursos proferidos por Nélida Piñon entre 1985 e 2002. São, ao todo, vinte e seis discursos, a maioria datada de 1997, quando Nélida ocupou a presidência da Academia Brasileira de Letras. Os textos, ainda que tenham sido redigidos em separado e em ocasiões diferentes e não estejam organizados, no livro, em ordem cronológica, parecem se complementar uns aos outros, apresentando uma raiz comum que os une. Essa raiz poderia ser o próprio imaginário da autora, o seu repertório intelectual e o seu itinerário como pessoa, que vão, espontaneamente, brotando sob a forma de palavras; ou, talvez, a paixão com a qual Nélida parece se entregar ao exercício da escrita, embutindo em cada uma das suas frases, uma carga de emoção que acaba por impregnar todos os discursos de maneira intensa e arrebatadora.

Logo no discurso de abertura - "O Presumível Coração da América", que dá nome à obra - proferido por ocasião do recebimento do Prêmio Juan Rulfo, em 1995, no México, Nélida externa a sua profunda ligação com o Brasil e a América Latina, evocando ardorosamente a memória e a identidade cultural do continente, para estabelecer um imaginário comum entre os seus povos. Chega a ser emocionante. A América Latina, tão castigada por décadas, séculos, de miséria, injustiças e desvarios, tão desonrada quando colocada diante do espelho, é, nos textos de Nélida, alçada a um patamar de enorme importância. Dessa forma, a escritora nos ensina a admirar e amar a América Latina, como a nossa grande pátria. Sobretudo demonstrando que, por mais que insistamos em nos fixar nos paradigmas europeu e norte-americano, somos filhos indissociáveis desta terra, herdeiros dos seus desígnios, protagonistas e espectadores de uma realidade que, embora, por vezes seja desanimadora, encontra a redenção através da arte e da escrita.

O Presumível Coração da América é um livro para se ler com calma, sorvendo as frases lentamente, como quem saboreia uma fina iguaria. Além disso, também pode servir como uma boa fonte de aprendizado para aqueles que pretendem se aventurar pela seara do discurso, ao demonstrar que a melhor Literatura tem espaço assegurado até mesmo nas tribunas.


Luis Eduardo Matta
Rio de Janeiro, 26/7/2005

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